Autor Arquivo: Ilona Becskeházy

A primeira redação da era Weintraub a gente não esquece…

Pronto, terminou a temporada de especulações sobre o tema da redação do ENEM 2019 sob a batuta do Ministro Abraham Weintraub! O Bicho Papão não veio pegar ninguém…o tema da redação e seus textos motivadores eram atuais (mesmo que alguns produzidos há mais de 20 anos, como o texto I) e corriqueiros, sobre um tema banal: o acesso a cinema.

Não tinha exaltação a fascistas e ditadores, nem outros assuntos recorrentemente associados ao atual Chefe do Poder Executivo em nível federal, Presidente Jair Bolsonaro. No ano passado, por exemplo, o tema foi muito mais sensível, pelo fato de a prova ter sido logo após um processo eleitoral em que o tema da circulação de informações falsas ou verdadeiras em redes sociais e seu controle ou manipulação estiveram muito presentes. Relembrando… o tema de 2018:

A partir da leitura dos textos motivadores e com base nos conhecimentos construídos ao longo de sua formação, redija um texto dissertativo argumentativo em modalidade escrita formal da língua portuguesa sobre o tema “Manipulação do comportamento do usuário pelo controle de dados na internet”, apresentando proposta de intervenção que respeite os direitos humanos. Selecione, organize e relacione, de forma coerente e coesa, argumentos e fatos para defesa de seu ponto de vista.

Veja p. 14 do manual de redação de 2019 para ler os textos motivadores, que tratam de “filtragem de informações”

Dessa forma, a filtragem de informações feita pelas redes sociais ou pelos sistemas de busca pode moldar nossa maneira de pensar. E esse é o problema principal: a ilusão de liberdade de escolha que muitas vezes é gerada pelos algoritmos. (texto I);

ou de “algoritmos controlados por terceiros”

Em poucas palavras, são uma opinião embrulhada em código. E estamos caminhando para um estágio em que é a máquina que decide qual notícia deve ou não ser lida.

Para 2019, no entanto, optou-se por um tema sobre o qual qualquer pessoa pode discorrer: o acesso a cinema (em um conceito amplo, já explico a seguir). A única condição é atender aos critérios exigidos para alcançar boa pontuação na redação, conforme explicado na cartilha do participante veiculada pelo INEP pela internet. Como nós todos sabemos, atender a esses critérios depende de o aluno ter tido acesso a um bom treino de produção textual do tipo dissertativo-argumentativo, cuja descrição, na cartilha, é a seguinte:

O texto dissertativo-argumentativo é aquele que se organiza na defesa de um ponto de vista sobre determinado assunto. É fundamentado com argumentos, a fim de influenciar a opinião do leitor, tentando convencê-lo de que a ideia defendida está correta. É preciso, portanto, expor e explicar ideias. Daí a sua dupla natureza: é argumentativo porque defende uma tese, uma opinião, e é dissertativo porque utiliza explicações para justificá-la. O objetivo desse texto é, em última análise, convencer o leitor de que o ponto de vista em relação à tese apresentada é acertado e relevante. Para tanto, mobiliza informações, fatos e opiniões, à luz de um raciocínio coerente e consistente. (p. 16; grifos meus)

Assim como saber redigir esse tipo de texto, atendendo aos seguintes critérios, que verificam as seguintes competências:

Competência 1: Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa;
Competência 2: Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa;
Competência 3: Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista;
Competência 4: Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação;
Competência 5: Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Quem me segue aqui sabe que eu tenho críticas à forma como os critérios são explicitados para o público em gerale como são aplicados na prática. Para além de não deixar claro quantos e que tipo de erro gramatical tiram que quantidade específica de pontos para a competência 1, a competência 5 prescreve que um pobre de um aluno de 17/18 arranje uma solução e convença o corretor de que ela é boa (!!) em 3 parágrafos. Basta que se exija do candidato apresentar uma opinião sobre o tema, com base nas informação que ele escolheu como fundamentação nos parágrafos anteriores.

O trabalho dos professores de cursinho orientando alunos a tomar cuidado com as opiniões e até fazendo-os decorar textos inteiros de autores que possam “agradar aos corretores” é um sinal dos tempos. Espero que o Ministério da Educação e o INEP consigam mudar essa percepção, de forma que as pessoas que querem uma vaga em ensino superior no Brasil, se escreverem bem e corretamente, possam expressar qualquer opinião sobre os eventuais temas da redação do ENEM, sem medo de desagradar ninguém. Essa questão vai muito além do certame, é importante para formação geral dos jovens brasileiros em um ambiente verdadeiramente democrático!

Agora comentários sobre a redação de 2019. Leiam os textos motivadores com atenção. Esse é o primeiro passo para fazer uma boa redação, pois é possível usar elementos deles (sem copiar o texto em si)

Fonte: https://g1.globo.com/educacao/enem/2019/noticia/2019/11/03/redacao-do-enem-2019-e-sobre-democratizacao-do-acesso-ao-cinema-no-brasil.ghtml

O texto I é sobre cinema como tecnologia, inicialmente inovadora quando foi criada e que capturou, desde então, o interesse de toda a humanidade. O Texto II é sobre cinema como conteúdo que comunica algo de um universo pessoal para o espectador – ou seja, uma forma de arte e comunicação. O texto III, bem recente, mostra os diferentes meios que permitem a se ter acesso ao conteúdo de filmes e a baixa frequência relativas a salas de cinema em si – mais limitantes por causa do custo a elas associado. E, finalmente, o texto IV, apresenta dados sobre a evolução do número de salas de cinema e sua distribuição, assim como possíveis determinantes, como a trajetória da urbanização no território brasileiro e a situação financeira das empresas de exibição de filmes.

Ou seja, para quem sabe escrever (e esse é O PROBLEMA – apenas uma minoria dos egressos do ensino médio o sabem e isso normalmente depende da renda de sua família) , a redação dependia muito pouco de conhecimentos prévios sobre o tema. Era necessário ter vocabulário para aproveitar bem o que os textos apresentavam, sem copiá-los e organizar bem o que foi apresentado, de maneira a embasar uma opinião qualquer. Tanto faz se a sua solução é uma com a qual eu não concordo, como, por exemplo que deveria haver cinemas do estado (em nível municipal, por exemplo) que garantissem a exibição de filmes para os mais pobres ou que cada um deveria ver os filmes de que gosta mais a partir de seu celular. O que importa é que ao trazer as informações necessárias o MEC facilita a vida do estudante.

O que temos que fazer agora é nos unir para exigir que todos os que concluem a educação básica consigam fazer redações com temas relativamente simples como esse! Redação (PRODUÇÃO E CORREÇÃO POR UM PROFESSOR QUALIFICADO) nas escolas brasileiras TODAS AS SEMANAS JÁ!

3º post da série sobre uma Política Nacional de Qualidade Docente

A nossa proposta de uma abrangente Política Nacional de Qualidade Docente obviamente é bem mais complexa do que se pode inicialmente imaginar. Lembremos que no Brasil temos três níveis de poder executivo: o Governo Federal, os governos estaduais e os municipais, cuja divisão de responsabilidades para o atendimento às necessidades educacionais da Nação são brevemente descritas no Art. 211 da CF.

Assim, QUALQUER política ou programa para a educação a partir do Governo Federal já começa com um incrível nível de complexidade, como se já não bastassem os desafios inerentes às atividades pedagógicas dentro de escolas. Lembrando que, além dos três níveis em cada recorte territorial, nosso País é imenso e populoso, com a imensa maioria da população vivendo na pobreza, quando não na mais absoluta miséria, apesar de termos verdadeiras cortes reais encasteladas em vários níveis de governo.

O estado que até agora melhor conseguiu arrumar os níveis de responsabilidade, alinhando interesses e prática foi o Ceará, com os resultados que todos já conhecem. É exatamente essa arrumação de responsabilidades que precisam 1) ser claramente definidas – muito mais do que aponta o Art. 211 da CF -, 2) listadas em sua integralidade, de maneira a formar uma política coerente e inteligente 3) atribuídas a cada ente federado e a cada instituição ou tipo de instituição, para que cada uma assuma seus deveres no sentido de garantir a cada aluno o seu direito à educação.

Assim, eu e a Márcia Sebastiani montamos dois quadros resumo sobre a identificação dos atores e as repartições de responsabilidades educacionais nos três níveis de governo. O primeiro já foi apresentado no post anterior, mas vai ser reapresentado aqui para manter a coerência do post.

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Fonte: Conabe

Como se pode ver, embora haja três níveis de governo envolvidos com a formação e com as carreiras docentes, o que forma um desafio maior de QUALIDADE docente que é o que a nossa sugestão de política pública está sugerindo, há uma quantidade muito maior de instituições (Capes, MEC, INEP, et. c) e tipos de instituição (de ensino superior, de ensino básico, prefeituras e governos de estado, além das inúmeras instituições independentes de ensino básico privadas). É preciso harmonizar todas elas para que a qualidade docente passe a acontecer em todas as escolas do Brasil!

Uma vez identificadas as instituições, temos que identificar O QUÊ elas precisam fazer, para depois estipularmos O COMO em normativas muito claras, passíveis de execução e monitoramento objetivo, para haver a garantia de cumprimento (enforcement). É essa primeira parte que o quadro a seguir tem a pretensão de atender: o quê cada nível de responsabilidade tem que fazer para contribuir para uma Política Nacional de Qualidade Docente.

Fonte: Conabe

Para entender como esses três eixos funcionam em conjunto, é preciso perceber (pusemos as cores e as caixinhas alinhadas para facilitar) que cada ponto que identificamos como base conceitual a ser dominada pelos docentes precisa ser acompanhado de uma vivência prática SUPERVISIONADA e por providências e resoluções ao nível dos governos locais e até das escolas. Vamos aos exemplos, porque aí (esperamos) fica ainda mais fácil de entender o que achamos que deva ser feito, embora, para sermos honestas, estamos achando difícil…

1) Conhecimento sobre a lógica curricular de cada disciplina + Estudo e desenvolvimento de currículos, sequencias didáticas e recursos pedagógicos:  principal categoria, corresponde pela compreensão da lógica das principais disciplinas do currículo de educação infantil e ensino fundamental I que são: Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia, Ciências e Língua Inglesa. Trata-se da intersecção entre conteúdo e pedagogia, que para o reconhecido educador norte-americano Lee Shulman é a “capacidade de um professor para transformar o conhecimento do conteúdo que ele possui em formas pedagogicamente poderosas e adaptadas às variações dos estudantes levando em consideração as experiências e bagagens dos mesmos”.

Para que o docente possa dominar esse bloco de conhecimentos, no nível federal ele precisa fazer parte de um currículo nacional de formação docente, no nível estadual e municipal seu estágio em escolas e redes de ensino precisa prever que ele vá estudar tanto documentos curriculares vários, quantos materiais de aula, planos de ensino e ter a oportunidade de observar aulas onde os conteúdos de cada disciplina estejam sendo ministrados. Isso depende de o docente em formação ser inserido em uma rede de escolas com um mínimo de alocação lógica de material didático e trabalho pedagógico conjunto a partir de um currículo.

2) Conhecimento didático-pedagógico + Observação ativa e passiva da sala de aula e monitoramento da aprendizagem: refere-se ao domínio dos processos de instrução e do manejo dos ambientes de aprendizagem, com vistas a garantir o ensino de cada uma das disciplinas e áreas de conhecimento, a partir do currículo, mas já em uma lógica interdisciplinar de planejamento e execução das atividades didático-pedagógicas. Aborda os trabalhos de mentoria entre professor/aluno e entre pares, trabalhando em comunidades de aprendizagem.

Da mesma forma, para aprender como dar aulas o que fazer e o que não fazer, por exemplo, além de ter suas próprias tentativas iniciais de dar aulas responsavelmente monitoradas, comentadas e aprimoradas por profissionais experientes, o docente em formação precisa ter acesso na sua vivência prática a salas de aula reais com alocação de profissionais que possam lhe auxiliar nessa etapa.

3) Conhecimento sobre os alunos e suas características + Interação com alunos e suas famílias: explicita a inter-relação entre as diferentes opções didáticas e as condições individuais, socioculturais e contextuais dos alunos.  Torna o professor capaz de identificar, estudar e explorar as possibilidades didáticas em relação às diferentes características de cada aluno na hora de aprender cada item do currículo. Comunica-se, interage e colabora com as famílias sempre em busca da garantia de aprendizagem dos alunos.

Para que os docentes em formação aprendam a diferença que faz no seu trabalho conhecer para poder interagir com alunos, suas famílias e comunidades de origem em prol do sucesso escolar deles, é preciso que possam estudar seus perfis, aprendem a levantar informações no campo de estudo e a organizá-las para facilitar seu trabalho. Isso depende de fazer estágio em uma rede minimamente organizada para permitir essas experiências didáticas e de pesquisa exploratória (exemplo de atividade prática) antes de enfrentar o desafio real da regência de classe.

4) Conhecimento institucional + Observação das normas vigentes:  refere-se ao funcionamento da escola, da rede e do arcabouço institucional e legal da educação no Brasil, na Unidade da Federação, no município e na rede onde a IES está inserida. É o pano de fundo das ações pedagógicas que ocorrem nas escolas.

Embora essa seja uma área onde a experiência prática é menos importante, o professor em formação precisa conhecer normas e práticas de redes onde vai trabalhar e isso depende da organização local de cada rede, a estrutura de carreira local et c.

5) Conhecimento e estruturação pessoal e profissional + Comportamento institucional, cultura geral e saúde mental: trata-se da aquisição de uma sólida base teórica e cultural, indispensável para o exercício da profissão docente, que engloba referências bibliográficas sobre filosofia, sociologia, história da educação, literatura, música, cinema, artes plásticas etc. por meio de obras clássicas e contemporâneas, influentes no contexto brasileiro, latino americano e ocidental.  Envolve também relacionamento entre pares, superiores e subordinados, além da aprendizagem de como cuidar de sua saúde física e emocional.

Esse último bloco tanto diz respeito à formação continuada (essa sim a mais dependente das instituições locais e das redes de escolas – que são locais mas devem manter um alinhamento lógico, de conteúdo e de concepções técnicas alinhado a uma Política Nacional de Qualidade Docente), quanto ao próprio desenvolvimento pessoal, profissional e emocional de cada docente. No nível das redes municipais e estaduais de ensino devem tanto ser previstas ações culturais que envolvam docentes em formação permanente, quanto sistemas de apoio à sua saúde física e mental, uma vez que é uma profissão que exige muito de ambas.

Alguma sugestão?

Desenho geral de uma Política Nacional de Qualidade Docente

Dando seguimento à série de posts iniciada na semana passada, segue este segundo com mais informações sobre o parecer do CNE sobre as novas Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica e a estrutura do que eu e a Márcia Sebastiani estamos propondo para uma possível Política Nacional de Qualidade Docente, que, embora mencionada, por meio de normativas anteriores, no referido Parecer, não tenha sido, na nossa opinião, bem abordada por ele.

Em primeiro lugar, um órgão de Estado como o CNE precisava ter sido mais claro no diagnóstico que apresenta para justificar uma mudança RADICAL nos parâmetros de formação. Parece ser unânime que a formação inicial e continuada dos docentes de educação básica realmente necessidade de transformações estratégicas e profundas, mas isso precisa estar muito bem fundamentado. Sabemos que toda alteração em políticas públicas sempre assanham grupos organizados para manter ou aumentar suas vantagens particulares, mesmo que seja em detrimento de crianças e famílias que dependem da escola pública para um futuro melhor. A fundamentação e todos os detalhes da política precisam ser muito bem explicados e explicitados para que as vantagens da nova Política de Qualidade (e não apenas uma política de formação) realmente priorize o interesse dos alunos e do País, para depois atender aos dos professores e instituições de ensino e governos, que são quem operacionalizam tudo, COM O DINHEIRO DO CONTRIBUINTE!

Então vamos a uma simplificação e aprofundamento do diagnóstico, que precisa responder à seguinte pergunta: por que é preciso alterar a QUALIDADE, ou seja, a EFETIVIDADE dos professores brasileiros que atuam na educação básica? a resposta é por que há uma percepção geral de que as escolas no País, em sua maioria (o Pisa mostra isso até para a população menos pobre, no decil mais alto de renda), NÃO É EFETIVA. Isso quer dizer que há recursos humanos e materiais disponíveis para a educação, há cobertura quase universal para algumas etapas, há aulas, há livros (podemos concordar que possivelmente não em qualidade e quantidade suficiente), mas os alunos não aprendem o que se espera – não que as expectativas de aprendizagem sejam claras, não tínhamos currículo nacional até dezembro de 2017 e a BNCC é fraquíssima para especificá-las -. Isso tudo precisa ser muito bem explicadinho, com dados e informações claras, por que, se for necessário que o estado brasileiro tenha que gastar mais dinheiro com o setor (como parece ser o caso), as despesas precisam de justificativa sólida.

Sendo assim, o diagnóstico deverá reforçar, forma objetiva e parcimoniosa, o que inúmeros levantamentos já evidenciaram sobre a evolução da educação básica brasileira desde a promulgação da Constituição Federal: houve substancial expansão das matrículas em todas as etapas, assim como dos gastos a elas associados, inclusive em relação à infraestrutura básica e à remuneração docente, com impacto principalmente nos indicadores de fluxo escolar – mais alunos concluem cada uma das etapas –. Entretanto, os indicadores de aprendizagem não apresentam melhora objetiva, a não ser para os de NSE mais alto, com raras e já identificadas exceções em poucas redes de ensino, ou em escolas que atendem a um público pré selecionado.

Esse quadro de ineficiência e de ineficácia tem início já na alfabetização – se houver relatórios públicos ou privados, nacionais ou estrangeiros, que corroborem essa constatação, que sejam recentes e complementares ao que o Governo Federal e os Estaduais já apuram com seus próprios dados, o CNE ou quem quer que faça uma recomendação desse tipo (deveria ter sido o MEC), deve citá-los, preferência dando acesso a links ativos. Em um relatório que embase uma mudança de rumo na formação docente não poderão faltar os seguintes levantamentos:

  1. crescimento na cobertura proporcional da matrícula por percentil de renda com dados dos últimos 10 anos por etapa;
  2. tendências populacionais que mostram tendência de queda substancial no tamanho da clientela escolar para os próximos anos;
  3. evolução dos principais indicadores educacionais do Inep, que mostram melhorias nos insumos de atendimento escolar nos últimos anos (número de horas/aula, relação professor/aluno, distorção idade-série e demais indicadores de fluxo, etc.) – de preferência mostrando as UFs com melhores e piores trajetórias;
  4. evolução do desempenho dos alunos no Saeb, incluindo a ANA e no Pisa, por UF também;
  5. evolução dos indicadores de gastos, por esfera administrativa e etapa de ensino, incluindo os gastos com ES, principalmente em instituições que formam professores, incluindo a evolução dos gastos com professores (e sua evolução salarial) da educação básica por esfera administrativa etapa de ensino, incluindo com ES;
  6. levantamento sucinto dos principais programas de formação docente em nível federal dos últimos 10 anos ou desde 2005 (porque temos os dados da Prova Brasil para estimar efeito): Parfor, PNAIC, PIBID e afins e
  7. evolução da adequação de formação docente – esse item é bastante importante porque mostrar que a adequação formal da qualificação docente praticamente não term relação estatística NENHUMA com o desempenho dos alunos.

Essa constatação merece MUITA ATENÇÃO dos diversos níveis de governo porque duas estratégias de implementação de eficácia escolar podem ser alternativas, ou, no mínimo, coadjuvantes ao redesenho da formação docente e do aumento de gastos com o tema:

  1. a revalorização do ensino médio técnico (curso normal) como primeira formação docente para os profissionais que atuam na educação infantil e fundamental I e
  2. o uso de material estruturado como importante garantia de operacionalização curricular em sala de aula (ver o caso do Ceará e Sobral no gráfico a seguir que mostra o desempenho médio por escola na ANA de 2016, separando as escolas do Ceará – que garantem um desempenho mínimo praticamente a toda as escolas, além dos desempenhos mais altos do País, sem NENHUMA relação estatística com a proporção de adequação docente para a etapa – 3º ano). Sobral fez o investimento em aumentar a formação docente, mas as notas de suas escolas não diferem muito de outras do mesmo estado, sem o mesmo nível de capacitação formal, que seria a formação em Pedagogia)

Feito esse diagnóstico, é preciso apresentar o desenho geral da Política Nacional de Qualidade Docente. Vamos a ela!

Uma rede de ensino atende alunos e suas famílias com o fim de proporcionar educação escolar formal às novas gerações, transmitindo parte do conhecimento acumulado pela humanidade até a geração anterior e promovendo o desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociais. Parte-se da crença que a educação formal, quando atinge seus objetivos, permite às pessoas ganhar o comando de sua própria vida, compreender melhor o mundo para uma interação profícua, preparar-se adequadamente para contribuir com a produção de riqueza nacional, zelar pela manutenção da coesão social e do regime democrático como forma de governo e buscar os caminhos para a própria felicidade.

Toda essas expectativas em relação à escola dependem de uma conexão competente e eficaz entre dois pontos: a definição sobre o que ensinar e o aprendizado dos alunos – é preciso montar uma estrutura que garanta que a escola, por meio da atuação de profissionais qualificados, cumpra a função de materializar o direito de cada aluno à educação.

Uma escola ou rede de ensino é formada por três grandes categorias de atividades que, juntas, têm a função premente de fazer com que os alunos aprendam um conjunto de conteúdos e habilidades, pré-definido por um currículo muito claro. Quanto mais acadêmica e socialmente ambicioso esse conjunto de expectativas de aprendizagem for, mais competente a estrutura escolar deve ser:

  • Desenvolvimento pedagógico, que envolve todas as atividades de ensino, aprendizagem e seu monitoramento
  • Rede de proteção social (ou de serviços de apoio para os que não precisam de uma proteção social extra) que garante que os alunos estejam na escola em condições físicas e emocionais todos os dias para participarem das atividades pedagógicas
  • Administração geral, que garante que os recursos necessários ao processo de aprendizagem e de proteção social/serviços são adequados e estão disponíveis quando necessários

Todas essas subestruturas dependem da especificação curricular que dita o tipo e o padrão de qualidade dos insumos materiais e humanos que devem estar disponíveis em cada momento em cada escola – o currículo é, portanto, uma decisão estratégica. O esquema gráfico a seguir representa esses componentes:

Fonte: Becskeházy, 2018

Assim, é preciso garantir que os profissionais que atuam em cada sala de aula do País tenham as qualificações necessárias para que cada escola possa cumprir seu papel estratégico de materializar um ensino com altas expectativas, por meio da igualdade de oportunidades de aprendizagem e com o máximo de equidade no desenvolvimento da proficiência. Esses profissionais dependem de um preparo técnico permanente, formal e prático. Portanto, as escolas e as redes de ensino dependem das Instituições de Ensino Superior (IES) para preencherem seus quadros de maneira satisfatória, as quais, por sua, vez, são reguladas pelo Governo Federal.

Apesar de a educação básica ser de responsabilidade de entes subnacionais, o Governo Federal deve atuar supletivamente (Art. 211 CF) para, em conjunto com estados e municípios, garantir que as três categorias de atividades que compõem as escolas (ver acima) funcionem devidamente, de forma a atender as necessidades educacionais do seu corpo discente. A efetividade das escolas que funcionam no Brasil depende de um conjunto intrincado de políticas públicas que precisam ser harmonizadas de maneira estratégica e lógica. Portanto, é preciso haver uma POLÍTICA NACIONAL DE QUALIDADE DOCENTE (PNQD) que explicite o papel de cada órgão de governo, nos seus diferentes níveis administrativos e que defina, de forma clara, as responsabilidades de cada um dos diferentes atores da sociedade cuja atuação convirja para o atendimento ao direito à educação de cada aluno , conforme Art. 205 da CF. Um esboço dessa política foi proposto pelo decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de 2009, que instituiu a Política Nacional De Formação De Profissionais do Magistério da Educação Básica. Nesta sessão, desenvolve-se em mais detalhe o que seria uma política mais abrangente de qualidade docente, para além da formação.

  • Governo Federal regula o funcionamento e monitora a qualidade das IES, fornece bolsas para pesquisa e para formação profissional, inclusive de docentes, apoia entes subnacionais (estados, municípios e DF) na consecussão e suas responsabilidades educacionais e opera programas de apoio direto a escolas
    • O governos subnacionais  são os responsáveis por prover  os serviços educacionais da educação básica e dependem das IES para a formação dos profissionais que atuam em suas redes
    • As escolas atendem alunos e suas famílias e dependem da correta alocação de recursos materiais e humanos para comprirem sua função social
    • Alunos e suas famílias são portadores de direitos e deveres em relação à educação formal

É possível articular entre todos os entes federados e atores relevantes da sociedade uma PNQD que fomente, tanto nas atividades relacionadas à formação e desenvolvimento profissional docente, quanto na sua prática profissional e nas condições de trabalho, altos padrões de desempenho docente.

  • EIXO 1: Política federal – atuação do MEC e autarquias junto às IES públicas e privadas para a FORMAÇÃO E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL: Diretrizes Curriculares Nacionais e Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica, Código de Ética, certificação nacional docente , sistemas de avaliação  institucional das IES, concessão de bolsas para pesquisa aplicada e para formação profissional docente.
  • EIXO 2: Política de Regime de Colaboração – atuação do MEC junto às IES e redes de ensino subnacionais para regulamentar e monitorar, em parceria, a VIVÊNCIA PRÁTICA E COMPETÊNCIAS PROFISSIONAIS que têm lugar nas redes de ensino: prática pedagógica (residência e estágio probatório), bolsas para formação inicial e continuada, fomento à pesquisa aplicada a partir das escolas e redes de ensino e disseminação de melhores práticas  em nível nacional.
  • EIXO 3: Política de indução – atuação do MEC e FNDE junto às redes de ensino por meio de transferências condicionadas de recursos (Fundeb, PDDE, etc) para melhoria e monitoramento das CONDIÇÕES DE TRABALHO DOCENTE, que incluem adequação da infraestrutura escolar e dos planos de carreira para garantir o permanente engajamento e o desenvolvimento profissional docente.

A ilustração a seguir resume o conjunto das entidades e de suas responsabilidades:

Fonte: Conabe, 2019

EIXO 1: Política federal junto às IES – Parte das competências do MEC e suas autarquias para estabelecer diretrizes e normativas para a formação inicial e continuada dos docentes que atuam na educação básica em todas as esferas administrativas, assim como a criação de uma certificação nacional e a elaboração de um Código de Ética da profissão docente e a reformulação do monitoramento da qualidade das IES* que participam da formação de docentes (Pedagogia, Licenciaturas)

  1. Adequação das Diretrizes Curriculares e elaboração de uma Base Nacional Comum da Formação de Professores da Educação Básica a serem adotadas pelas IES[1]* públicas e privadas em todo o país
  2. Elaboração de um Código de Ética para o exercício da profissão docente no âmbito da educação básica
  3. Incorporação dessas normativas ao sistema nacional de avaliação de cursos superiores para os cursos de graduação e pós graduação relacionados à Pedagogia e Licenciaturas
  4. Criação de um sistema nacional de certificação docente da educação básica para uso, por adesão, por estados, municípios e rede privada que contribua para a indução da adoção mais rápida e uniforme das DCFD e da BNCFD, além de otimizar recursos nos processos de seleção de docentes localmente
  5. Concessão de bolsas para a formação inicial e continuada para docentes em nível incial e continuada, seguindo os critérios das Diretrizes e Base
  6. Estímulo à pesquisa aplicada junto a escolas e redes, seguindo critérios internacionais de qualidade acadêmica

EIXO 2: Política de RC com entes federados e IES – Permite o detalhamento da BNCFD em nível local, com elaboração conjunta de padrões e definições para sua implementação, em estados e municípios, por adesão e segundo as especificidades locais, de forma a padronizar o acompanhamento da vivência prática durante a formação inicial, continuada e em serviço de docentes da educação básica, por meio de um sistema de acreditação de cursos.

Permite o desenvolvimento e consolidação de altos padrões profissionais, a partir da implementação local conjunta da BNCFD com autoridades educacionais de estados e municípios, suas redes de ensino e as IES, além da disseminação de melhores práticas docentes nacional, a por meio de:

  1. Indução da criação de programas de parcerias estruturadas entre IES formadoras de docentes e escolas  de educação básica públicas e privadas  para fomentar o cumprimento das exigências legais para validação de estágios para a formação inicial e continuada e para a certificação dos estágios probatórios (modelo de Sobral),
  2. Sistema de acreditação local das IES para atuação prática com as redes de ensino, com base em padrões detalhados estabelecidos pelas autoridades educacionais subnacionais, sob orientação do MEC, para permitir aumento e equalização dos padrões de qualidade de ensino,
  3. Programas de bolsas para formação inicial e continuada docente, com base nessas acreditações e
  4. Fomento a pesquisa aplicada em educação nas redes de ensino, com padrões internacionais de qualidade e relevância, estabelecidos pela CAPES, CNPQ, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações

EIXO 3: Políticas dos entes federados induzidas pelo GF – Embora sejam os entes federados os responsáveis pelo estabelecimento das condições de trabalho e de desenvolvimento permanente dos docentes em sua trajetória profissional, é possível, por meio de ações de indução, estimular a melhora das condições de trabalho docente:

  1. Condicionantes para o repasse do Novo Fundeb e outros tipos de redistribuição de recursos, com base na melhoria dos processos de seleção (certificação nacional), estágios probatórios em entidades previamente acreditadas e planos de carrerira que estimulem o engajamento profissional à função social da escola e ao desenvolvimento integral dos alunos
  2. Fortalecer o estabelecimento de padrões mínimos de funcionamento das unidades de ensino

O quadro a seguir ilustra a estrutura completa dessa PNQD.

Fonte: Conabe, 2019



[1] * Há uma dúvida aqui quanto à especificação da regulação federal também para os centros de formação docentes das redes públicas e privadas de ensino

Principios Norteadores de uma Política Nacional de Qualidade Docente

Entrou em consulta pública nesta segunda feira, dia 23/9/2019, o Parecer do Conselho Nacional de Educação sobre as Diretrizes Curriculares Nacionais e a Base Nacional Comum para a Formação Inicial e Continuada de Professores da Educação Básica para atualizar um anterior, de 2015, que versava sobre o mesmo tema.

Este Parecer tem como objetivo central fazer uma revisão e atualização da Resolução CNE/CP nº 02/2015, fundamentada no Parecer CNE/CP Nº 02/2015, levando em conta a legislação vigente, em especial às Resoluções CNE/CP N° 02/2017 e N° 04/2018, definidas com fundamento, respectivamente, nos Pareceres CNE/CP nº 15/2017 e nº 15/2018 que instituíram e definiram a implementação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) para o conjunto de etapas e de modalidades da Educação Básica. (grifo nosso)

Entretanto, esse documento, que ao ser aprovado passará a ser uma normativa, na forma como está estruturado e redigido, extrapola as funções do CNE (ver abaixo) e desenha uma nova política para a formação inicial e continuada de professores. Estruturar políticas educacionais é uma atribuição do Ministério da Educação, mesmo que o faça de forma alinhada com o Conselho e demais órgãos relevantes afetados pelo tema em questão.

Assim, apesar de declarar inicialmente que o objetivo central é atualizar uma Resolução anterior, o terceiro parágrafo do Parecer ora em consulta pública diz expressamente o seguinte:

A BNCC deve, não apenas fundamentar a concepção, formulação, implementação, avaliação e revisão dos currículos e das propostas pedagógicas das instituições escolares, como também deve contribuir para a coordenação nacional do devido alinhamento das políticas e ações educacionais, especialmente a política para formação inicial e continuada de professores. Assim, é imperativo inserir o tema da formação profissional para a docência no contexto de mudança que a implementação da BNCC desencadeia na Educação Básica. (grifo no original)

Então, como decorrência de já termos as BNCCs em processo de implementação, é sim necessária uma nova política nacional de formação para os docentes da educação básica.

Nós preferimos dar um nome mais abrangente: POLÍTICA NACIONAL DE QUALIDADE DOCENTE, pois são conjuntos complexos de política pública que envolvem IES, Centros de Formação em redes de ensino, secretarias de educação estaduais e municipais e também a rede pública e outros órgãos do Governo Federal, como INEP e Capes, enfim, múltiplos atores, que devem atuar SOB COORDENAÇÃO direta ou indireta DO MEC.

Entretanto, apontamos para a questão contextual de o CNE resolver passar à frente do Ministério da Educação, como órgão que está no comando do Poder Executivo Federal no que se refere às políticas de educação, cujas responsabilidades estão definidas no Art. 211 da CF. Por outro lado, é bem verdade que o Ministério da Educação do novo Governo até agora não se manifestou publicamente sobre a “Proposta para a Base Nacional Comum da Formação de Professores da Educação Básica”, enviada nas últimas horas de atuação do Ministério da gestão Temer, em dezembro de 2018. É do jogo político um grupo que tem que passar o poder ao que lhe sucede jogar até as últimas fichas para fazer valer suas crenças a respeito da melhor forma de conduzir as políticas públicas sobre as quais atua, assim como, de quebra, defender interesses dos grupos organizados que representa. Fará isso com maior ou com menor desenvoltura, a depender da contrarreação do grupo que o alternou na cadeira e na posse da caneta… Como o atual MEC, por alguma razão que não conhecemos, não se manifestou em relação à proposta que estava na mesa, pois é até possível que concorde com o que está sendo proposto, o CNE toma seu lugar, muda o que foi proposto e desenha a uma nova política ainda mais abrangente.

Só que eu e a Márcia Sebastiani, que vínhamos estudando o tema em profundidade há meses e agora tivemos que nos dedicar ainda mais para poder participar da Conabe – Conferência Nacional para Alfabetização Baseada em Evidências -, não estamos muito de acordo com o que está sendo agora publicizado e vamos nos posicionar aqui e em outras instâncias de forma a esclarecer por que e apresentar alternativas. Este post apresentará apenas uma opção ao que nós consideramos ser o primeiro componente de uma POLÍTICA NACIONAL DE QUALIDADE DOCENTE mais abrangente: o conjunto dos seus Princípios Norteadores.

Os Princípios Norteadores expressam o resultado de uma reflexão um tanto filosófica e costuma preceder a estruturação de documentos curriculares. É uma espécie de declaração de intenções que idealmente delimita moralmente o que se vai apresentar nos demais componentes de uma determinada política. Por exemplo, os Princípios Fundamentais de nossa Constituição Federal.

Antes de seguir, veja um extrato do Regimento Interno do CNE , onde estão elencadas suas funções. Tem que esticar muito a corda para achar que cabe ao órgão tomar a iniciativa para desenhar políticas educacionais.

Art. 1º – O Conselho Nacional de Educação – CNE, composto pelas Câmaras de Educação Básica e de Educação Superior, terá atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional e, especificamente:

I – subsidiar a elaboração e acompanhar a execução do Plano Nacional de Educação; II – manifestar-se sobre questões que abranjam mais de um nível ou modalidade de ensino; III – assessorar o Ministério da Educação no diagnóstico dos problemas e deliberar sobre medidas para aperfeiçoar os sistemas de ensino, especialmente no que diz respeito à integração dos seus diferentes níveis e modalidades; IV – emitir parecer sobre assuntos da área educacional, por iniciativa de seus conselheiros ou quando solicitado pelo Ministro de Estado da Educação; V – manter intercâmbio com os sistemas de ensino dos Estados e do Distrito Federal; VI – analisar e emitir parecer sobre questões relativas à aplicação da legislação educacional, no que diz respeito à integração entre os diferentes níveis e modalidades de ensino; VII – analisar as estatísticas da educação, anualmente, oferecendo subsídios ao Ministério da Educação; VIII – promover seminários sobre os grandes temas da educação brasileira; IX – elaborar o seu regimento, a ser aprovado pelo Ministro de Estado da Educação

Assim, mesmo ultrapassando os limites formais de sua atuação institucional, mas, de forma legítima, ocupando um vácuo aparentemente deixado pelo MEC, o CNE, para dar a largada de seu projeto de política de formação docente, seleciona trechos de algumas referências legislativas (ver abaixo) que embasam os “princípios relevantes para a política da formação de professores para a educação básica”, apresentados mais à frente. Vamos primeiro às referências, que comentaremos a seguir.

(i) A Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) no Artigo nº 26, que diz “A Educação será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz”.

(ii) O Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) no Artigo 681 nº 13 que indica que “… a educação deverá visar ao pleno desenvolvimento da personalidade humana e do sentido de sua dignidade e a fortalecer o respeito pelos direitos humanos e liberdades fundamentais. Concordam ainda que a educação deverá capacitar todas as pessoas a participar efetivamente de uma sociedade livre, favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e entre todos os grupos raciais, étnicos ou religiosos e promover as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz.

(iii) A Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), no Artigo Nº 29 onde “1. Os Estados Partes reconhecem que a educação da criança deverá estar orientada no sentido de: a) promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades; (…) d) preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena; e) imbuir na criança o respeito ao meio ambiente.”

(iv) Nesse contexto, a Constituição Federal Brasileira, promulgada em 05 de outubro de 1988, no Artigo nº 205, que indica “A educação, direito de todos e dever do Estado e da 698 família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Assim, o Parágrafo Único da Resolução CNE/CP nº 02/2017, esclarece que “as aprendizagens essenciais compõem o processo formativo de todos os educandos ao longo das etapas e modalidades de ensino no nível da Educação Básica, como direito de pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. O caput do Art. 3º da mesma resolução, por sua vez, define que “no âmbito da BNCC, competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores, para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho” (destaque no original)

Nossos comentários a respeito das referências selecionadas pelo CNE para embasar sua proposição de política de formação docente são os seguintes. Em primeiro lugar, o texto do Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos é composto dos seguintes itens, todos eles já incorporados à nossa legislação de maneiras diferentes:

Artigo 26°

1) Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional dever ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.
2) A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das actividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.
3) Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos.

E em segundo lugar, é importante levar em conta também os princípios da nossa Constituição, a LDB e o Estatuto da Criança e do Adolescente que é uma das principais referências normativas para a atenção ao público alvo da educação básica no Brasil (crianças e adolescentes) e que, portanto, não pode ser ignorado quando se reforçam os princípios da “política de formação docente” quer seja proposta pelo CNE, quer pelo MEC ou por quaisquer das Secretarias de Educação subnacionais.

Uma um outro aspecto que chama a atenção é o fato de o parecer escolher dar ênfase em aspectos de certa forma adjacentes ao papel central da escola que é ensinar aquilo que as famílias, sozinhas, não dão conta: componentes socioemocionais. Nada contra que a escola também os desenvolva, principalmente no que concerne o desenvolvimento de habilidades sociais mobilizadas para o comportamento não familiar, das interações em ambiente institucionalizado (na escola no primeiro momento e no mercado de trabalho e alhures, na vida adulta).

Embora seja crucial que os alunos (e professores, claro) saibam dar o melhor de si e tirar o melhor proveito de ambientes fora de suas famílias e comunidades de origem – nos quais interesses e objetivos comuns precedem as particularidades e necessidades individuais – não achamos que valorizar as habilidades socioemocionais dessa forma na fundamentação dos princípios de uma política de formação docente seja um bom começo.

A valorização dos docentes e de sua contribuição única para a sociedade reside muito mais na sua capacidade de desenvolver nos alunos complexas habilidades cognitivas que as comportamentais. Essas, mesmo que dependam também da escola, são estreitamente dependentes das relações familiares e, principalmente, das regras e sistemas de monitoramento da sociedade, seus subgrupos e instituições.

Já está mais que na hora de explicitar, de forma inequívoca, o que a sociedade brasileira espera da escola, para que os processos necessários sejam efetivamente implementados.

Agora vejam o que o CNE propôs como princípios. Não apenas são genéricos demais – o que fatalmente os leva a serem ignorados, como toda normativa mal especificada -, como não levam em conta o que está descrito nas leis que eles mesmos citam (em sua forma completa e não nos trechos selecionados), além de, como já foi apontado, ter desconsiderado o ECA, principalmente seus artigos transcritos ao fim deste post.

Segue o texto do CNE e, em seguida, a nossa proposta PARA ESTE COMPONENTE de (os princípios que fundamentam) uma Política Nacional de Qualidade Docente mais abrangente (que o CNE nem deveria ter proposto, dada a sua função). Os demais componentes e o desenho completo da nossa proposta de política vamos apresentar em posts subsequentes.

Em consonância com os marcos legais da educação brasileira, em especial aquele advindo da BNCC, seguem-se alguns dos princípios relevantes para a política da formação de professores para a educação básica:

I – A formação docente para todas as etapas e modalidades da educação básica como compromisso de estado, buscando assegurar o direito das crianças, jovens e adultos a uma educação de qualidade, na perspectiva da construção de uma nação soberana, democrática, justa e inclusiva;

II- A valorização da profissão docente, que inclui o reconhecimento e o fortalecimento das especificidades dos saberes e práticas específicas de tal profissão;

III – A colaboração constante entre os entes federados na consecução dos objetivos de uma política nacional de formação de professores para a Educação Básica;

IV – A garantia de padrões de qualidade dos cursos de formação de docentes ofertados pelas instituições formadoras nas modalidades presencial e à distância;

V – A articulação entre a teoria e a prática no processo de formação docente, fundada no domínio de conhecimentos científicos e didáticos, contemplando a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, visando a garantia do desenvolvimento dos educandos;

VI – A equidade no acesso à formação inicial e continuada, contribuindo para a redução das desigualdades sociais, regionais e locais;

VII – A articulação entre formação inicial e formação continuada;

VIII- A formação continuada entendida como componente essencial da profissionalização docente, devendo integrar-se ao cotidiano da instituição educativa e considerar os diferentes saberes e a experiência docente, bem como o projeto pedagógico da instituição de educação básica na qual atua o docente; e

IX – A compreensão dos docentes como agentes formativos de conhecimento e cultura e, como tal, da necessidade de seu acesso permanente a conhecimentos, informações, vivência e atualização culturais.

Antes de apresentar a nossa sugestão, lembramos que esses Princípios Norteadores devem ser lidos e avaliados à luz de seu uso: primeiramente uma política nacional abrangente, composta por várias normativas e programas, a começar pelas Diretrizes de Formação Docente e a Base Curricular ora em elaboração. Futuramente, esses princípios devem servir de base também para um necessário Código de Conduta ao qual deveriam aderir todos os docentes que vão atuar em escolas e/ou com crianças e adolescentes, como pilar fundamental da valorização pela sociedade.

4.2 Princípios norteadores da elaboração das orientações e normativas para a formação e  atuação docente no Brasil, com base na legislação aplicável

  1. Respeito aos fundamentos e objetivos da Constituição Federal Brasileira (Arts 1º e 3º da CF) em sua atuação profissional, honrando os princípios de soberania nacional, cidadania e dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, além do pluralismo político, de forma a contribuir para a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que garanta o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo desigualdades sociais e regionais, para promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
  2. Reconhecimento e valorização, no âmbito da educação básica, da instituição escolar – com seu arcabouço próprio de gestão, mas condicionada às autoridades pertinentes – como estrutura principal para o compartilhamento e a transmissão do conhecimento acumulado pela humanidade de uma geração anterior para a seguinte, promovendo o desenvolvimento de habilidades cognitivas – para assimilá-lo, transformá-lo e fazê-lo progredir – e a aquisição de competências sociais – para fruí-lo plenamente –.
  3. Reconhecimento e valorização dos docentes com regência de turma como os responsáveis prioritários pelo desenvolvimento cognitivo, acadêmico e social dos alunos, a partir de uma formação sólida que leve em conta a aquisição de conhecimentos específicos de sua área (conhecimento sobre a lógica curricular de cada disciplina, conhecimento didático-pedagógico, conhecimento sobre os alunos e suas características, conhecimento institucional e conhecimento e estruturação pessoal e profissional), a vivência prática pertinente e relevante (estudo e desenvolvimento de currículos, sequências didáticas e recursos pedagógicos; observação ativa e passiva de sala de aula e monitoramento de aprendizagem; interação com alunos e suas famílias; observância das normas vigentes; comportamento institucional, cultura geral e saúde mental) e condições de ensino suficientes (infraestrutura escolar e recursos de ensino-aprendizagem; alocação de profissionais e formação de equipes; alocação de alunos em escolas e turmas e rede de proteção social; estrutura da carreira e administração geral do ensino; formação continuada, desenvolvimento pessoal a sistemas de apoio ao trabalho docente) para o pleno exercício de suas atribuições e responsabilidades.
  4. Reconhecimento e valorização da materialização objetiva do direito à educação dos alunos como principal  função social da instituição escolar, da atuação profissional e da responsabilidade moral dos docentes, gestores e demais funcionários, de acordo com: a) o Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, visando à plena expansão da personalidade humana, o reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, favorecendo a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos e uma cultura de paz; b) o Estatuto da Criança e do Adolescente, em particular os Art. 5º, 6º, 15º, 16º, 17º, 18º, 18º-A e, principalmente, o Art. 53, respeitando explicitamente quanto ao acolhimento, atenção, responsabilidade na valorização da dignidade individual e coletiva dos alunos, respeito às limitações, peculiaridades e diferenças, além das formas adequadas de relacionamento, estímulo ao desenvolvimento integral dos alunos com atenção para seus direitos, deveres e formação ética, de maneira a cumprir c) as diretrizes do Plano Nacional de Educação e d) da Base Nacional Comum Curricular em vigência.
  5. Reconhecimento e valorização das contribuições dos membros das famílias dos alunos, de suas comunidades de origem e da sociedade como importantes coadjuvantes no sucesso escolar deles, conforme Art. 205 da CF, por meio de a) promoção de um ambiente educacional saudável e propício ao empenho acadêmico, b) entendimento, respeito e colaboração mútuos, com vistas ao pleno desenvolvimento de cada aluno, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho, respeitando o Art. 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que c) faculta aos pais a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.
  6. Reconhecimento e valorização das contribuições de todos os profissionais, assessores, colaboradores e voluntários que participam das atividades e processos conduzidos nas instituições escolares como de fundamental importância para a consecução de seus objetivos institucionais e sociais, por meio da materialização de uma sólida ética profissional, que explicita, em ações concretas no cotidiano escolar, os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, além de manifesta cordialidade, assiduidade, pontualidade e apresentação pessoal.

Esses são os que nós recomendamos como Princípios Norteadores, que, como foi dito, é apenas o início de uma POLÍTICA NACIONAL DE QUALIDADE DOCENTE. A seguir os artigos do ECA aplicáveis aos diretos de crianças e jovens como alunos.

Lei 8069 de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Artigos selecionados, diretamente aplicáveis à formação e atuação docente:

Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.

Art. 16. O direito à liberdade compreende os seguintes aspectos:

I – ir, vir e estar nos logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais;

II – opinião e expressão;

III – crença e culto religioso;

IV – brincar, praticar esportes e divertir-se;

V – participar da vida familiar e comunitária, sem discriminação;

VI – participar da vida política, na forma da lei;

VII – buscar refúgio, auxílio e orientação.

Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, idéias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

Art. 18. É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

Art. 18-A. A criança e o adolescente têm o direito de ser educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante, como formas de correção, disciplina, educação ou qualquer outro pretexto, pelos pais, pelos integrantes da família ampliada, pelos responsáveis, pelos agentes públicos executores de medidas socioeducativas ou por qualquer pessoa encarregada de cuidar deles, tratá-los, educá-los ou protegê-los

Parágrafo único.  Para os fins desta Lei, considera-se:             

I – castigo físico: ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em:

a) sofrimento físico; ou

b) lesão;

II – tratamento cruel ou degradante: conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que:

a) humilhe; ou

b) ameace gravemente; ou

c) ridicularize.

Art. 53. A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-se-lhes:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;

II – direito de ser respeitado por seus educadores;

III – direito de contestar critérios avaliativos, podendo recorrer às instâncias escolares superiores;

IV – direito de organização e participação em entidades estudantis;

V – acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência.

V – acesso à escola pública e gratuita, próxima de sua residência, garantindo-se vagas no mesmo estabelecimento a irmãos que frequentem a mesma etapa ou ciclo de ensino da educação básica.

Parágrafo único. É direito dos pais ou responsáveis ter ciência do processo pedagógico, bem como participar da definição das propostas educacionais.

Quem são melhores gestores de escolas públicas: civis ou militares?

Dia 5/9/2019 o Ministério da Educação publicou o DECRETO nº 10.004 (5 DE SETEMBRO DE 2019) que institui o Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares – PECIM. Segundo a normativa, esse Programa tem como objetivo promover a melhoria da qualidade da educação básica no ensino fundamental e no ensino médio. Será desenvolvido pelo Ministério da Educação com o apoio do Ministério da Defesa e implementado em colaboração com os Estados, os Municípios e o Distrito Federal na promoção de ações destinadas ao fomento e ao fortalecimento das Escolas Cívico-Militares – ECIM. Diz ainda o decreto que o PECIM é complementar a outras políticas de melhoria da qualidade da educação básica em âmbito nacional, estadual, municipal e distrital, e a adesão ao Projeto não implicará o encerramento de outros programas ou a sua substituição nas escolas públicas regulares estaduais, municipais ou distritais, prioritariamente aquelas em situação de vulnerabilidade social.

O Programa tem como base operacional os seguintes aspectos: a) “gestão de excelência” nas áreas educacional, didático-pedagógica e administrativa; b) apoio técnico e financeiro destinado tanto para as escolas públicas regulares que fizerem a opção de aderir ao Pecim, quanto para as que já adotem modelo de gestão com colaboração civil/militar, para padronizá-lo ao modelo; c) promoção de atividades com vistas à difusão de valores humanos e cívicos para estimular o desenvolvimento de bons comportamentos e atitudes do aluno e a sua formação integral como cidadão em ambiente escolar externo à sala de aula; d) gestão de processos didático-pedagógicos e e) gestão de processos administrativos, com vistas à otimização dos recursos materiais e financeiros da unidade escolar.

O Art. 4º do decreto aponta para estratégias de melhoria de clima escolar, descritas da seguinte forma: proporcionar aos alunos a sensação de pertencimento ao ambiente escolar; contribuir para a melhoria do ambiente de trabalho dos profissionais da educação; estimular a integração da comunidade escolar; colaborar para a formação humana e cívica do cidadão; contribuir para a redução dos índices de violência nas escolas públicas regulares; contribuir para a melhoria da infraestrutura das escolas públicas regulares; e contribuir para a redução da evasão, da repetência e do abandono escolar.

Aspectos do Programa a serem melhor compreendidos:

Que atribuições terão os militares prestadores de tarefa por tempo certo para atuarem nas áreas de gestão educacional, didático-pedagógica e administrativa?
Que tipo de avaliação contínua será feita nas escolas que aderirem ao Programa, para além das que já existem como, Saeb e as avaliações de cada estado?
Para que serviria a certificação das escolas que implementarem o modelo das Ecim?
Qual o tipo de apoio técnico e financeiro às escolas participantes – confirma-se R$1 milhão por escola como foi ventilado no dia do lançamento? Mas para fazer o quê?

O MEC ainda precisa definir a forma e os critérios para a participação das escolas, a metodologia de monitoramento e avaliação para o PECIM, o perfil profissional dos militares participantes e o processo seletivo junto às FFAA e forças auxiliares nos estados.

Pela análise do decreto apenas, não é muito fácil estimar se esse Projeto tem chances realistas de cumprir seus objetivos de melhorar a qualidade das escolas participantes (suponhamos que esteja implícito que desempenho nas provas padronizadas nacionais esteja entre os critérios principais de confirmação do sucesso da iniciativa). Lembremo-nos que o desenho do PECIM basicamente é emprestar mão de obra qualificada em outra área do governo, no caso das Forças Armadas, do Governo Federal militar, para unidades de ensino estaduais e municipais, emulando o modelo de gestão das escolas militares, controladas pelo Exército Brasileiro (além de membros das forças auxiliares – Polícia Militar e Corpo de Bombeiros, localmente). A princípio, aproveita-se alguma experiência de gestão desses profissionais. Nada garante ainda (pois o desenho detalhado ainda não foi apresentado) que esses profissionais militares em nível federal necessariamente tenham tido experiência em algum dos 13 Colégios Militares do EB, embora o decreto aponte para o modelo deles como exemplo de gestão a ser adotado (Art. 3º).

Para se ter uma ideia de como gunciona um CM do EB, vale a pena ler um regimento (neste caso o do CM de Porto Alegre): http://www.cmpa.eb.mil.br/images/04_texto_PGE_CMPA_2019.pdf, que diz o seguinte:

“Diferente das escolas de formação militares, onde os instrutores lidam com alunos que são militares, nos Colégios Militares, os alunos não são militares (grifo no original). Os alunos nos CM encontram-se sob a égide de um Projeto Pedagógico cujo cerne repousa nos valores e tradições do Exército Brasileiro e cujos parâmetros pedagógicos se vinculam à legislação educacional brasileira. Por este motivo, os militares designados para estas funções necessitam, não só ter a qualificação funcional, mas possuir, inclusive, o perfil adequado para lidar com crianças e adolescentes. Estar no Corpo de Alunos não significa lidar apenas com a parte administrativa e disciplinar da formação dos discentes, mas também com o desenvolvimento de valores e atitudes, principalmente, para o incentivo à Carreira das Armas.”

Sendo assim, para saber se o PECIM é ou não uma boa ideia, só indo ver de perto como esses colégios funcionam, ou, pelo menos, conhecer seus resultados. O melhor jeito de se fazer isso é de maneira comparada. A única rede federal que poderia ser considerada equivalente à rede de Colégios Militares é a rede de Colégios Pedro II, no Rio de Janeiro.
Ambas são redes de escolas federais que a) contam com um comando institucional comum, com autonomia no atendimento, b) atendem a grupos intermediários/altos de NSE, os Grupos V e VI (o INSE – criado pelo INEP em 2015 estipula 8 níveis de NSE, por meios de informações obtidas dos questionários contextuais que os alunos respondem junto com as provas, ver também a p. 298 do relatório de gestão da Rede Pedro II de 2017) e c) servem a um contingente de alunos da mesma ordem de grandeza: aproximadamente 12 mil alunos cada rede. O relatório de gestão da Rede Pedro II informa um gasto total no ano de 2017 no montante de R$ 763.846.330,72, o que dividido pelo número de alunos atendidos no mesmo ano (12268) leva a um custo médio por aluno por ano de R$ 62.263,31, valor 10 vezes maior que o gasto médio estimado equivalente nas redes públicas brasileiras em estados e municípios na educação básica. E quanto custa um aluno nos Colégios Militares do EB? Não sabemos ao certo. Eu não encontrei nenhuma referência direta a esse custo no relatório de gestão do mesmo ano do Ministério da Defesa. Como esses colégios podem (até com aval do STF) cobrar mensalidades de sua clientela que possa pagar (os alunos que comprovem que não podem pagar ficam isentos) e ela gira em torno de R$300/aluno/mês mais os livros didáticos não distribuídos pelo PNLD, estima-se um custo anual de 12x esse valor (de acordo com o regimento dos CM) que é de R$3.600,00. Mas não dá para ter certeza, só com o balanço da rede de CM, que eu nem sei se existe.

Assim, grosso modo, pode-se fazer comparações de eficácia e apenas estimar, com base no que foi explicado acima, uma comparação de eficiência. Como os Colégios Militares atendem, em geral a partir do 6º ano, vou fazer uma comparação com as notas do Saeb mais recentes para o 9º ano do ensino fundamental.

Fonte: Planilhas do Ideb. http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/ideb/resultados. Tabulação autora
Fonte: Planilhas do Ideb. http://portal.inep.gov.br/web/guest/educacao-basica/ideb/resultados. Tabulação autora

Chamam atenção dois aspectos: 1) escolas públicas federais que não reportaram Ideb no Saeb de várias edições – 2 CM (Manaus e Juiz de Fora) e quase todos os campi do Pedro II e 2) um rendimento em geral melhor para os CM em relação ao que foi reportado na rede Pedro II e menores taxas de aprovação na Rede Pedro II. Assim, seria possível concluir que deve sim haver algo na rede de CM que possa ser aprendido pelas demais redes públicas do País. A hipótese que talvez explique melhor o que o Governo Federal tem em mente está no Art. 4º do Decreto, o qual claramente faz referências a medidas conhecidas de gestão eficaz. Sozinhas, sem melhorias no atendimento pedagógico dos alunos, ou seja, ensinar mais, os alunos até podem melhorar o comportamento, o que já não é pouco – fala-se tanto das habilidades do séc. XXI -, mas talvez não aprendam tanto quanto os alunos super selecionados dos CM ou da Rede Pedro II, que embora apresentando rendimento um pouco abaixo que a dos CM (para os campi que reportaram resultados) ainda está entre as maiores notas de aprovação e proficiência do Brasil.

Cabe aqui um último comentário. Na divulgação dos dados do Saeb de 2017, já em 2018, o INEP publicou gráficos que atribuíam às faixas de proficiência um juízo de valor, algo que tinha sido absurdamente revogado desde o início dos anos 2000. Assim, espera-se que alunos de 9º apresentem proficiência de LP e Matemática na faixa entre 275-350 pontos, para além disso, o desempenho é considerado avançado. Mas será que não seria de se esperar que alunos em escolas tão boas tivessem, em média, um desempenho mais alto? Pergunta só para tumultuar… 🙂

Portanto, a pergunta título deste post fica com uma resposta parcial. Até porque, era apenas uma pergunta retórica, porque não é a dicotomia de gestão civil ou militar das escolas brasileiras que está em jogo, mas a colaboração entre as duas. Além disso, o exercício de comparabilidade entre duas redes com lógica de gestão com esse enquadramento é limitado a essas duas redes, uma vez que as demais têm características institucionais e de clientela marcadas por outras características. Entretanto, parece que a hipótese central do novo projeto do Governo Federal para a educação básica é sim levar a lógica da questão militar para escolas civis, tomando como base a experiência das escolas cívico-militares de Goiás e das do próprio EB.

Quando eu tiver a lista das escolas desse outro projeto (o de Goiás), com as respectivas datas de adesão, faço outro levantamento para ver se descobrimos mais alguma justificativa para o PECIM. Por ora, fiquemos com a crítica do establishment da educação, que critica os CM, mas não as outras escolas federais, as quais, como as da Rede Pedro II, hiperselecionam seus alunos….vejam abaixo.

“Em segundo lugar, esta política educacional fere o direito universal à educação de qualidade para todos os cidadãos, tendo caráter excludente uma vez que a militarização é proposta como um modelo de “escolas de alto nível”, às quais serão garantidas as condições diferenciadas efetivas para o funcionamento, enquanto as demais escolas das redes públicas regulares padecem em precárias condições infraestruturais, tecnológicas, pedagógicas e de pessoal. As experiências de militarização, que vêm acontecendo no Brasil, revelam também um modelo de escolarização excludente e seletivo, uma vez que as escolas militarizadas têm o poder de decidir sobre a permanência ou não dos estudantes e apresentam graves índices de retenção; reservam vagas para os filhos de membros de determinadas forças armadas ou polícia militar; obrigam ao uso de uniformes caros e cobram contribuições mensais das famílias, ferindo a Constituição Federal quanto à gratuidade do ensino público. Esses fatores fazem com que a escola militarizada seja destinada apenas aos estudantes com melhores condições socioeconômicas, tornando-se, efetivamente, uma escola pública elitizada.

Clique para acessar o 160085pca2017.pdf