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Edição de janeiro de 2013 – O que se quer da escola

Quando decidimos colocar nossos filhos na escola, o fazemos por muitas razões diferentes. Há a lei que nos obriga. Há o desejo de que os filhos cresçam felizes e socializados. Há o desejo da convivência com pessoas parecidas. Há a expectativa do sucesso profissional no fim da linha. Há o sonho de sermos reconhecidos como bons pais. Essas expectativas são muitas vezes carregadas de emoções e irracionalidades, que deveriam estar melhor identificadas, tanto pelas famílias quanto pelas escolas, de forma a permitir que o processo educativo e de socialização escolar ocorresse com o mínimo possível de sobressaltos.

É possível que algumas escolas, que contam com equipes preparadas e experientes, já tenham definidos seus valores e sua cultura organizacional de maneira clara e objetiva. E que, além de definir, tenham sucesso em comunicar (interna e externamente) o que fundamenta sua prática educacional, até para permitir às famílias escolherem as escolas mais alinhadas com seus próprios valores. Mas isso é raro de encontrar. Então, se para os profissionais de educação, que recebem (ou que deveriam receber) preparo conceitual, teórico e prático para lidar com as interações sociológicas próprias do ambiente escolar, já não é trivial definir o que é mais importante nos processos educativos e socializantes da escola e com que princípios eles se dão, para os pais, que não têm esse conhecimento, é bem mais difícil saber exatamente o que querem da escola.

Cada família – e cada pessoa dentro de uma família – conta com conjuntos de valores, exemplos de vida e de sentimentos que regulam seu comportamento. Mas normalmente essas formas de pensar e de agir não são conscientes, principalmente para quem, como os alunos, ainda não chegou à vida adulta. Mesmo assim, as pessoas continuam tendo que agir em seu cotidiano de acordo com esses conjuntos e de forma bem diferente em cada contexto em que circula, como nas atividades escolares e as férias na casa da avó.

O problema é que nos diferentes contextos, por sua vez, circulam outras pessoas que agem com outros conjuntos de valores, exemplos e sentimentos. Como vivemos em cidades grandes e em um País pós-moderno, as classes sociais e seus subgrupos estão cada vez mais misturados na escola, na fila do cinema, na Disney e nos restaurantes. Aí os valores que regulam os comportamentos começam a entrar em contraste. E quando pessoas de comportamentos diferentes são obrigadas a conviver de forma intensa, como no dia a dia de um ambiente escolar, esses contrastes podem ganhar contornos assustadores.

A escolha da escola pelos pais pode estar carregada de expectativas de cerceamento das diferenças de comportamento entre os diferentes grupos que a compõem, mas não é razoável se supor que as diferenças serão totalmente neutralizadas. Então, o que fazer?

Em primeiro lugar, escola e família devem ter claramente definidos os seus papéis e limites. Bater no irmão pode ser aceito em casa, mas a agressão física não é aceita na escola. Resolver conflitos com as mãos ou com o diálogo é uma forma de comportamento que envolve valores e regras. A escola deve manter seus valores e sua cultura organizacional refletidos em regras por escrito que valem igualmente para todos.

O processo de comunicação, por sua vez, não é óbvio e nem simples. Escrever e divulgar um regimento bem-feito é só o começo. Tratar pessoas de classes sociais diferentes com o mesmo nível de cordialidade, por exemplo, é outro tipo de comportamento que envolve valores, mas a sua materialização no cotidiano envolve mais o comportamento exemplar dos adultos que a comunicação formal.

Além da comunicação e do exemplo pessoal dos adultos, temos que encarar as sanções quando emergem situações fora do combinado. Desvios graves de comportamento como furtos, assédios, cola nas avaliações e plágio acadêmico também envolvem valores de quem as pratica e se configuram grandes oportunidades – tanto de construção da cultura organizacional como de aprendizagem para os alunos e suas famílias. É justamente na firmeza e no nível das sanções que famílias e escolas costumam se desentender – e é aí onde a experiência da equipe escolar se faz mais presente. Mesmo que algumas dessas situações sejam previsíveis e possam estar identificadas e comunicadas em um bom regimento, juntamente com as penalidades atribuídas a cada uma delas, a reação de cada aluno e família não está. O trato pessoal, a transparência, a discrição e o senso de justiça são valores individuais que devem ser fomentados na equipe escolar a partir da direção, e dependem dela para serem permanentemente ajustados.

Finalmente, seria muito desejável que os valores que hoje relacionamos ao ambiente escolar, como o respeito ao próximo, a cordialidade incondicional, o respeito a regras de um grupo, a capacidade de resolver conflitos com o diálogo, o senso de justiça, o respeito às individualidades e às diferenças, a busca pela excelência acadêmica e o empenho no cumprimento dos deveres, para citar apenas alguns, fossem valores de nossa própria sociedade – e que os comportamentos decorrentes deles fossem vividos tanto dentro quanto fora das escolas.

Não é razoável supor que a escola seja muito diferente que a sociedade onde está inserida. A capacidade de uma comunidade escolar educar alunos sem um alinhamento com as famílias dos alunos é muito limitada. O que as escolas podem fazer é selecionar as famílias com valores mais próximos de sua cultura organizacional e vice-versa. Mas o poder público e as autoridades educacionais poderiam fazer muito mais para ajudar a sociedade a desenvolver esses valores a partir da escola.

Vivemos um momento do politicamente correto que, muitas vezes, é mal interpretado e transmite a impressão de que regras, sanções, direitos e deveres estão em desequilíbrio, com uma tendência grande à condescendência e à impunidade. Assim, se queremos uma sociedade melhor, famílias e escolas devem estar mais unidas em torno de um conjunto mais amplo de aspirações para o seu futuro.

 

Artigo publicado na edição de janeiro de 2013 da revista Gestão Educacional.