Arquivos Mensais: setembro \22\America/Sao_Paulo 2020

Não seja um inocente útil, Ministro Milton Ribeiro!

Então, Ministro Ribeiro, acho que precisamos conversar.

O senhor está, talvez ainda sem perceber, na maior encruzilhada moral de sua vida.

Já que nem nos conhecemos para além de uma foto juntos no dia de sua posse, essa bifurcação existencial portentosa que se abriu em sua presença terrena não teria a menor importância para mim. A questão é que coincide com mais uma estupenda janela de oportunidade que a educação brasileira teve em sua história: o primeiro mandato do Presidente Jair Messias Bolsonaro.

Explico a seguir, pois acho que o senhor não percebeu e, mesmo sem perceber, poderá contribuir para fechá-la. Não para mim, que já tive oportunidades educacionais (além de uma vida pessoal e profissional incríveis), mas para o povo brasileiro. Mesmo que não haja motivação própria de sua parte (que é a minha hipótese), o seu perfil pessoal e profissional pode ter sido escolhido a dedo para que os operadores do Mecanismo na educação continuem fazendo dela o seu parquinho de interesses mesquinhos.

O Presidente Bolsonaro foi eleito com quase 58 milhões de votos – e se mantém no poder – sem precisar contar com dois apoios muito poderosos que, juntos, vêm histórica e intencionalmente minando – mesmo que por razões diferentes – as possibilidades educacionais da população brasileira: a alta burguesia (donos de grandes editoras, pseudofilântropos e donos de grandes grupos educacionais) e os sindicatos docentes de todas as etapas de ensino (disfarçadamente representados por Consed e Undime e outras entidades de apoio). Além deles, há um Legislativo que, como é esperado em uma democracia, conta com políticos que representam não apenas esses dois grupos, mas defendem interesses triviais do tipo aumentar ao máximo os recursos que levam às suas bases, para fins nem sempre alinhados às necessidades de seus eleitores. Desse, o Presidente depende para continuar governando, portanto, deve ser cuidadoso e colaborativo, sem deixar que o Poder Executivo lhe seja subserviente. Nada fácil, mas eu estava no MEC para ajudá-lo, dentro dos limites das responsabilidades que resolvi assumir na SEB.

Com todo o respeito, já deu para perceber que o senhor conhece muito pouco de políticas educacionais da educação básica, que são a minha especialidade. Isso é normal, porque o cargo de Ministro é uma posição eminentemente política. Portanto, não se espera o absoluto domínio de detalhes técnicos da pasta. Entretanto, é importante ter algum conhecimento de como funcionam as políticas, as responsabilidades dos entes federados e das diferentes entidades, as siglas mais importantes e o orçamento pelos quais responde.

Ao assistir audiência pública interativa da Comissão Mista de Educação da Câmara dos Deputados para Covid-19, na sessão de 17/9/2020, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=j-hjgaDUZg4, percebi que senhor ainda tem um caminho longo pela frente para aprender sobre as enormes responsabilidades que abraçou, de forma a 1) não passar carão, 2) poder liderar o projeto de qualidade e eficácia vitorioso nas urnas em 2018, 3) não cometer difamações ou injustiças como a que cometeu comigo, mas, principalmente, para 4) não ser usado como inocente útil pelos grupos organizados que listei acima.

Como já afirmei, eles vêm historicamente fazendo valer seus interesses em detrimento aos da população, que quer ver seus filhos com um futuro melhor por meio da educação; da sociedade e da democracia, que dependem de gente educada e consciente para manter a coesão social; e do desenvolvimento econômico da era do conhecimento, que não se materializa sem capital humano de alto nível. Repito: a alta burguesia pseudofilantrópica e que vende produtos ruins e caros para o(s) governo(s), os sindicatos docentes que só pensam em mais recursos e menos monitoramento e alguns dos congressistas em busca de recursos sem muito controle para suas bases NÃO TÊM interesse que a educação pública seja efetiva (ou seja, ensine muito a todos os alunos)!

Primeiramente, vamos esclarecer o comentário aparentemente inocente que o senhor fez a meu respeito na referida audiência, em resposta a uma pergunta do relator da Comissão, que (veja como o senhor deve estar alerta) foi parar no Jornal Nacional do mesmo dia (ver reportagem aqui: https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/09/17/ministerio-da-educacao-pode-perder-mais-de-r-15-bilhao-do-orcamento-de-2020.ghtml). Lembrando que a Rede Globo faz oposição aberta ao seu chefe imediato.

Fiquei 111 dias à frente da SEB. Quando eu cheguei, não havia quase nenhuma ação pronta para a execução do orçamento de 2020 e o de 2019 tinha sido majoritariamente empenhado em NOVEMBRO do ano anterior. Eu, com uma equipe nova e no meio de uma pandemia, dei andamento ao máximo de procedimentos administrativos e técnicos para que o orçamento fosse IMEDIATAMENTE empenhado e liquidado (começando pelos restos a pagar para estados e municípios do ano anterior) por duas razões: 1) eu conheço o funcionamento das redes e a pior coisa que se pode fazer para a probidade e qualidade dos gastos (nexo causal com efetividade educacional) é deixar para gastar no fim do ano fiscal e 2) estávamos na pandemia e as redes iam precisar de mais recursos, tanto para tentar um ensino online em cima da hora, quanto para se preparar para a volta às aulas com novas medidas sanitárias.

Há anos estudo em profundidade as políticas para a efetivação do Regime de Colaboração e sou defensora aguerrida de que funcione corretamente. As provas de que eu estava trabalhando para resolver os problemas estruturais do MEC para tal (e que não é só papo de ressentida – narrativa recorrente), estão nos instrumentos apropriados como Notas Técnicas, Ofícios, Resoluções e Portarias necessários para fazer QUALQUER movimentação financeira no setor público. É só consultar no SEI (Sistema Eletrônico de Informações do MEC). Infelizmente, não deu tempo de fazer tudo o que tinha programado (sim, Ministro, ao contrário do que disse, eu apresentei um plano ao seu Secretário Executivo, um dia antes de o senhor me demitir pelo Twitter). O senhor ter feito minha demissão sumária, sem que fosse feita uma transição do que estava sendo feito, deve ter contribuído para que o processo de orçamento não fluísse como deveria e os recursos fossem retomados pela Economia e parte deles ter ido parar no Legislativo. Por exemplo, a Nota Técnica do FNDE respondendo aos nossos questionamentos operacionais para a execução do orçamento COM MELHORES CRITÉRIOS DE QUALIDADE foi assinada no dia da comunicação sobre minha demissão sumária, portanto eu não poderia contestá-la imediatamente e teria que deixar à minha sucessora o andamento desse importante processo.

Agora, será que o senhor se deu conta de que a pessoa responsável, desde agosto de 2019, pela Diretoria (DPD) com o maior orçamento da SEB era justamente a pessoa que o senhor escolheu para me substituir na SEB? Nem planos de trabalho, nem ferramentas de gestão de projeto, nem os processos administrativos estavam encaminhados quando eu cheguei ao MEC em abril. O que encontrei foram projetos com quase nenhum nexo causal com eficácia escolar. Demos sorte, porque os critérios de repasses para PAR e PDDE, essência do Regime de Colaboração, destruídos pela gestão do PT e PMDB, estavam estavam sendo reformulados pela Secretaria Executiva e pude dar uma substancial contribuição para a probidade do sistema, ao, por exemplo, retirar das possibilidades de a SEB repassar recursos pelo PAR para eventos (Resolução 4 do FNDE de maio de 2020 – https://www.fnde.gov.br/index.php/acesso-a-informacao/institucional/legislacao/item/13499-resolu%C3%A7%C3%A3o-n%C2%B0-04,-de-04-de-maio-de-2020). Não sei se o senhor sabe, eventos são um ralo para escoar recursos sem muito controle de qualidade e fazem a festa da educação de fachada para acobertar gastos estranhos.

Com isso, quero explicar dois aspectos importantes do contexto do orçamento da educação básica, para que o senhor não seja um inocente útil a interesses esquisitos: 1) critério de repasse bem especificado e documentado é a essência do Regime de Colaboração efetivo e um potente antídoto contra o mau uso dos recursos das pastas em todos os níveis (federal, estadual e municipal, pois são o elo entre a boa intenção do formulador e os órgãos de controle) e 2) minha equipe descobriu, na minha última semana de trabalho no MEC, que havia uma enorme pressão do Legislativo para aumentar a magnitude das emendas impositivas que poderiam drenar recursos da SEB. Desde que seguissem os critérios mínimos da Resolução 4, tudo bem. É isso que vai acontecer?

https://g1.globo.com/educacao/noticia/2020/09/17/ministro-cobra-congresso-por-mais-recursos-para-a-educacao-e-diz-que-bloqueio-no-orcamento-foi-para-emendas-parlamentares.ghtml

https://g1.globo.com/globonews/jornal-globonews-edicao-das-18/video/ministro-da-educacao-diz-que-corte-de-verba-e-para-pagar-emendas-parlamentares-8865452.ghtml

Não vou me alongar mais, mas apresento a seguir um extrato do plano de trabalho que apresentei ao Secretário Executivo na véspera de o senhor anunciar minha substituição sem transição (!!). Começando pelo sumário executivo:

  • O Pisa mais recente (2018) mostra que o Brasil tem capacidade de formar apenas 27,2 mil alunos de alta performance (Níveis 5 e 6), enquanto que os Estados Unidos 333,3 mil e a China (apenas nas 4 cidades participantes) 471,3 mil – a cada grupo etário de 15 anos. A meta para o Brasil deveria ser chegar, em média, ao nível 3, com não mais de 20% de alunos abaixo do nível 2 e com uma taxa de participação acima de 90%
  • Acreditamos que os alunos brasileiros devem aprender na escola tanto ou mais que seus pares em países desenvolvidos. Existem casos de redes públicas brasileiras que conseguem bons resultados, mesmo em contexto de pobreza.
  • A solução comum aos sistemas educacionais que alcançam ao mesmo tempo excelência e equidade tem quatro pilares, pois o aprendizado só ocorre quando os alunos estão expostos ao que se chama de oportunidades de aprendizagem de qualidade,um conjunto de políticas educacionais estruturantes presente nos países desenvolvidos:
    • Objetivos de aprendizagem claros e ambiciosos +
    • Material de ensino apropriado para ensinar cada um deles +
    • Avaliação formativa (parte integrante do aprendizado) e somativa (penalidade/recompensa pelo nível de engajamento, além do monitoramento do direito à educação pelas autoridades competentes)+
    • Professores e/ou pais com capacidade didática (ensinar, monitorar o aprendizado, guiar o aluno pelo caminho e estimular emocionalmente)
  • Portanto, todo o mais – investimento, infraestrutura, tecnologias, titulação de docentes et c. –, não ADICONA NENHUM VALOR se os fundamentos acima já não estiverem bem implementados

Um diagnóstico resumido do que aconteceu com a SEB, na mesma apresentação:

  • Perda de capacidade estratégica e técnica da equipe ao longo dos anos, delegando a terceiros a responsabilidade de formular políticas nacionais de indução de qualidade e efetividade escolar (por exemplo, representantes de ongs e agências internacionais de fomento – abordado na gestão do Sr. Jânio, mas ainda requerendo atenção)
  • Políticas que originalmente tinham poder de indução (PDDE e PAR) perderam essa capacidade pela deterioração dos critérios de repasse de recursos da União para os entes subnacionais – critérios sendo retomados e aperfeiçoados para os mecanismos vigentes: PAR, PDDE, PPDE Emergencial e Novo Fundeb
  • Baixa capacidade de gestão efetiva e de coordenação interna e externa de projetos e ações que deveriam ter como base claro nexo causal entre ações e gastos e efetividade educacional – escritório de projetos em implementação na gestão atual
  • Projetos discricionários da SEB excessivamente focados em gastos (não em estratégia de indução, mas principalmente em eventos e viagens) com pouco ou nenhum nexo causal com a efetividade da política educacional – ações internas sendo revistas a partir de nexo causal, com objetivos e critérios mais claros
  • Grave limitação da capacidade operacional da SEB, pelo acúmulo de problemas tanto na área de Tecnologia do MEC, quanto na execução financeira e reporte de prestação de contas por parte do FNDE – já mapeados, com ações de correção em andamento, mas ainda longe de permitir funcionamento efetivo da SEB

E quais meus planos para a SEB:

  1. A SEB deverá recuperar sua capacidade técnica e estratégica (equipe em composição, mas ainda sob o impacto da composição anterior e dos atrasos nos processos de cessão intragovernamental)
  2. Os projetos elaborados conceitualmente na SEB (em parceria ou não com outras Secretarias e Ministérios) devem induzir subnacionalmente a garantia do direito de todos os alunos a aprenderem um currículo claro e ambicioso, por meio de conteúdos e materiais de alto nível, avaliações idem e formação didática de professores e famílias que lhes dê sustentabilidade (aumento da CAPACIDADE DIDÁTICA da sociedade brasileira – disseminação de cultura de valorização acadêmica para superar a naturalização do fracasso escolar)
  3. Para isso são necessários:
    1. Elaboração de currículo brasileiro alinhado com o de países desenvolvidos
    2. Condução de estudos sistemáticos sobre efetividade das políticas vigentes e futuras, de forma a embasar o trabalho dos formuladores de políticas públicas
    3. Internalização do conhecimento sobre políticas públicas produzido no mundo nos últimos 30 anos
    4. Aprimoramento da rede de proteção social dos alunos mais vulneráveis
    5. Aprimoramento da capacidade de gestão das secretarias de educação – incluindo a SEB
  1. Melhorar a articulação com os sistemas de ensino por meio de INTERAÇÃO MAIS TÉCNICA QUE POLÍTICA, prestando assistência técnica direta aos entes;
  2. Alterar a estrutura, os parâmetros de qualidade pedagógica, o sistema de avaliação dos editais do PNLD e  REFORÇAR A EQUIPE DA COGEAM (Educação Infantil – em andamento – e Fundamental I – início imediato –), em parceria com o FNDE/Sealf e SEMESP, compensando as falhas da BNCC, que deverá ter seu processo de revisão iniciado imediatamente. O de ensino médio já não será possível reverter;
  3. Internalizar parâmetros técnicos, estudos e recomendações de política pública de sistemas internacionais de avaliação, tais como, PIRLS (compreensão leitora), TIMMS (Matemática e Ciências) e Pisa (nas três áreas);
  4. Elaborar políticas nacionais de qualidade docente e de parceria com as famílias dos alunos, em articulação com outros ministérios e sistemas subnacionais de ensino;
  5. Melhorar a comunicação das ações e fatos positivos da SEB (casos como o do IMPA não deveriam se repetir) e gerir antecipadamente os negativos (CETREMEC será um teste)
  6. Aprimorar o relacionamento da SEB com o Legislativo, tornando-o mais dinâmico, proativo e pedagógico – atraso na cessão da advogada do GABSEB prejudicou substancialmente essa ação.

Alguns exemplos do que foi feito durante meus 111 dias à frente da SEB, no meio da Pandemia:

  • Operacionalização dos R$313 milhões referentes à negociação do Novo Fundeb com os representantes das Secretarias Estaduais para recursos emergenciais por COVID 19 por meio de PDDE Emergencial, a ser operacionalizado pelo FNDE;
  • Operacionalização da cota anual de R$60 milhões do orçamento SEB para MCTIC para instalação e manutenção de conexão por satélite para escolas rurais;
  • Retomada do projeto do Banco Mundial iniciado em 2017, com recursos de US$29 milhões parados desde Dez 2018, para melhoria do desenho das ações relativas à reforma do EM (NEM, EMTI, ET e EJA) – materialização da Lei 13.415/2017
  • Retomada dos recursos parados na UNESCO da ordem de R$10 milhões para programas e conteúdos de alfabetização a serem operacionalizados pela SEALF (sanando irregularidade administrativa);
  • Novas Resoluções e DCNs de Formação Docente Continuada e de Educação Bilíngue aprovadas na última reunião do CNE e sendo encaminhadas – com o devido monitoramento desta SEB – para homologação pelo GABMIN. São pré-requisito para a elaboração da Política Nacional de Qualidade Docente;
  • Articulação com MMFDH, Sealf e SEMESP para elaboração de uma Política Nacional de Parceria com as Famílias
  • Articulação e financiamento do Projeto Força no Esporte e João do Pulo com MD
  • Retomada, COM CONTEÚDO TÉCNICO, da Instância Permanente com Consed e Undime, com a ata já publicada no site,  conforme direcionamento do TCU
  • Novo Fundeb: sugestões para otimizar a função social atrelar o aumento da complementação da União ao Fundo a métricas objetivamente aferíveis: indicadores de melhoria da aprendizagem, % de alunos inseridos no no Cadastro Único e práticas de gestão eficaz – trabalho futuro no desenho das normativas infraconstitucionais

Entendeu por que a sua “inocente” fala na audiência pública foi parar no Jornal Nacional, o de maior audiência da emissora que mais oposição explícita faz ao Governo do qual o senhor faz parte, em um cargo de exclusiva confiança do Presidente da República? Percebeu por que a mesma imprensa que vive dos anúncios das empresas e iniciativas dessa burguesia (já que as verbas do Governo Federal minguaram), cujos funcionários têm compromisso ideológico com a agenda dos sindicatos docentes (lembra do termo intelectual orgânico?) e muitas vezes está na mão de representantes do Legilstivo, parou de bater no MEC?

Portanto, eu peço que o senhor compreenda que foi colocado no Mec para ser um inocente útil. Não pelo Presidente, que aceitou uma sugestão e o nomeou, mas pelas vozes que vêm soprando em seu ouvido ideias como me demitir, fazer uma visita de prestígio – com dinheiro do contribuinte – a uma fundação que liderou iniciativas como a BNCC e a dizer que vai conversar com todo mundo (ser educado é uma coisa, não ter plano de trabalho e dizer que vai perguntar a esses grupos o que fazer – como disse na audiência…meu Deus). Não seja! Reaja e seja um grande Ministro. O Brasil espera isso do Governo Bolsonaro, portanto, os eleitores dele também têm essa expectativa em relação ao senhor.