Arquivos Mensais: fevereiro \25\America/Sao_Paulo 2019

A estrutura do “nosso” curso de Pedagogia

Como havia anunciado em um post anterior, eu e uma amiga super competente da área de formação docente, a Márcia Sebastiani, estamos montando um curso “ideal” de Pedagogia, para formar docentes para a educação infantil e ensino fundamental I. Estamos levando em consideração o fato de que a formação em Pedagogia é diferente da em Licenciatura em alguma disciplina específica e que o profissional Pedagogo pode atuar tanto na educação infantil, quanto na primeira etapa do ensino fundamental. Para além disso, não estamos considerando limites de recursos humanos ou materiais e é por isso que estamos chamando esse singelo projeto pessoal de “ideal”.

Nossa princial intenção é dar contribuições concretas e específicas para o atual e urgente debate sobre a qualidade e relevância da formação inicial de docentes, em particular os dessas duas etapas iniciais da educação escolar, que, em nossa percepção, devem ser absolutamente integradas. Ou seja, os principais conceitos, fundamentos teóricos e experiências práticas para preparar os docentes para atuar com alunos entre 4 e 10 anos devem ser coerentes entre si, integrados de uma etapa do desenvolvimento para a seguinte, para serem conhecidos e internalizados desde a formação inicial da graduação e não como pós-graduação. Mesmo que sejam muito bem vindas diversas formações adicionais específicas, que aprofundem e complementem os conteúdos e vivências essenciais apresentados nesta proposta, a realidade se impõe para que os professores egressos de cursos universitários estejam preparados para atuar de forma competente e eficaz em uma ampla gama de contextos educacionais.

Acreditamos que a formação básica de um docente que enfrenta o desafio de garantir boa parte do desenvolvimento integral de crianças entre (aproximadamente) 4 e 10 anos deva contemplar uma visão coerente de como a evolução cognitiva, emocional, acadêmica, social e física desse contingente de alunos pode se desenrolar. Embora não seja o que está inicialmente proposto no documento divulgado pelo Mec até agora, mas que ainda vai ser revisado, segundo o mesmo órgão, é nessa concepção alinhada entre as etapas em que acreditamos e que recomendaremos.

O desafio é preparar profissionais para ensinar alunos em nível de excelência e com equidade, em salas de aula de composição discente bastante diversas e cheias de dificuldades de ordem variada, que podem ser resumidos pelo bordão: a busca pela eficácia escolar em qualquer contexto.

Fizemos uma proposta de estrutura lógica que divulgamos e explicamos a seguir. A ideia é compartilhar toda a nossa linha de raciocínio, de forma a receber críticas e contribuições que não apenas possam melhor especificar os temas do debate mais amplo sobre formação docente, mas apromorem nossas proposições e aguçem o desejo difuso de se transformar o preparo de profissionais que cumprem uma função estratégica em nossa sociedade. Divulgaremos em nossos canais o que estamos pensando para quem quiser acompanhar, entender, contribuir e, eventualmente, até implementar o que estamos propondo.

A proposta de estrutura a seguir está baseada em dois conceitos principais formulados por dois autores muito famosos no ambiente educacional e de políticas de formação docente fora do Brasil, mas praticamente desconhecidos por aqui. Felizmente, alguns de seus artigos mais importantes foram traduzidos para o Protuguês e estão disposnívels online.

O primeiro é:

SHULMAN, Lee S. Conhecimento e ensino: fundamentos para a nova reforma. Cadernos Cenpec | Nova série, [S.l.], v. 4, n. 2, june 2015. ISSN 2237-9983. –Disponível em: <http://cadernos.cenpec.org.br/cadernos/index.php/cadernos/article/view/293>. Acesso em: 23 feb. 2019. doi:http://dx.doi.org/10.18676/cadernoscenpec.v4i2.293.

A principal formulação de Shulman em 1987 e ainda referência mundial na concepção da formação de docentes, é que eles devem dominar as seguintes categorias de conhecimentos (p.206):

• conhecimento do conteúdo;
• conhecimento pedagógico geral, com especial referência aos princípios e estratégias mais abrangentes de gerenciamento e organização de sala de aula, que parecem transcender a matéria;
• conhecimento do currículo, particularmente dos materiais e programas que servem como “ferramentas do ofício” para os professores;
• conhecimento pedagógico do conteúdo, esse amálgama especial de conteúdo e pedagogia que é o terreno exclusivo dos professores, seu meio especial de compreensão profissional;
• conhecimento dos alunos e de suas características;
• conhecimento de contextos educacionais, desde o funcionamento do grupo ou da sala de aula, passando pela gestão e financiamento dos sistemas educacionais, até as características das comunidades e suas culturas; e
• conhecimento dos fins, propósitos e valores da educação e de sua base histórica e filosófica.

E o segundo:

YOUNG, MICHAEL F. D., O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: o argumento radical em defesa de um currículo centrado em disciplinas. Revista Brasileira de Educação [en linea] 2011, 16 (Septiembre-Diciembre): [Fecha de consulta: 23 de febrero de 2019] –Disponible en:<http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=27520749005> ISSN 1413-2478

O argumento que selecionamos desse ícone da sociologia da educação, que diferenciou “conhecimento poderoso e conhecimento dos poderosos” e que se transformou em arauto da democratização desses conhecimentos por meio da educação escolar e de políticas curriculares competentes e por disciplinas é que:

Neste artigo, quero argumentar que, se vamos dar um sentido sério à importância da educação em uma sociedade do conhecimento, é necessário tornar a questão do conhecimento nossa preocupação central, e isso envolve o desenvolvimento de uma abordagem ao currículo baseada no conhecimento e na disciplina, e não baseada no aprendiz, como presume a ortodoxia atual. Além disso, eu argumentaria que essa é a opção “radical” − não, como afirmam alguns, a opção conservadora − desde que saibamos claramente o que significa, para nós, conhecimento. Uso a palavra “radical” aqui para me referir à questão chave que a maioria dos países enfrenta hoje: a persistência de desigualdades sociais na educação. Prefiro a palavra “radical” a alternativas como “progressista” e “crítica”. Enquanto a primeira tem uma associação próxima e, em minha opinião, infeliz com pedagogias centradas no aluno e com a ênfase no “aprender da experiência”, a segunda, embora faça parte de uma herança intelectual muito mais ampla, remontando a Kant e ao Iluminismo do século XVIII, tem sido relacionada, em estudos educacionais, à retórica oca do muito que passa por pedagogia crítica.

Assim, montamos a seguinte estrutura de disciplinas a serem agrupadas por blocos, os quais apresentamos a seguir:

1.Conhecimento sobre a lógica curricular de cada disciplina; 2.Conhecimento didático-pedagógico; 3.Conhecimento sobre os alunos e suas características; 4.Conhecimento institucional e 5.Conhecimento e estruturação pessoal e profissional

1.Conhecimento sobre a lógica curricular de cada disciplina – a base do curso será a compreensão da lógica das principais disciplinas do currículo de educação infantil e ensino fundamental I, em uma perspectiva do que se pratica em países desenvolvidos, reconhecendo também, o caráter compensatório para uma formação escolar muito provavelmente deficiente nas disciplinas de Língua Portuguesa, Matemática, Língua Inglesa, Ciências, História e Geografia. Utilizaremos as melhores referências curriculares em termos de estrutura, linguagem, detalhamento e progressão, além de fazer uma releitura da BNCC brasileira, de forma a explorar as sinergias ou antagonismos com os de Ontário, Hong Kong, Reino Unido, Portugal, Finlândia, Common Core e International Baccalaureate, principalmente;

2.Conhecimento didático-pedagógico – refere-se ao domínio dos processos de instrução e do manejo dos ambientes de aprendizagem, com vistas a garantir o ensino de cada uma das disciplinas e áreas de conhecimento, a partir do currículo, mas já em uma lógica interdisciplinar de planejamento e execução das atividades didatico-pedagógicas;

3.Conhecimento sobre os alunos e suas características – explicita a interrelação entre as diferentes opções didáticas e as condições individuais, socioculturais e contextuais dos alunos: identificar, estudar e explorar as possibilidades didáticas em relação às diferentes características de cada aluno na hora de aprender cada item do currículo;

4.Conhecimento institucional – sobre o funcionamento da escola, da rede e do arcabouço institucional e legal da educação no Brasil, Unidade da Federação, município e rede onde está inserido;

5.Conhecimento e estruturação pessoal e profissional – a partir da aquisição de uma sólida base teórica e cultural em relação às referências bibliográficas mais influentes no contexto brasileiro, latinoamericano e ocidental – textos gerais sobre filosofia, sociologia, história da educação e obras clássicas e contemporâneas (artes plásticas, literatura, música, cinema, etc) que formam um repertório mínimo para o exercício da profissão docente no âmbito da Educação Infantil e do Ensino Fundamental I

O item 2 é, obviamente, o mais importante aos quais os demais se subordinam e lhe servem de base. Cada bloco deverá contribuir de forma diferente para que o de didática se fortaleça.

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