O MEC sob nova direção, quem não gosta?

Que a educação de TODOS os brasileiros vai mal, sabemos. E só podemos saber porque o PISA nos permite fazer comparações entre os mesmos níveis de desempenho (percentual de alunos por nível de desempenho, por exemplo) ou nível socioeconômico (idem). Isso não é novidade para ninguém!

A novidade é termos um Ministro da Educação que resolveu enfrentar o problema.

A oposição está tão ressabiada com a atuação do Ministério e tão animada em atacar o que seus generais consideram um flanco fraco do exército (que apelidam de ideológico) do Presidente Bolsonaro, que organizou suas tropas em várias frentes para atacá-lo. Quem sabe, se baterem bem, o Governo Federal não faz água e a gente volta a ser feliz de novo? Perguntam-se os agora escandalizados defensores da educação de qualidade desde criancinha. Mas péra! A educação no Brasil está atrasada mais de 100 anos (leiam minha tese, Cap1)., onde estava esse pessoal?

David Plank dá uma pista! Essas são citações do início da minha tese. Sugiro ler todo o 1o Capítulo dele no livro The Means of Our Salvation de 1996.

Policy goals may include the provision of jobs for clients, or the direction of public resources and public subsidies to political allies and favored constituencies. Insofar, as this is true, universally admired objectives may be systematically subverted in order to advance a variety of private interests. […] Those in charge of the system may use their positions to obtain teaching and administrative jobs for clients; scholarships for favored students; subsidies for private organizations including private schools; and contracts for constructions firms, textbooks publishers, and suppliers of school lunches. These and other benefits are provided in return for political and financial support. (PLANK, 1996, p. 104, grifos nossos).

[…] because private objectives commonly take precedence over public interest, policy debates are occasioned not by disagreement over the formally-defined ends of the educational system (which are not in dispute, because not pursued) but over the means available for pursuing those ends. There is virtual consensus on the nature of Brazil´s educational problems and the steps that would need to be taken to solve them, but intense conflict persists over the control of educational resources and their distribution. Thus, the most longstanding and vociferous educational policy debates in the last six decades have concerned not the priority to be assigned to the various objectives of the system, but the ostensibly subordinate issues of whether administrative control should be centralized or decentralized, and of what role private schools should play in the system. The intensity of these conflicts has been such that they have to a large extent displaced or at least obstructed efforts to resolve the country´s most urgent educational problems. (PLANK, 1996, p. 12, grifos nossos).

Deputados da oposição resolveram criar uma comissão especial que cobra do MEC seu plano estratégico. Realmente, aí está uma boa narrativa para ser estruturada e transformar um não assunto em alimento para a guerra: o Ministro é incompetente, não sabe nem fazer um plano estratégico! Troquem o Ministro! Cortem as cabeças! Diria a animada e louca Rainha de Copas da história da Alice nos País das Maravilhas, personificada agora pela doce Tábata.

Então agora temos gente querendo bater no governo porque a educação no Brasil é péssima, não importa de que ângulo se olhe. Sei. Mas não era apenas a foto que era ruim, mas com um filme que era bom? O problema não era porque o aluno é do séc. XXI, mas o professor do XX e a escola do XIX? O que é que o Plano Estratégico do MEC tem com isso?

A Política Nacional de Alfabetização não importa. Enquadrar as Universidades Federais, que fazem o que lhes bem apraz com o dinheiro do contribuinte e apertar os critérios para conceder bolsas também não. O problema é que não tem Plano Estratégico e que o Ministro apontou questões pontuais de produção de drogas em instalações federais, além de o consumo regular e explícito delas por alunos que (quanto algo dá errado, se lembram) estão sob a tutela do Estado Brasileiro.

Já tivemos um Ministro, o Janine Ribeiro – filósofo da FFLCH – que entregou uma primeira versão da BNCC sem Gramática… fato que eu mesma apontei a um distraído (mas agora super atento) jornalista e que pegou de surpresa seu substituto, naquela animada dança das cadeiras que precedeu o impeachment da Ex-Presidente Dilma Rousseff.

Já tivemos um outro Ministro que disse que os alunos brasileiros iam se equiparar aos europeus ou Ocedianos (da OCDE), quando seu IDEB chegasse a 6,0… Ninguém chiou com essa barbaridade! Jornalistas renomados engoliram que IDEB 6,0 é nível 3,0 do Pisa, como mostra o título da reportagem:

Sobral tem 27 colégios de Primeiro Mundo para crianças pobres

Município cearense possui boa parte das 82 escolas de excelência em áreas carentes Letícia Lins e Antônio Gois

E já tivemos Ministro que deixou empresários muito ricos com a brutal transferência de recursos públicos para a iniciativa privada por meio do FIES!

O Congresso (OK, agora MUITO MELHOR que o anterior, concordo) deixou que o Plano Nacional de Educação fosse esmeradamente construído como uma peça para sustentar o corporativismo docente, mesmo com uma mudança de governo. Vejam aqui mais um extrato da minha tese:

Quadro 4.3.1 – Resumo do texto original (2010) e dos aprovados (2014), metas relacionadas a parâmetros de qualidade

Meta proposta pelo Executivo em 2010Texto final da Meta votado no Congresso em 2014Comentários
Meta 5: Alfabetizar todas as crianças até, no máximo, os oito anos de idade.Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até o final do terceiro ano do ensino fundamental.A alteração do texto flexibiliza o tempo esperado para a alfabetização ao trocar a idade pela série, porque o aluno pode ficar retido antes ou até o 3º ano, além de estar, como proposição curricular, atrasada em relação ao que se pratica em países desenvolvidos, nos quais os alunos terminam o 2º ano alfabetizados (ver Capítulo 2)
Meta 7: Atingir as seguintes médias nacionais para o IDEB:Meta 7: fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria do fluxo escolar e da aprendizagem de modo a atingir as seguintes médias nacionais para o Ideb:O texto adicionado repete o conceito do Ideb, sem alterar o patamar de expectativa de aprendizagem. Ver explicação sobre o Ideb no Capítulo 2
IDEB 2021 Anos iniciais do ensino fundamental 6,0; Anos finais do ensino fundamental 5,5; Ensino médio 5,2IDEB 2021 Anos iniciais do ensino fundamental 6,0; Anos finais do ensino fundamental 5,5; Ensino médio 5,2
Estratégia 7. 25: Confrontar os resultados obtidos no IDEB com a média dos resultados em matemática, leitura e ciências obtidos nas provas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos – PISA, como forma de controle externo da convergência entre os processos de avaliação do ensino conduzidos pelo INEP e processos de avaliação do ensino internacionalmente reconhecidos, de acordo com as seguintes projeções:7.11. melhorar o desempenho dos alunos da educação básica nas avaliações da aprendizagem no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), tomado como instrumento externo de referência, internacionalmente reconhecido, de acordo com as seguintes projeções:Importante alteração que neutraliza a proposição inicial do Poder Executivo em aproximar conceitualmente os instrumentos de avaliação do PISA, mais exigentes que os utilizados no Brasil (ver Capítulo 2) com os brasileiros
PISA 2021: Média dos resultados em matemática, leitura e ciências 473PISA 2021: Média dos resultados em matemática, leitura e ciências 473Não houve alteração. A expectativa ficou no limite mínimo do nível 2 do Pisa. Ver Capítulo 2.

Meta proposta pelo Executivo em 2010Texto final da Meta votado no Congresso em 2014Comentários
Meta 9: Elevar a taxa de alfabetização da população com quinze anos ou mais para noventa e três vírgula cinco por cento até 2015 e erradicar, até 2020, o analfabetismo absoluto e reduzir em cinquenta por cento a taxa de analfabetismo funcional.Meta 9: elevar a taxa de alfabetização da população com quinze anos ou mais para noventa e três inteiros e cinco décimos por cento até 2015 e, até o final da vigência deste PNE, erradicar o analfabetismo absoluto e reduzir em cinquenta por cento a taxa de analfabetismo funcional.Atrasa a atenção ao analfabetismo absoluto e funcional (resultantes da má alfabetização na escola) de 2020 para 2024. Mesmo que a votação tenha demorado 3 anos, a experiência de Sobral mostra que se pode erradicar o analfabetismo da escola em 2 anos
Fonte: BRASIL, Poder Executivo, 2010 e BRASIL, Congresso Nacional, 2014. Comentários e tabulação da autora.

Agora olhem esse planejamento estratégico aqui e digam se é isso mesmo que vocês querem, ou se preferem as ações efetivas do MEC desde que Abraham Weintraub assumiu o cargo. É claro que quem está defendendo o Planejamento Estratégico está defendendo a implementação de SEU PNE, aquele que prevê, por exemplo, a META 17:

Valorizar os(as) profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE. Cujo principal objetivo estratégico é: Apoiar os estados, municípios e DF na valorização dos profissionais do magistério das redes públicas de educação básica de forma a equiparar seu rendimento médio ao dos(as) demais profissionais com escolaridade equivalente. Com o seguinte indicador: 17 – Razão entre salários dos professores da educação básica, na rede pública (não federal), e não professores, com escolaridade equivalente. E com a seguinte justificativa:

Portanto, para esta meta de equiparação salarial do rendimento médio até o final do sexto ano de vigência do PNE, é necessário que o valor do salário médio desses profissionais cresça de modo mais acelerado. Apesar de não resolver por si as décadas de problemas relacionados à valorização dos profissionais do magistério, ações de valorização precisam ser implementadas no sentido de tornar a carreira do magistério mais atraente do ponto de vista salarial e, de certo modo, mais atraente pelas condições de trabalho e de realização profissional. Também o estabelecimento de um piso salarial passou a estabelecer um mínimo a ser implantado pelos entes federativos no sentido da valorização profissional, bem como na melhoria da qualidade de educação. (grifo meu)

Então, me poupem, pessoal, ninguém aqui está preocupado com a melhoria da qualidade da educação, como os que estão HOJE trabalhando no MEC. NEM TODOS, eu sei! Mas como a base da sustentação da oposição são so sindicatos docentes, qualquer aumento de salário do professorado significa mais recursos para eles. É isso que está em jogo. Nada mais! Podem passar o Natal descansando.

Ah! E quase que eu esqueço das ONGs. Se o MEC funcionar bem e é o que parece que está acontecendo, elas ficam obsoletas. Como, em geral, CEOs de Ongs rhycas (das pobres também, mas aí é mais fácil de justificar) não são muito afeitos a estudar evidências (sérias, não aqueles relatórios vergonha alheia que eles produzem), eles não têm a menor ideia do que fazer. Além disso, vão ter que admitir que a BNCC é uma M e que as viagens, eventos e jantares que torraram milhões de seus chefes não valeram para nada! Mais valia sentar nas suas cadeiras de design moderno e colar na internet para descobrir o que os governos de países desenvolvidos estão fazendo para salvar a educação de seu povo dos asiáticos! Isso fizemos nós: Sobral e a equipe do currículo. Bye e até ano que vem.

9 Respostas

  1. E o que você acha do Olavo de Carvalho, ideologo deste governo, especialmente do Ministro da Educação?

  2. Obrigado pela atenção e pelo brilhante trabalho em prol da educação brasileira. Feliz Natal e Ano Novo.

  3. Prezada professora Ilona, pelo que entendi o MEC está trabalhando sério, embora eu acredite que há lá, também, aqueles atrapalham. Se meu entendimento do seu comentário está correto, eu pergunto: apesar do Ministro? Ou ele também está fazendo um bom trabalho, apesar das polêmicas?

    1. Nilton, Eu não trabalho no MEC, estou apenas ajudando com a Conabe e alguns assuntos pontuais.
      Pelo que eu vejo, o MEC está trabalhando direito, ou, pelo menos, na direção certa. Mas acho que há inúmeras dificuldades na implementação da solução de questões até já identificadas. Há pouca gente boa que saiba o que fazer e como fazer. A educação é um setor no qual não se desenvolveu capital humano suficiente, como Economia ou Engenharia…o MEC sofre com o que se chama em Ciência Política de Path Dependence, ou dependência do passado, que criou condições que dificultam a construção do futuro de formas disruptivas.

    2. A equipe com quem eu tenho contato está fazendo um bom trabalho. As que observo mais de longe, pelo menos parecem ir na direção certa. As polêmicas parecem ser parte de uma estratégia deliberada. Não entendo o suficiente de comunicação política para avaliar a estratégia, mas acho um pouco incômoda. Só que, dada a cobertura, pelo menos atenção o Ministro recebe. Portanto, pode ser que esteja funcionando bem para o fim a que se propõe!

  4. RODRIGO GABRIEL MOISES | Responder

    Um desabafo de final de ano ! Mas como sempre, apesar da justa indignação, muito sóbria ! Isto que precisamos: menos corporativismo, individualismo, ideologismo…. este conjunto que tem atrapalhado nossa educação.

    1. É isso. Desabafo e esclarecimento…Feliz Natal e Boas Festas!

  5. Prezada Ilona,
    Suas colocações são pertinentes e tecnicamente embasadas. Perfeito. Mas vamos descer ao primeiro degrau.
    Tive o privilégio de cursar do jardim de infância ao superior em instiuições de primeira linha (obs: tenho 59 anos). NAQUELA ÉPOCA, o que se ensinava no segundo ano da Poli, se ensinava no primeiro colegial em colégios como o Pasteur (onde estudei), Rio Branco e Dante.
    O Mestre que nos dava aula de Matemática 1, no primeiro semestre da faculdade, teve de revisar o conceito de, acredite, FRAÇÃO.
    Onde quero chegar? Esquece tudo. Precisa começar com a pré escola. Depois de dois, três anos, o primeiro ano. Mais um tempo, o segundo. Se não for assim, ESQUEÇA.
    Educação é um investimento complicado. É de longo, muito longo prazo. Os resultados são cumulativos e lentos. E só se colhem “lucros” a muito longo prazo.
    Aqui, milhões de formandos em universidades caça níquel que são apenas e tão somente um exército de analfabetos funcionais geraram apenas e tão somente:
    – um monumental rombo nos cofres públicos
    – problemas monstruosos caídos no colo do governo (logo, no nosso bolso)
    – gerações de pseudo profissionais.
    E enquanto isso, assistimos a um êxodo em massa de cérebros, cérebros que farão falta em todos os segmentos a curto prazo. E que nossas universidades não têm como repor.

    Que me lembre, havia uma musiquinha na escola, que is assim:
    “Qui a eu cette idée folle
    D’un jour d’inventer l´´ecole?
    C’est ce sacré Charlemagne!”
    Em tradução livre:
    “Quem foi que teve esta idéia maluca
    De inventar a escola?
    Foi o sagrado Carlos Magno!”.

    Ou seja, podemos dizer que instituição “escola’ imposta por um “governo”, no caso da França, remonta aos idos do ano de 800 da era cristã.
    E no Brasil, mais de 1200 anos depois, o que estamos debatendo?

    1. Sim, me parece que começar a apresentação de políticas estruturantes do MEC com a Política Nacional de Alfabetização (que aborda, de forma explícita, a literacia e a NUMERACIA emergentes, é uma boa ideia, não? Eu estou achando esse MEC bem acima da média dos anteriores do ponto de vista técnico. Não entendo o suficiente de comunicação para avaliar se a forma de explicitar o tamanho do problema é q que está sendo usada. Vamos ver como vai ser daqui para a frente.

Obrigada por enviar seu comentário objetivo e respeitoso.