Arquivos Mensais: setembro \03\America/Sao_Paulo 2018

Uma boa notícia que desagradou os tacanhos de plantão

Na semana passada, em 30/8/2018, o MEC e o INEP divulgaram os resultados parciais da Prova Brasil de 2017. Foram divulgados os dados das notas médias por etapa e disciplina (Língua Portuguesa e Matemática), por município e estado. Não foram, portanto, divulgados ainda os IDEBs, que são o resultado da multiplicação das notas dos alunos pelas taxas de promoção. Embora seja muito importante haver um indicador que junte os dois parâmetros, para evitar que a reprovação dos piores alunos seja usada para melhoras as notas de escolas,  municípios e estados, é bom sempre olhar para as notas, pois elas apontam para o que, no conjunto, os alunos estão efetivamente aprendendo.

Foi um ato político super positivo chamar a atenção sobre a aprendizagem! Não só pela informação em si, mas porque ainda há muitas redes se destacando em Ideb às custas das taxas de promoção, E NÃO pelas taxas de aprendizagem.

Nem vamos comentar o que significam os dados apresentados na semana passada: como sempre, tudo muito ruim. Mas ter um Ministro da Educação que aponta que o problema começa na alfabetização e que temos sim sérios problemas a enfrentar não é realmente um prazer, mas é um alento do ponto de vista político. Vamos lembrar que já tivemos que aguentar um outro que dizia que a educação brasileira ia bem e que o problema estava no Ensino Médio. O que me choca é que a imprensa engole essas bobagens sem questionar e aí, óbvio, vira verdade. Ai meu Santo Gramsci!

Alguns secretários reclamam de não terem sido apresentados ainda os resultados das escolas que fazem ensino integrado, o que deverá acontecer quando forem divulgados os dados por escola. É uma questão de esperar mais um pouquinho, pois a PORTARIA Nº 447, DE 24 DE MAIO DE 2017 diz o seguinte:

Art. 3º O SAEB 2017 tem como população alvo:
I – escolas públicas localizadas em zonas urbanas e rurais que possuam 10 (dez) ou mais alunos matriculados em cada uma das etapas de 5º e 9º anos (4ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental;
II – escolas públicas localizadas em zonas urbanas e rurais que possuam pelo menos dez alunos matriculados em cada uma das etapas de 3ª ou 4ª série do Ensino Médio, quando esta última for a série de conclusão do Ensino Médio;
III – uma amostra de escolas privadas localizadas em zonas urbanas e rurais que possuam pelo menos 10 (dez) alunos matriculados em cada uma das etapas de 5º e 9º anos (4ª e 8ª séries) do Ensino Fundamental e de 3ª ou 4ª séries do Ensino Médio, quando esta última for a série de conclusão do Ensino Médio, distribuídas nas vinte e sete Unidades da Federação;
IV – mediante adesão, escolas privadas localizadas em zonas urbanas e rurais que possuam pelo menos 10 (dez) alunos matriculados na 3ª série ou na 4ª série do Ensino Médio, quando esta última for a série de conclusão do Ensino Médio.
Parágrafo único. A população de referência do SAEB 2017 está descrita em detalhes no Anexo I desta Portaria.
Art. 4º Qualquer escola que ofereça 4ª série do Ensino Médio será avaliada somente nesta etapa, ainda que a escola ofereça a opção de certificação na 3ª série do Ensino Médio, visto que tal realidade não é identificável por meio do Censo da Educação Básica.
Art. 5º Não fazem parte da população alvo do SAEB 2017 as turmas multisseriadas, de correção de fluxo, de Educação Especial Exclusiva, de Educação de Jovens e Adultos, de Ensino Médio Normal/Magistério bem como as escolas indígenas que não ministrem o ensino em Língua Portuguesa.

No Anexo I, há um complemento que diz que:

Pertencem à população de referência […] as 3as e 4as séries do EM da seguinte forma: -Ensino Médio – 3ª Série; Ensino Médio – 4ª Série; Curso Técnico Integrado (Ensino Médio
Integrado) 3ª Série; Curso Técnico Integrado (Ensino Médio Integrado) 4ª Série

Mas o feio mesmo é ver um tremendo componente de promoção da qualidade como este (valorizar e expor o aprendizado) ser atacado pelos guardiões do atraso. Assim, o Jornal O Globo de hoje já traz alguma choradeira…

Vejam o seguinte trecho da matéria dO Globo:

MAIS CRÍTICAS: NOTAS DE CORTES ELEVADAS

O Saeb também sofreu críticas de Francisco Soares, renomado matemático, integrante do (Conselho Nacional de Educação (CNE) e ex-presidente do próprio Inep. Em um texto seu divulgado no final de semana, ele afirma que as altas notas de corte utilizadas este ano fazem o cenário parecer mais grave do que realmente é.

“Na realidade não ocorreu nenhum desastre educacional nos últimos dois anos, mas apenas a introdução de uma forma equivocada de sintetizar os dados”.

Soares destaca que o governo “arbitrou, sem nenhuma justificativa, valores para os pontos de corte muito maiores do que os que têm sido praticado”.

Oi?? Como assim não tem desastre educacional?? A quem interessa divulgar uma informação desinformante como esta? Temos sim um desastre e se temos agora um termômetro melhor calibrado, não é que ficamos mais doentes, mas podemos acompanhar melhor o efeito dos remédios.

Acontece que esse tipo de crítica deixa de apontar o que estava errado antes e que agora ESTÁ SENDO CORRIGIDO!!!! E como foi que nos metemos nessa? Um pouco de história educacional. A ultima vez que as matrizes do Saeb forma organizadas foi em 2001. Depois de duas edições com esta matriz, o MEC divulgou o Relatório Nacional do Saeb de 2003 (ver abaixo).

Em 2006, nasce o “Movimento Todos Pela Educação”, com suas 5 metas para a educação brasileira. Esse “Movimento” não é uma iniciativa do Governo Federal, mas de empresas e pessoas que resolveram se juntar para cobrar do governo avanços na área educacional. O “Movimento” e o Governo Federal eram bastante alinhados, então, apesar das cobranças, o Programa de Metas do Governo para o Ministério da Educação à época tinham o mesmo nome –  Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação:

O Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação é a conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica.

Aí o “Movimento” fez o que o Governo Federal deveria ter feito, mas não teve coragem de fazer, o que, sem dúvida, é um mérito. O Movimento Todos Pela Educação estabeleceu os patamares considerados adequados ou não ao aprendizado esperado de cada série. Só que, como os dados do Saeb anterior tinham sido desastrosos, o “Movimento” estabeleceu os seguintes patamares, sendo depois seguindo pela Fundação Lemann, que era a principal apoiadora de um site que expõe de maneira super bem organizada as notas dos alunos brasileiros, o Q-Edu. Sem dúvidas, iniciativas meritórias do setor privado, que ocupa o vácuo deixado por um governo irresponsável.

A referência ao relatório do INEP, de onde foram tirados os patamares apontados abaixo está na pg. 30 do Primeiro Relatório de Olho nas Metas de 2008, que não é possível achar na internet, mas cuja versão em pdf eu tenho. Uma vez, uma superpoderosa metida a manjar de educação, que sabia que eu era contra essa condescendência do TPE com os níveis de aprendizado, me mandou uma versão do relatório do TPE com um bilhetinho “carinhoso” porque eu, segundo ela, “não tinha entendido os critérios”. Affff, que bom que eu não tenho mais que aguentar essas figuras!

Níveis estipulados pelo MEC/Inep (2006) Série/Ano Muito crítico Crítico Interme-diário Adequado*
4ª série /5º ano do EF 0-125 125-175 175-250 >250 (200)
8ª série /9º ano do EF 0-125 125-175 175-250 >250 (300)
3º ano do EM 0-125 125-175 175-250 >250
Níveis estipulados pelo TPE       Adequado  
4ª série /5º ano do EF »200
8ª série /9º ano do EF »275
3º ano do EM »300
Níveis do site Q-Edu Insufi-ciente Básico Profi-ciente Avançado
4ª série /5º ano do EF 0-149 150-199 200-249 » 250
8ª série /9º ano do EF 0-199 200-274 275-324 » 325
3º ano do EM NA NA NA NA

Fonte: minha tese….;)

A página 45 do Relatório do Saeb de 2001 e 2003 mostra que menos de 5% dos alunos tinha alcançado o patamar que, à época, era chamado de Adequado. Vejam os destaques.

Tabela 7 – Percentual de estudantes nos estágios de construção de competências
Língua Portuguesa – 4ª série do EF – Brasil – Saeb 2001 e 2003
Estágio (*) 2001 2003
Muito Crítico 22,2 18,7
Crítico 36,8 36,7
Intermediário 36,2 39,7
Adequado 4,9 4,8
Total 100,0 100,0
(*) Em 2001, 59% dos estudantes da 4ª série do ensino fundamental estavam
nos níveis Muito Crítico e Crítico. Esse percentual, em 2003, caiu para 55%.

E, na página 46, a explicação do que era o nível Adequado, que apresentavam desempenho acima de 250 e não 200, como apontou o TPE. Vejam a diferença:

250 pontos em LP – São leitores com nível de compreensão de textos adequado à série. São leitores com habilidades consolidadas. Estabelecem a relação de causa e conseqüência em textos narrativos mais longos; reconhecem o efeito de sentido decorrente do uso da pontuação; distinguem efeitos de humor mais sutis; identificam a finalidade de um texto com base em pistas textuais mais elaboradas; depreendem relação de causa e conseqüência implícita no texto, além de outras habilidades.

Na mesma página, temos a referência do nível Intermediário, que decorria de desempenho entre 175 e 250 pontos: Começando a desenvolver as habilidades de leitura mais próximas do nível exigido para a série. Inferem informações explícitas em textos mais longos; identificam a finalidade de um texto informativo; reconhecem o tema de um texto e a idéia principal; e reconhecem os elementos que constroem uma narrativa, tais como o conflito gerador, os personagens e o desfecho do conflito, dentre outras habilidades.

Então é o seguinte, as notas podem não ser uma boa notícia, mas a ATITUDE do MEC, é!