Edição de março – Nossos jovens e as ciências exatas
Embora engenharia não seja a carreira mais popular em nenhum país, o fato de tão pouca gente concluir a educação básica e seguir para a universidade serve como obstáculo à formação de engenheiros. Enquanto 11% das matrículas do ensino superior no Brasil são em engenharias e afins, elas representam apenas 6% do total de concludentes. Embora esse número tenha mais que dobrado nos últimos anos, ainda é uma das proporções de egressos mais baixas do mundo. O resultado disso é uma disponibilidade de menos de 2 engenheiros por 10 mil habitantes, menos da metade dos 4,6 dos Estados Unidos e uma ínfima parte dos 16,4 da Coreia.
As aspirações do povo brasileiro por melhor infraestrutura, sistemas de comunicação, processos de toda sorte, controle de qualidade etc. nem de longe se espelham no que as escolas da educação básica oferecem a seus alunos e, mesmo que haja milhares de vagas em aberto para muitos campos de engenharia e ciências exatas no mercado de trabalho, os jovens brasileiros não estão aptos a ocupá-las, uma vez que não sabem matemática, física, lógica e ciências.
Não nos enganemos. É importante fazer a distinção entre o que o mercado de trabalho absorve hoje e o que o País realmente necessita porque, dado o modelo econômico vigente, com a maior parte do produto interno bruto (PIB) vindo de setores com baixa agregação de valor – e que, portanto, absorvem mão de obra com baixa qualificação –, os baixos níveis de desemprego podem trazer a ilusão de que há um alinhamento estratégico entre a educação básica, técnica, superior e o mercado de trabalho.
Em um país com dimensões territoriais como as nossas, com problemas sociais vergonhosos e uma população que rapidamente ficará velha e dependente da previdência do Estado (em nosso caso, também da Providência Divina, já que temos um bônus populacional que vai se esvaindo), é óbvio que é preciso formar mais pessoas nas áreas de computação, robótica, engenharia, bioquímica e ciências aplicadas em geral.
Mas nossa tradição acadêmica das letras e nossa aversão à educação formal – exigente e aprofundada em todas as disciplinas –, além da falta de familiaridade e gosto pelo ritmo de estudos intenso, pela memorização, pela prática da resolução de problemas e pelo pensamento lógico formal, levam famílias, escolas e estudantes a não só negligenciá-las, mas até a ridicularizá-las. Prefere-se o lúdico e o fácil, que dão a ilusão da recompensa imediata, mas que custam caro no longo prazo.
É possível que o Brasil seja uma nação de Macunaímas e Jecas Tatus modernos que, uma vez com acesso ao conhecimento mínimo, não desejem mais estudar ou mesmo trabalhar, formando um contingente de mais de 5 milhões de jovens nem-nem. Mas também é possível que haja milhões de talentos que, a exemplo das áreas de agronegócios e de aviação, queiram transformar este País em um paraíso industrializado tropical de magnitude continental, com estradas de rodagem e de ferro seguras, produção de patentes que revertam em bem-estar para a população, sistema de saúde abrangente e competente, a partir de profissionais do cérebro que ganhem a admiração hoje reservada aos jogadores de futebol.
Não sabemos a nossa vocação porque não conseguimos por de pé um sistema educacional que desenvolva talentos para o bem do País. Mesmo em baixa proporção em termos mundiais, produzimos diplomas, mas não produzimos nem conhecimento, nem ciências, nem saúde, nem bem-estar com os cérebros de nossa população. A vantagem de começar atrasado é que temos muitas fórmulas para nos inspirar. A pergunta é: Até agora, por que escolhemos não fazê-lo?
Artigo publicado na edição de março de 2014.
Edição de março de 2013 – A educação na primeira infância
É de pequenino que se torce o pepino, diz a sabedoria popular. Nas últimas décadas, a neurociência e a psicologia mostraram que as crianças muito pequenas já estão preparadas para interagir com o mundo que as cerca, bem diferente da época em que eram consideradas seres passivos, podendo agora participar de forma consciente do processo de “enquadramento” social esperado de famílias e de escolas.
Podemos dividir esse processo em três etapas, imprescindíveis para o sucesso da educação escolar na primeira infância: os estímulos e cuidados com os bebês, o início do processo de socialização e a introdução de habilidades cognitivas e de conteúdos além do universo infantil.
Admite-se hoje que, desde muito cedo, os bebês já são capazes de reconhecer figuras, sons e estímulos sensoriais que serão de fundamental importância para o desenvolvimento de seu cérebro nos anos posteriores. Por outro lado, o chamado “stress tóxico” que decorre de choques emocionais e físicos, sem a compensação de um ente querido ou protetor, é tido como uma condição que inibe o desenvolvimento cerebral de crianças muito novas. Assim, a primeira noção que devemos ter em relação ao futuro educacional das crianças é a importância de protegê-las desse stress deletério e estimulá-las, de forma proativa e equilibrada, desde o nascimento. Para isso, um acompanhamento materno-infantil (público ou familiar) de alta qualidade é crucial.
Em relação ao processo de internalização de valores e comportamentos, mesmo que anteriores aos da escola, quer no âmbito familiar ou nas creches, já podemos começar a introduzir noções e práticas, como mostrar respeito ao próximo (independentemente de sua condição social ou aparência), interagir cada vez mais racionalmente (e menos fisicamente) nas situações de conflito, alimentar-se de forma saudável, dormir em horários regulares, ter apreço por sua higiene pessoal, saber esperar, submeter-se a regras, conviver com as frustrações e exercitar o autocontrole. Possivelmente eram essas as habilidades que nossos avós tinham em mente quando faziam alusão à metáfora do pepino pequenino.
Provavelmente, pela forma muitas vezes abusiva e restritiva com que esses hábitos eram introduzidos nas vidas das crianças, esse tipo de “treinamento” foi considerado uma forma de recalcá-las. Assim, olaissez-faire ganhou um espaço desproporcional nas vidas das famílias e das escolas, tornando as etapas posteriores da educação um verdadeiro pesadelo para quem tinha que recuperar esse modelo de comportamento, levando muita gente até a desistir desse tipo de desafio.
Portanto, os comportamentos considerados cidadãos, respeitosos e constituintes da auto estima e autonomia infantil devem também ser introduzidos o quanto antes em suas vidas, mas de forma interativa e propositiva, para que os compreendam e incorporem-nos voluntariamente.
A etapa mais complexa é a do desenvolvimento cognitivo e da introdução de conteúdos alheios ao universo restrito das crianças pequenas. A complexidade tem relação com o processo de escolha das atividades e as informações a que os pequeninos serão expostos, e a forma de fazê-lo. Uma vez que a quantidade, diversidade, qualidade e capacidade para contribuir para o desenvolvimento infantil do que existe à disposição de crianças, suas famílias e seus educadores é infinita, separar aquilo que é prejudicial ou benéfico para as cabecinhas em formação não é tarefa fácil. Até porque, todo esse conhecimento e acesso a matérias educativas (ou pseudo), deixou de ser restrito aos profissionais da educação. Há pressão de pais e de força de vendas entrando por todas as frestas. Os instrumentos digitais tornaram essa invasão ainda mais competente.
Alguns princípios pedagógicos podem ajudar nessa seleção. As atividades que mais beneficiam o desenvolvimento físico, social, afetivo e cognitivo de crianças pequenas são as que promovem a interação respeitosa com adultos e com outras crianças, a capacidade de se expressar oralmente e estabelecer diálogo, de desenvolver habilidades motoras finas (além de seu esqueleto e musculatura), de compreender a relação entre a escrita e a obtenção de informações e de divertimento e a expansão de referências e de vocabulário.