Arquivos Mensais: agosto \27\America/Sao_Paulo 2018

O bilhetinho esperto e nossos índices de analfabetismo

Na semana passada, um bilhetinho super fofo e espertalhão de um menino de 5 anos “viralizou” na internet. O menino Gabriel escreveu um bilhete para a mãe, como se fosse a sua professora, a Tia Paulinha, dizendo que poderia ser feriado e que não haveria aula no dia seguinte. Além de ser o retrato do que se passa na cabeça de uma criança que está descobrindo o mundo, o bilhete, escrito praticamente sem erros e com letra firme do tipo palito, mostra o quanto é natural para crianças de meio urbano aprenderem a ler e a escrever entre os 4 e 5 anos, se, e apenas, se, forem expostas à lógica do código alfabético, à correspondência grafema-fonema (ahhhhh, o bê-a-bá?!?! – coitadinho…..), a materiais para rabiscar e estimulados a se comunicar com intenção clara, com vocabulario preciso e expandido. No caso do nosso rapazinho, a intenção era faltar à aula no dia seguinte, sabe-se lá para fazer o quê!!

O expertos que se apoderaram da construção da Base Nacional Comum Curricular retiraram qualquer menção à estabelecer habilidades de leitura e de escrita formal para a etapa de educação infantil. Se todas as escolas brasileiras se pautassem por essa abordagem irresponsável de negar aos alunos pequenos um aprendizado que, bem conduzido por professores bem formados, é absolutamente natural, não teríamos lido o bilhetinho do Gabriel. Acontece que quando ensinar as habilidades iniciais de leitura e escrita a partir da educação infantil não está na norma – e perdemos a oportunidade de alinhar a normativa constituída pela BNCC com seus pares de países desenvolvidos – quem sofre sempre são os alunos mais pobres ou vulneráveis. Quem tem mãe educada e atenta acaba produzindo pérolas como a do Gabriel.

Com isso, quero novamente afirmar que o que fizeram com a BNCC deixando-a pouco clara e ambiciosa para o processo de alfabetização tem consequências sérias, em geral para os que mais precisam de normativas claras para protegê-los dos perigos do mundo. Entre eles, ser analfabeto!

Dois relatórios divulgados neste mês de agosto expõe a questão do analfabetismo geral na população – o INAF – Indicador de Alfabetismo Funcional do Instituto Paulo Montenegro e da Ação Educativa e o Relatório SAEB-ANA 2016 Panorama do Brasil e dos Estados.

O primeiro que é a 10ª edição (a mais recente) de um relatório publicado pelas instituições aproximadamente a cada dois anos desde 2001. O estudo estatístico de uma amostra da população economicamente ativa, definida pelo IBGE como as pessoas que têm entre 15 e 65 anos, mostra os níveis de alfabetismo dessa faixa. A novidade desta edição é um histórico de todas elas, mostrando o seguinte:

a) a queda geral da proporção de analfabetos nessa faixa etária de 12% para 4% e de alfabetizados rudimentares de 27% para 22%;

b) o aumento dos níveis elementar e intermediário de, respectivamente, 28% para 34% e 20% para 25%;

c) a estagnação do nível mais alto, proficiente, em 12%!!

d) em relação aos níveis de escolaridade, apresentam níveis proficientes de leitura os entrevistados que chegaram (mas não necessariamente concluíram) ao ensino médio – 12% e ao ensino superior 34% !!!

e) 71% dos proficientes estavam empregados, contra 46% do grupo dos analfabetos.

O segundo relatório é do Inep, órgão do MEC que coleta e compila os dados das avaliações educacionais em nível federal no Brasil. Os dois são de certa forma complementares porque o do Inep mostra a situação de leitura, escrita e Matemática para os alunos das escolas públicas ao final do 3º ano do ensino fundamental.

Os números não são novidade, mas vale lembrá-los: para o conjunto dos alunos do Brasil, apenas 13% se mostram proficientes em leitura e 8% em escrita! Ou seja, nós queimamos a largada com o nosso futuro. O estado com melhor desempenho é MG, com 23% de alunos no nível mais alto de leitura e 16% no de escrita.

Este relatório do Inep é bem interessante porque traz amostras das questões e o desempenho dos alunos por nível, o que é bem interessante para os professores, além de organizar as informações de desempenho. A grande novidade que a BNCC trouxe a respeito da avaliação da leitura e escrita (e também de rudimentos de Matemática) é que a avaliação será passada para o 2º ano do ensino fundamental. Isso colocará mais pressão nos sistemas municipais e estaduais para fazerem os alunos aprenderem mais, apesar de não ter havido grande progresso na especificação da alfabetização na nova normativa curricular brasileira, como já falei aqui neste blog muitas vezes.

Preparem-se mamãe de todo o Brasil: os bilhetinhos com alerta de suspensão das aulas vão começar a chover nas suas casas!!