Arquivos Mensais: abril \17\America/Sao_Paulo 2017

Um currículo civilizatório: como a BNCC pode transformar o Brasil em um país de relações sociais mais civilizadas a partir das escolas

Ao se lançar a terceira versão da BNCC no início de abril, uma nova pergunta se impõe: e agora? Como a normativa curricular vai se materializar em sala de aula? Quanto tempo vai demorar esse processo de implementação dos objetivos pedagógicos organizados no documento? Como e quando essa nova ambição educacional vai entrar nas cabeças de nossos alunos?

Minha resposta é: depende das características de cada novo objetivo pedagógico. Há uns que precisam de uma compreensão mais aprofundada de seu significado e decorrências, como os de compreensão leitora mais elaborados, que estão no eixo de leitura. Esses, para além de demandar habilidades cognitivas bem mais complexas, demandarão a disponibilidade de um acervo de textos e obras infinitamente mais abrangentes e numerosos que o que se tem nas escolas públicas e privadas do Brasil hoje. E isso custa bastante dinheiro!

Há outros, como os do eixo de oralidade, que são praticamente auto-explicativos e que podem começar a mudar a realidade das escolas brasileira imediatamente. Eles dependem menos de investimento e mais de mudanças radicais na cultura de relacionamento de sala de aula.

Com a ajuda de referências bibliográficas atualizadas, então a coisa vai longe e rápida! Hoje então eu vou listar os objetivos de interação discursiva propostos na BNCC desde a educação infantil até o 9º ano, comparar com o que propusemos para Sobral e indicar um livro ótimo para ajudar as equipes escolares e materializá-los nas salas de aula e nas escolas. Se tudo funcionar, vamos criar finalmente uma cultura organizacional de reforço positivo, que, oxalá, substitua a cultura de punição e isolamento de nossa tribo educacional especializada em “pedagogia da repetência”, e também da humilhação, do descaso e da falta de empatia!

A apresentação dos objetivos de interação discursiva aparece na BNCC a partir do início da educação infantil, o que, no documento e para esta etapa, é apresentado por um eixo com nome diferente (O eu, o outro e o nós) do que o escolhido para o mesmo tipo de objetivo pedagógico no ensino fundamental (Oralidade – Práticas de compreensão e produção de textos orais em diferentes contextos discursivos).

O eixo “O eu, o outro e o nós” é apresentado da seguinte forma:

O eu, o outro e o nós – É na interação com os pares e com adultos que as crianças vão constituindo um modo próprio de agir, sentir e pensar e vão descobrindo que existem outros modos de vida, pessoas diferentes, com outros pontos de vista. Conforme vivem suas primeiras experiências sociais (na família, na instituição escolar, na coletividade), constroem percepções e questionamentos sobre si e sobre os outros, diferenciando-se e, simultaneamente, identificando-se como seres individuais e sociais. Ao mesmo tempo que participam de relações sociais e de cuidados pessoais, as crianças constroem sua autonomia e senso de autocuidado, de reciprocidade e de interdependência com o meio. Por sua vez, no contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas, que geralmente ocorre na Educação Infantil, é preciso criar oportunidades para as crianças ampliarem o modo de perceber a si mesmas e ao outro, valorizarem sua identidade, respeitarem os outros e reconhecerem as diferenças que nos constituem como seres humanos.

E apresenta os seguintes objetivos de aprendizagem

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO – Eixo “O eu, o outro e o nós”:

Crianças de zero a 1 ano e 6 meses Crianças de 1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses Crianças de 4 anos a 5 anos e 11 meses
(EI01EO01) Perceber que suas ações têm efeitos nas outras crianças e nos adultos. (EI02EO01) Demonstrar atitudes de cuidado e solidariedade na interação com crianças e adultos. (EI03EO01) Demonstrar empatia pelos outros, percebendo que as pessoas têm diferentes sentimentos, necessidades e maneiras de pensar e agir.
(EI01EO02) Perceber as possibilidades e os limites de seu corpo nas brincadeiras e interações das quais participa. (EI02EO02) Demonstrar imagem positiva de si e confiança em sua capacidade para enfrentar dificuldades e desafios. (EI03EO02) Atuar de maneira independente, com confiança em suas capacidades, reconhecendo suas conquistas e limitações.
(EI01EO03) Interagir com crianças da mesma faixa etária e adultos ao explorar materiais, objetos, brinquedos. (EI02EO03) Compartilhar os objetos e os espaços com crianças da mesma faixa etária e adultos. (EI03EO03) Ampliar as relações interpessoais, desenvolvendo atitudes de participação e cooperação.
(EI01EO04) Comunicar necessidades, desejos e emoções, utilizando gestos, balbucios, palavras. (EI02EO04) Comunicar-se com os colegas e os adultos, buscando compreendê-los e fazendo-se compreender. (EI03EO04) Comunicar suas ideias e sentimentos com desenvoltura a pessoas e grupos diversos.
(EI01EO06) Construir formas de interação com outras crianças da mesma faixa etária e adultos, adaptando-se ao convívio social. (EI02EO06) Respeitar regras básicas de convívio social nas interações e brincadeiras. (EI03EO06) Compreender a necessidade das regras no convívio social, nas brincadeiras e nos jogos com outras crianças.
(EI01EO07) Demonstrar sentimentos de afeição pelas pessoas com as quais interage. (EI02EO07) Valorizar a diversidade ao participar de situações de convívio com diferenças. (EI03EO07) Manifestar oposição a qualquer forma de discriminação.
(EI01EO08) Desenvolver confiança em si, em seus pares e nos adultos em situações de interação. (EI02EO08) Resolver conflitos nas interações e brincadeiras, com a orientação de um adulto. (EI03EO08) Usar estratégias pautadas no respeito mútuo para lidar com conflitos nas interações com crianças e adultos.

Já o de Oralidade no ensino fundamental é precedido da seguinte introdução:

A oralidade precede a escolaridade, sendo a forma natural de aprendizagem da língua fora da escola, desenvolvendo-se desde muito cedo por meio das interações familiares e sociais. Na escola, porém, a oralidade (a fala e a escuta) torna-se objeto de conhecimento – de suas características, de seus usos, de suas diferenças em relação à língua escrita – e ainda objeto de desenvolvimento de habilidades de uso diferenciado em situações que demandam diferentes graus de formalidade ou atendimento a convenções sociais.

Assim, o eixo Oralidade inclui conhecimentos sobre as diferenças entre língua oral e língua escrita e os usos adequados da oralidade em interações formais e convencionais. Além disso, considerando que a língua oral não é uniforme, pois varia em função de diferenças de registros – formais ou informais –, de diferenças regionais (relativamente numerosas na vastidão do território nacional), de diferenças sociais (determinadas pelo pertencimento a esta ou àquela camada social) –, esse eixo inclui também conhecer as variedades linguísticas da língua oral e assumir atitude de respeito a essas variedades, o que é fundamental para que se evitem preconceitos linguísticos.

No ensino fundamental, o eixo de Oralidade está dividido no subeixo (usando a nomenclatura que usamos no currículo de Sobral): “Interação discursiva/intercâmbio oral no contexto escolar” e nas expectativas “Constituição da identidade psicossocial, em sala de aula, por meio da oralidade” e “Regras de convivência em sala de aula”, que estão intimamente relacionadas. Assim, esses objetivos mais amplos devem ser desenvolvidos na seguinte ordem me sala de aula :

1º ano 2º ano 3º ano

(EF01LP01) Expressar-se, em situações de intercâmbio oral, com autoconfiança (sem medo de falar em público), para explorar e apresentar informações, esclarecer dúvidas, trocar ideias, propor, criar ou engajar-se em jogo ou brincadeira.

(EF02LP01) Expressar-se em situações de intercâmbio oral com autoconfiança (sem medo de falar em público), liberdade e desenvoltura, preocupando-se em ser compreendido pelo interlocutor e usando a palavra com tom de voz audível, boa articulação e ritmo adequado.

(EF03LP01) Interagir com os colegas e o professor, de modo a contribuir com a construção de uma relação comunicativa produtiva em sala de aula, respeitando as opiniões divergentes.

 

(EF01LP02) Escutar, com atenção e compreensão, instruções orais, acordos e combinados que organizam a convivência em sala de aula. (EF02LP02) Colaborar com o professor e os colegas para a definição de acordos e combinados que organizem a convivência em sala de aula. (EF03LP03) Identificar e respeitar as características dos turnos da conversação (alternância dos participantes que se revezam nos papéis de falante e ouvinte).

 

  (EF02LP03) Escutar, com atenção e compreensão, instruções orais ao participar de atividades escolares. (EF03LP02) Escutar com atenção perguntas e apresentação de trabalhos de colegas, fazendo intervenções pertinentes ao tema, em momento adequado.

(EF03LP06) Usar estratégias de escuta de textos, em situações formais: escutar os outros, esperar sua vez para falar e solicitar esclarecimentos (sobre o assunto em foco e o significado de palavras desconhecidas).

(EF01LP03) Participar de conversação espontânea reconhecendo sua vez de falar e de escutar, respeitando os turnos de fala e utilizando fórmulas de cortesia (cumprimentos e expressões como “por favor”, “obrigado(a)”, “com licença” etc.), quando necessário. (EF02LP04) Reconhecer características da conversação espontânea presencial, respeitando os turnos de fala, selecionando e utilizando, durante a conversação, formas de tratamento adequadas, de acordo com a situação e a posição do interlocutor (“senhor/a”, “você” etc.).  
4º ano 5º ano 6º ano
(EF04LP01) Participar das interações orais em sala de aula, com liberdade, desenvoltura e respeito aos interlocutores, para resolver conflitos e criar soluções. (EF05LP01) Participar das interações orais em sala de aula e em outros ambientes escolares com atitudes de cooperação e respeito. (EF06LP01) Colaborar na busca de soluções para problemas entre os interlocutores, utilizando estratégias conversacionais de cooperação e respeito.
(EF04LP02) Argumentar sobre acontecimentos de interesse social, com base em conhecimentos sobre fatos divulgados em TV, rádio, mídia impressa e digital, com cordialidade e respeito a pontos de vista diferentes. (EF04LP03) Escutar com atenção apresentações de trabalhos por colegas, formulando perguntas pertinentes ao tema e solicitando esclarecimentos sobre dados apresentados em imagens, tabelas, textos. (EF05LP02) Opinar, em discussões e debates na sala de aula, sobre questões emergentes no cotidiano escolar ou sobre informações lidas, argumentando em defesa de sua posição. (EF06LP02) Responder, oralmente, a perguntas, fóruns ou enquetes, justificando posicionamentos e adequando o vocabulário às condições de comunicação.
(EF04LP04) Respeitar, em situações informais e formais, as características dos turnos da conversação (alternância de participantes), considerando o contexto e as características dos interlocutores (status profissional, idade etc.). (EF05LP03) Escutar, com atenção, falas de professores e colegas, formulando perguntas pertinentes ao tema e solicitando esclarecimentos sobre dados apresentados em imagens, tabelas e outros meios visuais. (EF06LP03) Interagir, oralmente, na escola e fora dela, considerando o contexto, a função social e a finalidade da interação.
7º ano 8º ano 9º ano
(EF07LP01) Utilizar estratégias conversacionais de cooperação e respeito, em interações em sala de aula e na escola.

 

(EF08LP01) Participar de interações orais em sala de aula e na escola, cooperando na troca de ideias e ouvindo com respeito e interesse os interlocutores. (EF09LP01) Participar, de modo claro e respeitoso, de interações orais em sala de aula e na escola, particularmente quando suas posições forem divergentes das de seus interlocutores.
(EF07LP02) Manifestar opiniões fundamentadas ao defender ideias, comportamentos e valores, respeitando os turnos de fala. (EF08LP02) Apresentar argumentos e contra-argumentos coerentes, respeitando os turnos de fala, na participação em debates sobre temas controversos e/ou polêmicos.

(EF09LP02) Respeitar os turnos de fala, na participação em conversações e em debates ou atividades coletivas, na sala de aula e na escola.

Já para o documento curricular de Sobral, apresentamos o seguinte: o aluno entra no primeiro ano dominando as habilidades abaixo, que deverá ter aprendido na educação infantil:

Com supervisão para ganhar autonomia, respeitam as regras de cortesia, combinadas pelo grupo, nas diversas situações de interação,

a) ouvindo com atenção e interesse;
b) adequando a sua linguagem corporal;
c) pedindo a palavra para expor suas ideias;
d) modelando o tom de voz nas interações comunicativas;
e) utilizando as formas de tratamento adequadas;
f) colaborando com a elaboração do conjunto dos valores e das regras de convivência da classe, escola e/ou rede;
g) evitando o uso de palavras com potencial ofensivo.

E até o 3º ano deverá dominar as seguintes habilidades (o que aparece em negrito é o que de novo é introduzido de um ano para o seguinte):

1º ano 2º ano 3º ano
Respeitar as regras de cortesia, combinadas pelo grupo, nas diversas situações de interação,
a) ouvindo com atenção e interesse;b) adequando a sua linguagem corporal;c) pedindo a palavra para expor suas ideias;

d) modelando o tom de voz nas interações comunicativas;

e) utilizando as formas de tratamento adequadas;

f) colaborando com a elaboração do conjunto dos valores e das regras de convivência da classe, escola e/ou rede;

g) evitando o uso de palavras com potencial ofensivo.

Respeitar as regras de cortesia, combinadas pelo grupo, nas diversas situações de interação,
a) ouvindo sem interromper;b)adequando a sua linguagem corporal;
c) pedindo a palavra para expor suas ideias;
d) modelando o tom de voz nas interações comunicativas;
e) utilizando as formas de tratamento adequadas;
f) colaborando com a elaboração do conjunto dos valores e das regras de convivência da classe, escola e/ou rede;
g) evitando o uso de palavras com potencial ofensivo;h) reagindo de forma pacífica diante de conflitos.
Respeitar as regras de cortesia, combinadas pelo grupo, nas diversas situações de interação,

a) ouvindo sem interromper;

b) adequando a sua linguagem corporal;
c) pedindo a palavra para expor suas ideias;
d) modelando o tom de voz nas interações comunicativas;
e) utilizando as formas de tratamento adequadas;
f) colaborando com a elaboração do conjunto dos valores e das regras de convivência da classe, escola e/ou rede;
g) evitando o uso de palavras com potencial ofensivo;

h) reagindo de forma pacífica diante de conflitos.

i) respeitando a opinião dos demais.

Essas habilidades, que deverão ser dominadas e materializadas em sala de aula desde a educação infantil e aprendidas até o 3º ano, obviamente continuam senso refinadas pelos alunos (e, claro!, vamos admitir, por seus professores também) ao longo de toda a convivência escolar. Mas como consideramos que os primeiros anos da escolaridade são fundamentais para se construir uma cultura de paz e respeito, achamos que os alunos devem estar totalmente familiarizados em com elas já no início da primeira metade do ensino fundamental.

Eis que surge o livro “Disciplina Positiva em Sala de Aula” dos especialistas americanos Jane Elsen, Lynn Lott e Stephen Glenn, traduzido para o Português e recém lançado no Brasil. O livro original é de 1993 e foi traduzido por duas professoras brasileiras, Bete Rodrigues e Fernanda Lee. Elas mantém um site sobre o tema, onde se pode comprar os livros “Disciplina Positiva”, para pais e professores, e o Disciplina Positiva em Sala de Aula”, focado nos mesmos princípios, mas agora com ênfase no ambiente escolar. Sinceramente, acho que esses princípios servem para qualquer ambiente de convivência, incluindo empresas.

Para se ter uma ideia da diferença de abordagem no relacionamento familiar e escolar, na página 12 do livro há uma tabela que compara as duas abordagens opostas de pensamento sobre o comportamento humano – a tradicional, presente nas escolas americanas (e brasileiras, óbvio!) e a abordagem da disciplina positiva. Segue um extrato dessa tabela:

Tradicional Disciplina positiva
De acordo com a teoria, o que motiva o comportamento das pessoas? Elas respondem a recompensas e punições em seu ambiente As pessoas procuram um senso de aceitação (conexão) e importância (significado) no seu contexto social
Quais são as ferramentas mais poderosas para os adultos? Recompensas, incentivos e punições Empatia, compreensão das crenças do aluno, habilidade de resolução de problema de forma colaborativa e acompanhamento gentil e firme
Qual é a resposta para o comportamento inadequado? Censura, isolamento e punição Conexão antes da correção, foco em soluções, acompanhamento e lidar com a crença por trás do comportamento

Os livros podem ser comprados no site – boa leitura!

http://www.disciplinapositiva.com.br/novosite/index.php/loja-online

BNCC versão 3: avanço na alfabetização, finalmente na hora certa

Dia 6 de abril de 2017, quinta da semana passada, finalmente tivemos o lançamento da terceira (e aparentemente, a última) versão da BNCC. Tecnicamente ainda há uns pontos que podem ser melhorados, mas politicamente foi um gol de placa. O Ministério da Educação brasileiro resolveu aproximar de vez os alunos brasileiros de seus pares em países desenvolvidos, um acerto histórico na definição do que se pode esperar da instituição escola em nosso País.

Nos próximos dias e semanas vou fazer uma série de comentários aqui no blog sobre o que foi proposto nesta nova versão da BNCC, principalmente em relação ao que se refere à disciplina de Língua Portuguesa, pois foi o assunto que mais estudei nos últimos anos, principalmente para poder fazer parte do projeto de elaboração dos novos currículos de LP e Matemática do Município de Sobral, no Ceará.

Recomendo a todos os leitores deste blog que leiam e estudem o documento com muita atenção, para poderem compreendê-lo e usá-lo. Para quem trabalha em escolas e secretarias de educação, desde já. Não é preciso esperar sua aprovação, pois já traz mecanismos muito interessantes para o planejamento pedagógico.

Hoje me concentro na alfabetização – finalmente teremos os alunos começando a aprender na idade certa, entre os 5 aos 7 anos, sendo que aos 7 o aluno já deve ler e escrever textos com desenvoltura.

Para dar uma ideia de o quanto a BNCC andou, trago o exemplo do currículo de dois países que, segundo o MEC, foram usados como referência para o nosso novo currículo nacional, Inglaterra e França.

The national curriculum in England – Framework document – July 2014

Aos 5 anos (Key stage 1- Year 1) os alunos do Reino Unido devem aprender o seguinte:

Caligrafia

Os alunos devem aprender a:

– sentar-se corretamente em uma mesa, segurando um lápis confortável e corretamente

– começar a formar letras minúsculas na direção correta, começando e terminando no lugar certo

– formar letras maiúsculas

– formar dígitos 0-9

– compreender quais letras pertencem a quais “famílias” de letra manuscrita (isto é, letras formadas de maneira similar) e praticá-las.

Escrita – produção de textos

– dizer em voz alta sobre o que eles vão escrever

– compor uma oração oralmente antes de escrevê-la

Sequenciar frases para formar narrativas curtas:

– relendo o que escreveram para verificar se faz sentido

– discutindo o que escreveram com o professor ou outros alunos

– lendo em voz alta sua escrita com clareza suficiente para ser ouvida pelos seus pares e pelo professor.

Programme d’enseignement de l’école maternelle

NOR : MENE1504759A arrêté du 18-2-2015 – J.O. du 12-3-2015 MENESR – DGESCO MAF 1

Objetivos da escola maternal (termina aos 6 anos na França)

Começar a produzir a escrita e descobrir como ela funciona

É o professor que julga quando as crianças estão prontas para encarregar-se elas mesmas de uma parte das atividades que os adultos fazem por meio da escrita. E como não há pré-leitura no jardim de infância, esse encarregar-se parcial se dá por meio da ajuda de um adulto na sua produção. Toda a produção de escrita necessita de diferentes etapas que a antecedem: a fase de elaboração oral prévia da mensagem é fundamental, especialmente porque permite que os alunos tomem consciência das transformações necessárias a partir de uma proposta oral em frases a serem escritas. A técnica de ditado por um adulto faz parte dessas etapas que é a redação propriamente dita. Essas experiências precoces de produção levam a uma tomada de consciência do poder que dá [à criança] a  proficiência na escrita.

De onde vieram esses itens currículares?? Do além?? Não. Da pesquisa acadêmica educacional séria. Bem diferente do que a maioria do que se faz aqui no Brasil, que começa por ignorar a produção internacional, cujos exemplos trago a seguir

Estudos:

https://eric.ed.gov/?id=ED415492 (1997)

30 Years of Research: What We Now Know about How Children Learn To Read.

This paper considers reading research carried out by the National Institute of Child Health and Human Development (NICHD). The paper presents a synthesis of this research on reading. It begins with a note about the NICHD research program and a discussion of how the program is different from other studies of reading. It then discusses a new understanding of reading based on identifying the nature of reading difficulties and their causes. The next section discusses research on treatment for reading difficulties, arguing for early identification and treatment; explicit, systematic instruction in sound-spelling correspondences; and that prediction from context is not a useful strategy for word recognition. The next section presents seven key research-based principles of effective reading instruction: (1) begin teaching phonemic awareness directly at an early age; (2) teach each sound-spelling correspondence explicitly; (3) teach frequent, highly regular sound-spelling relationships systematically; (4) show children exactly how to sound out words; (5) use connected, decodable text for children to practice the sound-spelling relationships they learn; (6) use interesting stories to develop language comprehension; and (7) balance use of interesting stories with decoding instruction, but do not mix comprehension instruction and decoding instruction. The paper concludes with a brief description of other important research questions and findings, as well as future directions of NICHD research.

Tradução:

Este artigo analisa a pesquisa em leitura realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD). O artigo apresenta uma síntese dessa pesquisa sobre leitura. Começa com uma nota sobre o programa de pesquisa do NICHD e uma discussão de como o programa é diferente de outros estudos sobre leitura. Em seguida, discute uma nova abordagem da leitura com base na identificação da natureza das dificuldades de leitura e suas causas. A sessão seguinte discute a pesquisa sobre o tratamento para as dificuldades de leitura, argumentando pela identificação e tratamento precoces; pela instrução explícita e sistemática das correspondências de grafema-fonema [som-ortografia]; e que a predição do contexto não é uma estratégia útil para o reconhecimento de palavras. E a próxima apresenta sete princípios chave resultantes de pesquisas sobre ensino eficaz de leitura: (1) começar a ensinar a consciência fonêmica [correspondência som-ortografia] diretamente em uma idade precoce; (2) ensinar explicitamente cada correspondência grafema-fonema; (3) ensinar sistematicamente, as relações regulares grafema-fonema de alta frequência [as que mais aparecem no contexto das crianças]; (4) mostrar às crianças exatamente como articular verbalmente as palavras; (5) usar textos conexos [com palavras facilmente] decodificáveis para que as crianças possam praticar as relações de som-ortografia que aprendem; (6) usar histórias interessantes para desenvolver a compreensão da linguagem; E (7) equilibrar o uso de histórias interessantes com instrução de decodificação, sem misturar o ensino da compreensão com o ensino da decodificação. O artigo conclui com uma breve descrição de outras questões e descobertas importantes da pesquisa, bem como as orientações futuras da pesquisa do NICHD.

Systematic Phonics Instruction Helps Students Learn to Read: Evidence from the National Reading Panel’s Meta-Analysis

 http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.3102/00346543071003393 (2001)

A quantitative meta-analysis evaluating the effects of systematic phonics instruction compared to unsystematic or no-phonics instruction on learning to read was conducted using 66 treatment-control comparisons derived from 38 experiments. The overall effect of phonics instruction on reading was moderate, d = 0.41. Effects persisted after instruction ended. Effects were larger when phonics instruction began early (d = 0.55) than after first grade (d = 0.27). Phonics benefited decoding, word reading, text comprehension, and spelling in many readers. Phonics helped low and middle SES readers, younger students at risk for reading disability (RD), and older students with RD, but it did not help low achieving readers that included students with cognitive limitations. Synthetic phonics and larger-unit systematic phonics programs produced a similar advantage in reading. Delivering instruction to small groups and classes was not less effective than tutoring. Systematic phonics instruction helped children learn to read better than all forms of control group instruction, including whole language. In sum, systematic phonics instruction proved effective and should be implemented as part of literacy programs to teach beginning reading as well as to prevent and remediate reading difficulties.

Tradução:

Foi realizada uma metanálise quantitativa avaliando os efeitos do ensinoda  fonética sistemática comparada ao ensino não-sistemático ou não fonético na aprendizagem de leitura usando 66 comparações de tratamento-controle derivadas de 38 experimentos. O efeito geral do ensino da fonética para a leitura foi moderado, d = 0,41. Os efeitos persistiram após o término do ensino. Os efeitos foram maiores quando o ensino da fonética começou antes (d = 0,55) do que [quando começou] após a primeira série (d = 0,27). A fonética beneficiou a decodificação, a leitura de palavras, a compreensão de texto e a ortografia em muitos leitores. A fonética ajudou os leitores de NSE baixa e média, estudantes mais jovens em risco de deficiência de leitura (DL) e alunos mais velhos com DL, mas não ajudou os leitores de com desempenho baixo com limitações cognitivas. A fonética sintética e os programas de fonética sistemática de com unidades [fonéticas] maiores produziram uma vantagem semelhante na leitura. O ensino a grupos e classes pequenos não foi menos eficaz do que tutoria. O ensino da fonética sistemática ajudou as crianças a aprenderem a ler melhor do que todas as formas de instrução dos grupos de controle, incluindo [o método] global. Em suma, o ensino da fonética sistemática mostrou-se eficaz e deve ser implementado como parte de programas de alfabetização para o ensino inicial da leitura, bem como para prevenir e corrigir dificuldades de leitura.

Phonemic Awareness Instruction Helps Children Learn to Read: Evidence From the National Reading Panel’s Meta-Analysis

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1598/RRQ.36.3.2/abstract (2001)

A quantitative meta-analysis evaluating the effects of phonemic awareness (PA) instruction on learning to read and spell was conducted by the National Reading Panel. There were 52 studies published in peer-reviewed journals, and these contributed 96 cases comparing the outcomes of treatment and control groups. Analysis of effect sizes revealed that the impact of PA instruction on helping children acquire PA was large and statistically significant (d = 0.86). PA instruction exerted a moderate, statistically significant impact on reading (d = 0.53) and spelling (d = 0.59). Not only word reading but also reading comprehension benefited. PA instruction impacted reading under all the conditions examined although effect sizes were larger under some conditions. PA instruction helped various types of children: normally developing readers as well as at-risk and disabled readers; preschoolers, kindergartners, and first graders; low socioeconomic status children as well as mid-high SES. PA instruction improved reading, but it did not improve spelling in disabled readers. PA instruction was more effective when it was taught with letters than without letters, when one or two PA skills were taught than multiple PA skills, when children were taught in small groups than individually or in classrooms, and when instruction lasted between 5 and 18 hours rather than longer. Classroom teachers were effective in teaching PA to their students. Effect sizes were larger for studies using more rigorous experimental designs, with rigor assessments drawn from Troia (1999). In sum, PA instruction was found to make a statistically significant contribution to reading acquisition.

Tradução:

O Painel Nacional de Leitura conduziu uma metanálise quantitativa avaliando os efeitos do ensino da consciência fonêmica (CF) sobre o aprendizado da leitura e do soletrar. Eram 52 estudos publicados em periódicos de revisão por pares que contribuíram com 96 casos que compararam resultados de grupos de tratamento e controle. A análise da magnitude dos efeitos revelou que o impacto do ensino da CF para ajudar as crianças a adquirir CF foi grande e estatisticamente significativo (d = 0,86). O ensino da CF resultou em um impacto moderado, estatisticamente significativo, na leitura (d = 0,53) e na ortografia (d = 0,59). Não apenas beneficiou a leitura de palavras, mas também sua compreensão. A CF teve influência na leitura em todas as condições examinadas embora a magnitude do efeito fosse maior sob algumas condições. O ensino da CF auxiliou vários tipos de crianças: leitores com desenvolvimento normal, leitores vulneráveis e com deficiência; Os pré-escolares, os de jardim de infância e os da primeira série; As crianças de baixo nível socioeconômico, bom como as de médio e alto. A CF melhorou a leitura, mas não melhorou a ortografia em leitores com deficiência. O ensino da CF mostrou-se mais eficaz quando foi ensinada com as letras do que sem, quando uma ou duas habilidades de CF foram ensinadas ao invés de múltiplas, quando as crianças eram ensinadas em grupos pequenos ao invés de individualmente ou na sala de aula e quando a instrução durou entre 5 e 18 horas em comparação com um número mais alto de horas. Professores de sala de aula foram eficazes no ensino CF para seus alunos. A magnitude de efeito foi maior para estudos com desenhos experimentais mais rigorosos, com avaliações de rigor [metodológico] tiradas de Troia (1999). Em suma, descobriu-se que o ensino da CF contribui para a aquisição de leitura de maneira estatisticamente significativa.

Lápis e caneta ou teclado? Depende do uso que se quer dar ao cérebro!

Hoje em dia, com tantos equipamentos eletrônicos à disposição de crianças e adultos e tanta pressão para aumentar a percepção a respeito de sua utilidade, algumas escolas e famílias começam a achar que é uma boa ideia substituir o aprendizado da escrita à mão pelo teclado ou tela do computador. As pesquisas vêm mostrando que não é bem assim, que o cérebro aprende melhor se usarmos a velha e boa caneta não só na hora de aprender a ler e a escrever, mas também quando se toma notas, ao se assistir a uma aula, palestra ou ao ler um livro.

Eis alguns estudos.

“Escrita ou datilografia? A influência do treinamento da escrita com caneta ou com teclado  no desempenho de leitura e escrita em crianças pre-escolares.”

 

Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4710970/

Adv Cogn Psychol. 2015; 11(4): 136–146. Published online 2015 Dec 31.

Dispositivos de escrita digital associados ao uso de computadores, tablet, PCs ou telefones celulares estão cada vez mais substituindo a escrita manual. No entanto, existe uma discussão controversa sobre como os modos de escrita influenciam o desempenho da leitura e escrita em crianças no início da alfabetização. Por um lado, a facilidade de digitação em dispositivos digitais pode acelerar a leitura e a escrita em crianças pequenas, que têm habilidades motoras sensoriais menos desenvolvidas. Por outro lado, a ligação significativa entre ação e percepção durante a escrita manual, que estabelece traços de memória senso-motora, poderia facilitar a aquisição da linguagem escrita. Para decidir entre essas alternativas teóricas, no presente estudo, desenvolvemos um intenso programa de treinamento para pré-escolares que frequentam o jardins de infância na Alemanha com 16 sessões de treinamento. Usando jogos de aprendizagem de letra estreitamente combinados, oito letras do alfabeto alemão foram treinadas por meio da escrita com uma caneta em uma folha de papel ou digitando em um teclado de computador. Foram avaliados o reconhecimento de letras, nomeação e escrita, assim como o desempenho de leitura e escrita de palavras. Os resultados não indicaram uma superioridade do treinamento de digitação sobre o treinamento de escrita manual em nenhuma dessas tarefas. Em contraste, o treinamento de escrita era superior ao treinamento de digitação na escrita de palavras e, como tendência, na leitura de palavras. Os resultados de nosso estudo, portanto, suportam teorias da ligação ação-percepção assumindo uma influência facilitadora de representações senso-motoras estabelecidas durante a escrita manual na leitura e na escrita.

“A influência da prática de escrita no reconhecimento de crianças pre-escolares: uma comparação entre escrita à mão e digitação.”

 

Disponível em: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0001691804001167

Acta Psicologia Volume 119, Issue 1, May 2005, Pages 67–79

Um grande número de dados apóia a visão de que o movimento desempenha um papel crucial na representação de letras e sugere que a escrita manual contribui para o reconhecimento visual das letras. Se assim for, alterar as condições motoras enquanto as crianças estão aprendendo a escrever usando um método baseado na digitação ao invés manuscrito deve afetar seu desempenho subsequente no reconhecimento de letras. Para testar essa hipótese, treinamos dois grupos de 38 crianças (3-5 anos) para copiar as letras do alfabeto, escrevendo-as à mão ou digitando-as. Após três semanas de aprendizagem, realizamos dois testes de reconhecimento, com diferença de uma semana entre eles, para comparar os desempenhos de reconhecimento de letras dos dois grupos. Os resultados mostraram que nas crianças mais velhas, o treinamento de escrita manual deu origem a um melhor reconhecimento de letras do que o treinamento por digitação.

“Comparando a memória na escrita manuscrita e na digitação.” (2009)

Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/154193120905302218

Trata-se de uma investigação sobre as possíveis ligações entre a ação psicomotora em atividades de escrita manual e memória. Uma comparação de recuperação e reconhecimento de palavras comuns demonstra que a memória funciona melhor para palavras quando foram escritas à mão comparadas quando foram digitadas. Isso fornece suporte adicional para a hipótese de que o contexto adicional proporcionado pela complexa tarefa de escrever resulta em melhor memória. Com a recente tendência para se fazer anotações em formato eletrônicas, as implicações educacionais e práticas desses achados sugerem que o desempenho pode ser melhorado usando notas tradicionais de papel e caneta.

“Aprendizagem por meio de escrita à mão ou digitalização influencia o reconhcecimento visual de novas formas gráficas: evidências de imagens comportamentais e funcionais”

Disponível em: http://www.mitpressjournals.org/doi/abs/10.1162/jocn.2008.20504#.WOJX-IgrJPY

Journal of Cognitive Neuroscience, May 2008, Vol. 20, No. 5 , Pages: 802-815

O reconhecimento visual rápido e preciso de caracteres únicos é crucial para a leitura eficiente. Exploramos a possível contribuição memória da escrita nos processos de reconhecimento de caracteres. Avaliamos a habilidade dos adultos de diferenciar novos caracteres das suas imagens espelhadas, depois de terem aprendido como produzi-los, por escrita tradicional em caneta em papel, ou por teclado de computador. Após o treinamento, encontramos uma facilitação mais forte e duradoura (várias semanas) em reconhecer a orientação dos caracteres que haviam sido escritos à mão em comparação com aqueles datilografados. As gravações de imagem de ressonância magnética funcional indicaram que o modo de resposta durante o aprendizado está associado com vias distintas durante o reconhecimento de formas gráficas. Observou-se maior atividade relacionada ao aprendizado de escrita manual e identificação de letras normais em diversas regiões cerebrais conhecidas por estarem envolvidas na execução, formação de imagens e observação de ações, em particular, a área de Broca esquerda e lóbulos parietais inferiores bilaterais. Em conjunto, esses resultados fornecem fortes argumentos a favor da visão de que os movimentos específicos memorizados ao aprender a escrever participam do reconhecimento visual de formas e letras gráficas.