Arquivos Mensais: março \27\America/Sao_Paulo 2018

Ouvinte atento achou uma edição traduzida da Taxonomia de Bloom para LP

Aqui vai o link para a Estante Virtual.

https://www.estantevirtual.com.br/livros/benjamin-s-bloom-e-outros/taxionomia-de-objetivos-educacionais-1-dominio-cognitivo/716357273

Procuramos exaustivamente por essa tradução durante a produção do currículo de Sobral e dei mais uma busca hj antes de escrever o post. Mas não surgiu em NENHUMA busca. Nada como ter uma audiência qualificada para melhorar o nosso conteúdo. Obrigada!

A Taxonomia de Bloom e a construção dos currículos

No dia 23 de março o Ministério da Educação anunciou a formação de um Comitê Nacional de Implementação da Base Nacional Comum Curricular será, formado por membros titulares do Ministério da Educação (MEC), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime).

O Comitê terá as seguintes funções (Art. 3º) :

I – propor debates, eventos e ações relacionados com a implementação da BNCC pelas redes de ensino e escolas;

II – estipular definições, orientações e diretrizes para a condução das ações conjuntas do MEC, do Consed e da Undime, com vistas à implementação da BNCC; e

III – convidar especialistas para discutirem temas específicos relativos aos desafios da implementação da BNCC.

Que bom né? Mas bom mesmo será ver que a dinâmica de produção curricular no Brasil mudou. Acho difícil, mas torço. Não sabemos se a lógica vai mudar. Não mudando, não muda o produto final: os alunos brasileiros sempre perdem para seus colegas de países desenvolvidos.

O processo de construção da BNCC foi truncado desde o início. De um lado, tínhamos, desde a LDB, portanto, desde 1996, uma certa leniência para estabelecer padrões de ensino para o Brasil alinhados com padrões internacionais de países mais desenvolvidos. Isso, apesar de contarmos com a bússola Pisa desde 2000. Pelo menos, foram elaborados os Parâmetros Curriculares Nacionais, melhor que nada, mas acanhados e muito pouco claros. Durante todos esses anos, enquanto os países desenvolvidos estudavam e aprimoravam os mecanismos curriculares que compõem um documento curricular competente, tais como a clareza na escrita das habilidades, a melhor forma de estabelecer a progressão explícita do aprendizado e a incorporação das pesquisas sobre como os alunos aprendem na estrutura curricular, o Brasil fazia política rastaquera com o tema.

A elite econômica e intelectual brasileira, como sempre, deu sua inestimável contribuição para salvar manter os pobres (nesta questão, os não pobres também) na ignorância: de um lado, o grupo da elite ligado à iniciativa privada esmerou-se na arraigada prática de transformar uma necessidade de política de interesse público em interesses privados, acumulando milhas de companhias aéreas, palpitando nos enormes desafios das autoridades do governo sem botar dinheiro novo e substancial nosproblemas, organizando eventos cheios de tecnologias e compartilhando likes. De outro, a elite dos funcionários públicos de alto escalão, nesse caso representada pelos acadêmicos da educação, dedicaram-se a sabotar a existência do próprio documento. Como já não pegava bem posicionar-se contra um currículo nacional, uma vez que a maior parte dos estados já tinha o seu, resolveram sabotar o processo com tumultos ideológicos, brigas irrelevantes e argumentos toscos.

Assim, nasceu um documento com alguns méritos técnicos sim, mas celebrado publicamente apenas porque tinha sido fruto de ampla consulta. Como sabemos, só se pergunta algo para se saber o que ainda não se não se sabe: neste caso, era inútil perguntar para professores brasileiros como fazer um currículo. As consultas foram muito bem utilizadas para tumultuar o processo. Depois que o processo de produção ficou mais organizado e honesto, a equipe passou a consultar documentos de países desenvolvidos, além de algumas produções locais que, embora frágeis, iam na direção certa, a tal consulta pública virou apenas o que deveria ser: uma narrativa.

Um dos argumentos para sabotar a elaboração de um currículo nacional era o de que o currículo “amarra” os professores. Onde? com o quê? Para quê? A questão é que é a FALTA de um currículo bem estruturado amarra. Amarra muito. Tanto professores, quanto alunos, à ignorância e à incapacidade de compreender o mundo!

Uma das barbaridades que fizeram com a BNCC foi estabelecer o processo de alfabetização de maneira equivocada e atrapalhada. Outra, que contaminou todo o currículo, foi ter usado muito mal a forma de escrever as habilidades. É impossível montar um plano de estudos para uma rede ou escola a partir da BNCC. Daí a necessidade de um comitê para controlar a REESCRITA da BNCC no nível das redes estaduais e municipais.

Explicando.

Apesar de o MEC apresentar, na pg. 29 da BNCC, quais são os componentes para se elaborar uma habilidade = VERBO, COMPLEMENTO E MODIFICADOR (OU CONTEXTO), o próprio não seguiu essa fórmula:

As habilidades expressam as aprendizagens essenciais que devem
ser asseguradas aos alunos nos diferentes contextos escolares. Para
tanto, elas são descritas de acordo com uma determinada estrutura,
conforme ilustrado no exemplo a seguir, de História (EF06HI14).

Diferenciar escravidão, servidão e trabalho livre no mundo antigo.

Verbo(s) que explicita(m) o(s) processo(s) cognitivo(s) envolvido(s) na habilidade. Complemento do(s) verbo(s), que explicita o(s) objeto(s) de conhecimento mobilizado(s) na habilidade. Modificadores do(s) verbo(s) ou do complemento do(s) verbo(s), que explicitam o contexto e/ou uma maior especificação da aprendizagem esperada.

Assim, sabemos que, para Língua Portuguesa com certeza e, em parte para Matemática, a BNCC propõe um ensino mais ambiciosos para os alunos do Brasil até o 9º ano, mas não sabemos ainda como exatamente isso será feito em sala de aula.

O principal desafio para elaborar fazer um currículo competente é conseguir que todas as milhares de habilidades necessárias para compô-lo sigam a estrutura acima. Para tal, é preciso tempo para colocar a massa cinzenta de seus elaboradores para funcionar de maneira rigidamente disciplinada. O MEC não teve tempo, pois a equipe que se propôs a usar essa fórmula foi a que entrou com a mudança de comando no Governo Federal, que sabia que tinha pouquíssimo tempo para arrumar a casa.

Outro desafio é conhecer bem e utilizar os mecanismos curriculares. Para conhecê-los também é preciso tempo. Tempo de estudo árduo, para recuperar o que foi perdido nas últimas décadas, enquanto os docentes e gestores de países desenvolvidos conversavam entre si, faziam pesquisa educacional relevante, incorporada à sala de aula, aos currículos e aos rubrics.

Vou explicar um deles hoje: a Taxonomia de Bloom. A Taxonomia foi publicada em 1956 a partir de estudos de Psicometria por um grupo de pesquisadores das Universidades de Chigago e Michigan. Já basta para explicar porque os educadores brasileiros nunca se preocuparam em ler, traduzir ou estudar a fundo esse conjunto de obras seminal para a produção curricular e para os estudos de avaliação de aprendizagem, simplesmente a base de uma “nova” área da ciência da educação. Ora, era obra de porcos capitalistas, de imperialistas ianques que sempre estão à espreita para dominar as cabeças férteis dos brasileiros. É o típico argumento que eu classifico como cafonice educacional: muuuuito fora de moda…

Enquanto isso no Brasil, a referência para ensinar os alunos é Bourdieu e Paulo Freire. Cada povo tem a elite educacional a as referências bibliográficas que merece. Não proponho descartá-los sem lê-los. Proponho lê-los com atenção para poder colocá-los em seu devido lugar. Cada um escolhe onde as aplicar, desde que não seja no currículo.

Voltemos à Taxonomia. Vou ficar com a original. Para entender direitinho do que se trata, sem ter que ler o original, proponho este texto aqui:

FERRAZ, Ana Paula do Carmo Marcheti; BELHOT, Renato Vairo. Taxonomia de Bloom: revisão teórica e apresentação das adequações do instrumento para definição de objetivos instrucionais. Gest. Prod.,  São Carlos ,  v. 17, n. 2, p. 421-431,    2010 .   Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-530X2010000200015&lng=en&nrm=iso&gt;. access on  26  Mar.  2018.  http://dx.doi.org/10.1590/S0104-530X2010000200015.

Mas se quiserem ler o original, JAMAIS traduzido para o Português do Brasil, aqui vai a referência:

BLOOM, Benjamin Samuel et al, Taxonomy of educational objectives: the classification of educational goals Handbook I: Cognitive Domain, London: Longman, Green and Co., 1956.

Bloom e seus colegas propuseram seis níveis de aprendizado visível, ou mensurável que deveriam ajudar a estruturar currículos e atividades pedagógicas. São eles, na ordem do menos para o mais sofisticado:

  1. Conhecimento
  2. Compreensão
  3. Aplicação
  4. Análise
  5. Síntese
  6. Avaliação

Essa Taxonomia deve ser usada de acordo com o objetivo pedagógico e com o conceito inerente à disciplina que se quer trabalhar com o aluno. Em Matemática, a progressão se dá de forma diferente da que ocorre com compreensão textual, por exemplo. Em Matemática, a progressão segue muito o conteúdo em si. Por exemplo, para aprender fração, o aluno precisa conhecer os números, compreender o significado de quantidade e de categorias de coisas, objetos concretos, pois as operações Matemáticas se dão entre itens iguais. Não se divide laranjas por bananas. Em geral o aprendizado da Matemática na escola vai até o nível da aplicação, enquanto que, na compreensão textual, pode-se ir com o aluno até os níveis mais abstratos ou elevados de cognição, desde a educação infantil. É isso que forma um cidadão crítico, reflexivo e assim por diante.

Vejamos.

A história da Chapeuzinho vermelho que todos conhecemos, é trabalhada com as crianças desde a educação infantil. Vamos aplicar a Taxonomia de Bloom à história da Chapeuzinho:

  • Conhecimento – identificar a informação explícita no texto: qual a cor da capa da Chapeuzinho?
  • Compreensão – inferir informação não explícita no texto: o que a mãe da Chapeuzinho estava fazendo logo antes de chamar a filha para levar a cesta de piquenique para a avó?
  • Aplicação – identificar características sistemáticas de maldade de uma pessoa: como sabemos que uma pessoa é má como o Lobo Mau? Toda pessoa feia ou estranha é má? Todas as pessoas lindas e arrumadinhas são boas?
  • Análise – identificar e decompor a questão principal da história (uma menina que se expõe ao perigo porque não obedece à mãe), para recompô-la: reconte a história trocando a parte que a Chapeuzinho resolve acreditar no Lobo, ao invés de seguir o conselho da mãe, por um comportamento ou situação alternativa.
  • Síntese – elaborar uma nova proposta de solução para o caso da avó da Chapeuzinho que foi comida pelo Lobo: analisar a sequência de eventos e perceber o que pode ser mudado para que a avó não termine na barriga do Lobo Mau e o que fazer se tudo der errado, sem ter chamar o Caçador para matar o Lobo.
  • Avaliação – comparar a história da Chapeuzinho com outras como João e Maria e os Três Porquinhos: quais as soluções que se pode dar para se livrar para sempre de algo mau, sem ter que matar cada Lobo ou Bruxa?

O problema é que nossos professores e livros didáticos só trabalham os textos com os alunos até o nível 2, a partir de uma alfabetização muito precária, que não leva em conta os métodos mais eficazes utlizados no mundo todo. Assim, nunca chegaremos ao nível de aprendizado dos alunos de países desenvolvidos. Não porque não gastamos como eles, mas porque não fazemos as mesmas perguntas desafiadoras que seus professores fazem aos alunos…