Edição de novembro de 2013 – Educação “padrão FIFA”
As pesquisas de opinião sobre educação no Brasil costumam mostrar que a população está majoritariamente satisfeita com a qualidade da educação pública que lhe é oferecida. Assim, até as manifestações de junho, não tinha sido possível perceber que havia uma demanda latente por novos padrões de qualidade, muito menos por um alinhamento internacional deles, chamado genericamente de “padrão FIFA”.
Mas se há um padrão FIFA para o futebol, que só se tornou conhecido no Brasil depois da decisão de sediar aqui a próxima Copa do Mundo, para a educação corremos o risco de ficar só com a metáfora: não há praticamente nenhum vaso comunicante entre as autoridades ou a academia educacional brasileira e seus pares nos países desenvolvidos. A única pista que temos de que algo vai muito mal são os estudos feitos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com dados obtidos pelo Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa).
Só que poucas pessoas no País se dão ao trabalho de ler seus relatórios; menos ainda de compreender seus achados. Boa parte das poucas que lêem o que a imprensa traduz, e que pode se considerar formadora de opinião, julga-se a salvo das mazelas do ensino público, porque seus filhos estão em escolas privadas. Embora seja um engano, porque os dados do Pisa mostram que, comparados os mesmos níveis de renda, os alunos brasileiros estão sempre em desvantagem em relação aos seus pares, o marasmo geral está explicado.
Assim, apesar de termos um problema grave, estamos iludidos dentro de uma bolha de ignorância que não nos permite ver o quanto nossos cotidianos, nossas políticas públicas e perspectivas econômicas, políticas e sociais deixariam de ser medíocres se tivéssemos padrões FIFA de educação.
Será que teríamos tanta corrupção se, em vez de aprenderem as primeiras letras aos oito anos, nossos alunos já fossem capazes de, aos nove, ler livros infanto juvenis de mais de 200 páginas, fazendo resumos deles por escrito e reescrevendo as histórias com suas próprias palavras? Não sabemos, por exemplo, como seria nossa vida se de nossas crianças, antes de terminar o primário, no lugar de aprenderem a contar até mil, fosse esperado fazer as quatro operações com números de seis dígitos.
Será que teríamos de contratar emergencialmente médicos estrangeiros se nossos alunos chegassem ao ensino médio lendo e escrevendo em inglês para poder ter acesso a conteúdos atualizados e interessantes de Ciências e fazer intercâmbios acadêmicos relevantes? Será que se lessem os clássicos desde o início da vida escolar, como fazem seus colegas portugueses, nossos compatriotinhas compreenderiam melhor os fatos históricos que podem explicar nosso presente?
Também não sabemos se, caso os professores fossem tratados como profissionais técnicos, sem paternalismo, com mínimas doses de corporativismo – recebendo uma formação sólida, voltada para um currículo ambicioso e claro – e privados de devaneios românticos, as salas de aula brasileiras teriam uma dinâmica mais inteligente e igualitária. Ou que se, talvez, os mestres locais estivessem preparados para o exercício da equidade em sala de aula, para o respeito humano e pela instituição escolar, haveria mais cooperação e menos atritos nas relações professor-aluno.
Além disso, se as escolas contassem com equipes interdisciplinares fixas e bem remuneradas, com recursos não só para garantir o bom andamento das aulas e das atividades acadêmicas, mas também para mitigar os pavorosos problemas sociais que ainda aleijam intelectualmente milhões de crianças – garantindo paz de espírito para o aprendizado, tanto do conteúdo como da vida em comunidade, com respeito a regras e ao próximo –, as escolas por aqui talvez não se parecessem tanto com reformatórios.
Escolhemos o caminho mais fácil – gastar mais com educação. Não sabemos ainda em que, mas já sabemos quanto, apesar de não vermos no horizonte a perspectiva de que a sociedade brasileira valorizará a educação a ponto de outorgar-lhe todo seu potencial transformador. Será que vamos colher os frutos da educação padrão FIFA ou vamos continuar a ser um povo ignorante e desigual, que assiste apenas pela TV a jogos de futebol performados em lindos estádios?
Artigo publicado na edição de novembro de 2013.