BNCC versão 3: avanço na alfabetização, finalmente na hora certa

Dia 6 de abril de 2017, quinta da semana passada, finalmente tivemos o lançamento da terceira (e aparentemente, a última) versão da BNCC. Tecnicamente ainda há uns pontos que podem ser melhorados, mas politicamente foi um gol de placa. O Ministério da Educação brasileiro resolveu aproximar de vez os alunos brasileiros de seus pares em países desenvolvidos, um acerto histórico na definição do que se pode esperar da instituição escola em nosso País.

Nos próximos dias e semanas vou fazer uma série de comentários aqui no blog sobre o que foi proposto nesta nova versão da BNCC, principalmente em relação ao que se refere à disciplina de Língua Portuguesa, pois foi o assunto que mais estudei nos últimos anos, principalmente para poder fazer parte do projeto de elaboração dos novos currículos de LP e Matemática do Município de Sobral, no Ceará.

Recomendo a todos os leitores deste blog que leiam e estudem o documento com muita atenção, para poderem compreendê-lo e usá-lo. Para quem trabalha em escolas e secretarias de educação, desde já. Não é preciso esperar sua aprovação, pois já traz mecanismos muito interessantes para o planejamento pedagógico.

Hoje me concentro na alfabetização – finalmente teremos os alunos começando a aprender na idade certa, entre os 5 aos 7 anos, sendo que aos 7 o aluno já deve ler e escrever textos com desenvoltura.

Para dar uma ideia de o quanto a BNCC andou, trago o exemplo do currículo de dois países que, segundo o MEC, foram usados como referência para o nosso novo currículo nacional, Inglaterra e França.

The national curriculum in England – Framework document – July 2014

Aos 5 anos (Key stage 1- Year 1) os alunos do Reino Unido devem aprender o seguinte:

Caligrafia

Os alunos devem aprender a:

– sentar-se corretamente em uma mesa, segurando um lápis confortável e corretamente

– começar a formar letras minúsculas na direção correta, começando e terminando no lugar certo

– formar letras maiúsculas

– formar dígitos 0-9

– compreender quais letras pertencem a quais “famílias” de letra manuscrita (isto é, letras formadas de maneira similar) e praticá-las.

Escrita – produção de textos

– dizer em voz alta sobre o que eles vão escrever

– compor uma oração oralmente antes de escrevê-la

Sequenciar frases para formar narrativas curtas:

– relendo o que escreveram para verificar se faz sentido

– discutindo o que escreveram com o professor ou outros alunos

– lendo em voz alta sua escrita com clareza suficiente para ser ouvida pelos seus pares e pelo professor.

Programme d’enseignement de l’école maternelle

NOR : MENE1504759A arrêté du 18-2-2015 – J.O. du 12-3-2015 MENESR – DGESCO MAF 1

Objetivos da escola maternal (termina aos 6 anos na França)

Começar a produzir a escrita e descobrir como ela funciona

É o professor que julga quando as crianças estão prontas para encarregar-se elas mesmas de uma parte das atividades que os adultos fazem por meio da escrita. E como não há pré-leitura no jardim de infância, esse encarregar-se parcial se dá por meio da ajuda de um adulto na sua produção. Toda a produção de escrita necessita de diferentes etapas que a antecedem: a fase de elaboração oral prévia da mensagem é fundamental, especialmente porque permite que os alunos tomem consciência das transformações necessárias a partir de uma proposta oral em frases a serem escritas. A técnica de ditado por um adulto faz parte dessas etapas que é a redação propriamente dita. Essas experiências precoces de produção levam a uma tomada de consciência do poder que dá [à criança] a  proficiência na escrita.

De onde vieram esses itens currículares?? Do além?? Não. Da pesquisa acadêmica educacional séria. Bem diferente do que a maioria do que se faz aqui no Brasil, que começa por ignorar a produção internacional, cujos exemplos trago a seguir

Estudos:

https://eric.ed.gov/?id=ED415492 (1997)

30 Years of Research: What We Now Know about How Children Learn To Read.

This paper considers reading research carried out by the National Institute of Child Health and Human Development (NICHD). The paper presents a synthesis of this research on reading. It begins with a note about the NICHD research program and a discussion of how the program is different from other studies of reading. It then discusses a new understanding of reading based on identifying the nature of reading difficulties and their causes. The next section discusses research on treatment for reading difficulties, arguing for early identification and treatment; explicit, systematic instruction in sound-spelling correspondences; and that prediction from context is not a useful strategy for word recognition. The next section presents seven key research-based principles of effective reading instruction: (1) begin teaching phonemic awareness directly at an early age; (2) teach each sound-spelling correspondence explicitly; (3) teach frequent, highly regular sound-spelling relationships systematically; (4) show children exactly how to sound out words; (5) use connected, decodable text for children to practice the sound-spelling relationships they learn; (6) use interesting stories to develop language comprehension; and (7) balance use of interesting stories with decoding instruction, but do not mix comprehension instruction and decoding instruction. The paper concludes with a brief description of other important research questions and findings, as well as future directions of NICHD research.

Tradução:

Este artigo analisa a pesquisa em leitura realizada pelo Instituto Nacional de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano (NICHD). O artigo apresenta uma síntese dessa pesquisa sobre leitura. Começa com uma nota sobre o programa de pesquisa do NICHD e uma discussão de como o programa é diferente de outros estudos sobre leitura. Em seguida, discute uma nova abordagem da leitura com base na identificação da natureza das dificuldades de leitura e suas causas. A sessão seguinte discute a pesquisa sobre o tratamento para as dificuldades de leitura, argumentando pela identificação e tratamento precoces; pela instrução explícita e sistemática das correspondências de grafema-fonema [som-ortografia]; e que a predição do contexto não é uma estratégia útil para o reconhecimento de palavras. E a próxima apresenta sete princípios chave resultantes de pesquisas sobre ensino eficaz de leitura: (1) começar a ensinar a consciência fonêmica [correspondência som-ortografia] diretamente em uma idade precoce; (2) ensinar explicitamente cada correspondência grafema-fonema; (3) ensinar sistematicamente, as relações regulares grafema-fonema de alta frequência [as que mais aparecem no contexto das crianças]; (4) mostrar às crianças exatamente como articular verbalmente as palavras; (5) usar textos conexos [com palavras facilmente] decodificáveis para que as crianças possam praticar as relações de som-ortografia que aprendem; (6) usar histórias interessantes para desenvolver a compreensão da linguagem; E (7) equilibrar o uso de histórias interessantes com instrução de decodificação, sem misturar o ensino da compreensão com o ensino da decodificação. O artigo conclui com uma breve descrição de outras questões e descobertas importantes da pesquisa, bem como as orientações futuras da pesquisa do NICHD.

Systematic Phonics Instruction Helps Students Learn to Read: Evidence from the National Reading Panel’s Meta-Analysis

 http://journals.sagepub.com/doi/abs/10.3102/00346543071003393 (2001)

A quantitative meta-analysis evaluating the effects of systematic phonics instruction compared to unsystematic or no-phonics instruction on learning to read was conducted using 66 treatment-control comparisons derived from 38 experiments. The overall effect of phonics instruction on reading was moderate, d = 0.41. Effects persisted after instruction ended. Effects were larger when phonics instruction began early (d = 0.55) than after first grade (d = 0.27). Phonics benefited decoding, word reading, text comprehension, and spelling in many readers. Phonics helped low and middle SES readers, younger students at risk for reading disability (RD), and older students with RD, but it did not help low achieving readers that included students with cognitive limitations. Synthetic phonics and larger-unit systematic phonics programs produced a similar advantage in reading. Delivering instruction to small groups and classes was not less effective than tutoring. Systematic phonics instruction helped children learn to read better than all forms of control group instruction, including whole language. In sum, systematic phonics instruction proved effective and should be implemented as part of literacy programs to teach beginning reading as well as to prevent and remediate reading difficulties.

Tradução:

Foi realizada uma metanálise quantitativa avaliando os efeitos do ensinoda  fonética sistemática comparada ao ensino não-sistemático ou não fonético na aprendizagem de leitura usando 66 comparações de tratamento-controle derivadas de 38 experimentos. O efeito geral do ensino da fonética para a leitura foi moderado, d = 0,41. Os efeitos persistiram após o término do ensino. Os efeitos foram maiores quando o ensino da fonética começou antes (d = 0,55) do que [quando começou] após a primeira série (d = 0,27). A fonética beneficiou a decodificação, a leitura de palavras, a compreensão de texto e a ortografia em muitos leitores. A fonética ajudou os leitores de NSE baixa e média, estudantes mais jovens em risco de deficiência de leitura (DL) e alunos mais velhos com DL, mas não ajudou os leitores de com desempenho baixo com limitações cognitivas. A fonética sintética e os programas de fonética sistemática de com unidades [fonéticas] maiores produziram uma vantagem semelhante na leitura. O ensino a grupos e classes pequenos não foi menos eficaz do que tutoria. O ensino da fonética sistemática ajudou as crianças a aprenderem a ler melhor do que todas as formas de instrução dos grupos de controle, incluindo [o método] global. Em suma, o ensino da fonética sistemática mostrou-se eficaz e deve ser implementado como parte de programas de alfabetização para o ensino inicial da leitura, bem como para prevenir e corrigir dificuldades de leitura.

Phonemic Awareness Instruction Helps Children Learn to Read: Evidence From the National Reading Panel’s Meta-Analysis

http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1598/RRQ.36.3.2/abstract (2001)

A quantitative meta-analysis evaluating the effects of phonemic awareness (PA) instruction on learning to read and spell was conducted by the National Reading Panel. There were 52 studies published in peer-reviewed journals, and these contributed 96 cases comparing the outcomes of treatment and control groups. Analysis of effect sizes revealed that the impact of PA instruction on helping children acquire PA was large and statistically significant (d = 0.86). PA instruction exerted a moderate, statistically significant impact on reading (d = 0.53) and spelling (d = 0.59). Not only word reading but also reading comprehension benefited. PA instruction impacted reading under all the conditions examined although effect sizes were larger under some conditions. PA instruction helped various types of children: normally developing readers as well as at-risk and disabled readers; preschoolers, kindergartners, and first graders; low socioeconomic status children as well as mid-high SES. PA instruction improved reading, but it did not improve spelling in disabled readers. PA instruction was more effective when it was taught with letters than without letters, when one or two PA skills were taught than multiple PA skills, when children were taught in small groups than individually or in classrooms, and when instruction lasted between 5 and 18 hours rather than longer. Classroom teachers were effective in teaching PA to their students. Effect sizes were larger for studies using more rigorous experimental designs, with rigor assessments drawn from Troia (1999). In sum, PA instruction was found to make a statistically significant contribution to reading acquisition.

Tradução:

O Painel Nacional de Leitura conduziu uma metanálise quantitativa avaliando os efeitos do ensino da consciência fonêmica (CF) sobre o aprendizado da leitura e do soletrar. Eram 52 estudos publicados em periódicos de revisão por pares que contribuíram com 96 casos que compararam resultados de grupos de tratamento e controle. A análise da magnitude dos efeitos revelou que o impacto do ensino da CF para ajudar as crianças a adquirir CF foi grande e estatisticamente significativo (d = 0,86). O ensino da CF resultou em um impacto moderado, estatisticamente significativo, na leitura (d = 0,53) e na ortografia (d = 0,59). Não apenas beneficiou a leitura de palavras, mas também sua compreensão. A CF teve influência na leitura em todas as condições examinadas embora a magnitude do efeito fosse maior sob algumas condições. O ensino da CF auxiliou vários tipos de crianças: leitores com desenvolvimento normal, leitores vulneráveis e com deficiência; Os pré-escolares, os de jardim de infância e os da primeira série; As crianças de baixo nível socioeconômico, bom como as de médio e alto. A CF melhorou a leitura, mas não melhorou a ortografia em leitores com deficiência. O ensino da CF mostrou-se mais eficaz quando foi ensinada com as letras do que sem, quando uma ou duas habilidades de CF foram ensinadas ao invés de múltiplas, quando as crianças eram ensinadas em grupos pequenos ao invés de individualmente ou na sala de aula e quando a instrução durou entre 5 e 18 horas em comparação com um número mais alto de horas. Professores de sala de aula foram eficazes no ensino CF para seus alunos. A magnitude de efeito foi maior para estudos com desenhos experimentais mais rigorosos, com avaliações de rigor [metodológico] tiradas de Troia (1999). Em suma, descobriu-se que o ensino da CF contribui para a aquisição de leitura de maneira estatisticamente significativa.

2 Respostas

  1. Ana Cristina de Aguiar | Responder

    Cara Ilona,
    obrigada por nos oferecer tantas possibilidades de estudo e informação acerca dos primeiros anos de formação da criança na escola. Sou fã do Missão Aluno e das questões que vocês expõem com tanta clareza e “pragmatismo”, porém um bom pragmatismo, aquele que leva à ação sensata e razoável neste que se transformou um feudo engessado e corporativista que é a Educação no Brasil.
    Estou estudando a BNCC e seus textos me ajudam muito a ampliar a visão do documento.
    Gratíssima, um abraço,
    Prof. Dra. Ana Cristina de Aguiar Bernardes
    (Curitiba)

    1. Profa. Ana Cristina,

      Muito obrigada por seu comentário generoso! É por causa de profissionais como a senhora que fazemos nosso trabalho. Depois conte como foi a implementação. Boa sorte!

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