3º post da série sobre uma Política Nacional de Qualidade Docente

A nossa proposta de uma abrangente Política Nacional de Qualidade Docente obviamente é bem mais complexa do que se pode inicialmente imaginar. Lembremos que no Brasil temos três níveis de poder executivo: o Governo Federal, os governos estaduais e os municipais, cuja divisão de responsabilidades para o atendimento às necessidades educacionais da Nação são brevemente descritas no Art. 211 da CF.

Assim, QUALQUER política ou programa para a educação a partir do Governo Federal já começa com um incrível nível de complexidade, como se já não bastassem os desafios inerentes às atividades pedagógicas dentro de escolas. Lembrando que, além dos três níveis em cada recorte territorial, nosso País é imenso e populoso, com a imensa maioria da população vivendo na pobreza, quando não na mais absoluta miséria, apesar de termos verdadeiras cortes reais encasteladas em vários níveis de governo.

O estado que até agora melhor conseguiu arrumar os níveis de responsabilidade, alinhando interesses e prática foi o Ceará, com os resultados que todos já conhecem. É exatamente essa arrumação de responsabilidades que precisam 1) ser claramente definidas – muito mais do que aponta o Art. 211 da CF -, 2) listadas em sua integralidade, de maneira a formar uma política coerente e inteligente 3) atribuídas a cada ente federado e a cada instituição ou tipo de instituição, para que cada uma assuma seus deveres no sentido de garantir a cada aluno o seu direito à educação.

Assim, eu e a Márcia Sebastiani montamos dois quadros resumo sobre a identificação dos atores e as repartições de responsabilidades educacionais nos três níveis de governo. O primeiro já foi apresentado no post anterior, mas vai ser reapresentado aqui para manter a coerência do post.

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Fonte: Conabe

Como se pode ver, embora haja três níveis de governo envolvidos com a formação e com as carreiras docentes, o que forma um desafio maior de QUALIDADE docente que é o que a nossa sugestão de política pública está sugerindo, há uma quantidade muito maior de instituições (Capes, MEC, INEP, et. c) e tipos de instituição (de ensino superior, de ensino básico, prefeituras e governos de estado, além das inúmeras instituições independentes de ensino básico privadas). É preciso harmonizar todas elas para que a qualidade docente passe a acontecer em todas as escolas do Brasil!

Uma vez identificadas as instituições, temos que identificar O QUÊ elas precisam fazer, para depois estipularmos O COMO em normativas muito claras, passíveis de execução e monitoramento objetivo, para haver a garantia de cumprimento (enforcement). É essa primeira parte que o quadro a seguir tem a pretensão de atender: o quê cada nível de responsabilidade tem que fazer para contribuir para uma Política Nacional de Qualidade Docente.

Fonte: Conabe

Para entender como esses três eixos funcionam em conjunto, é preciso perceber (pusemos as cores e as caixinhas alinhadas para facilitar) que cada ponto que identificamos como base conceitual a ser dominada pelos docentes precisa ser acompanhado de uma vivência prática SUPERVISIONADA e por providências e resoluções ao nível dos governos locais e até das escolas. Vamos aos exemplos, porque aí (esperamos) fica ainda mais fácil de entender o que achamos que deva ser feito, embora, para sermos honestas, estamos achando difícil…

1) Conhecimento sobre a lógica curricular de cada disciplina + Estudo e desenvolvimento de currículos, sequencias didáticas e recursos pedagógicos:  principal categoria, corresponde pela compreensão da lógica das principais disciplinas do currículo de educação infantil e ensino fundamental I que são: Língua Portuguesa, Matemática, História e Geografia, Ciências e Língua Inglesa. Trata-se da intersecção entre conteúdo e pedagogia, que para o reconhecido educador norte-americano Lee Shulman é a “capacidade de um professor para transformar o conhecimento do conteúdo que ele possui em formas pedagogicamente poderosas e adaptadas às variações dos estudantes levando em consideração as experiências e bagagens dos mesmos”.

Para que o docente possa dominar esse bloco de conhecimentos, no nível federal ele precisa fazer parte de um currículo nacional de formação docente, no nível estadual e municipal seu estágio em escolas e redes de ensino precisa prever que ele vá estudar tanto documentos curriculares vários, quantos materiais de aula, planos de ensino e ter a oportunidade de observar aulas onde os conteúdos de cada disciplina estejam sendo ministrados. Isso depende de o docente em formação ser inserido em uma rede de escolas com um mínimo de alocação lógica de material didático e trabalho pedagógico conjunto a partir de um currículo.

2) Conhecimento didático-pedagógico + Observação ativa e passiva da sala de aula e monitoramento da aprendizagem: refere-se ao domínio dos processos de instrução e do manejo dos ambientes de aprendizagem, com vistas a garantir o ensino de cada uma das disciplinas e áreas de conhecimento, a partir do currículo, mas já em uma lógica interdisciplinar de planejamento e execução das atividades didático-pedagógicas. Aborda os trabalhos de mentoria entre professor/aluno e entre pares, trabalhando em comunidades de aprendizagem.

Da mesma forma, para aprender como dar aulas o que fazer e o que não fazer, por exemplo, além de ter suas próprias tentativas iniciais de dar aulas responsavelmente monitoradas, comentadas e aprimoradas por profissionais experientes, o docente em formação precisa ter acesso na sua vivência prática a salas de aula reais com alocação de profissionais que possam lhe auxiliar nessa etapa.

3) Conhecimento sobre os alunos e suas características + Interação com alunos e suas famílias: explicita a inter-relação entre as diferentes opções didáticas e as condições individuais, socioculturais e contextuais dos alunos.  Torna o professor capaz de identificar, estudar e explorar as possibilidades didáticas em relação às diferentes características de cada aluno na hora de aprender cada item do currículo. Comunica-se, interage e colabora com as famílias sempre em busca da garantia de aprendizagem dos alunos.

Para que os docentes em formação aprendam a diferença que faz no seu trabalho conhecer para poder interagir com alunos, suas famílias e comunidades de origem em prol do sucesso escolar deles, é preciso que possam estudar seus perfis, aprendem a levantar informações no campo de estudo e a organizá-las para facilitar seu trabalho. Isso depende de fazer estágio em uma rede minimamente organizada para permitir essas experiências didáticas e de pesquisa exploratória (exemplo de atividade prática) antes de enfrentar o desafio real da regência de classe.

4) Conhecimento institucional + Observação das normas vigentes:  refere-se ao funcionamento da escola, da rede e do arcabouço institucional e legal da educação no Brasil, na Unidade da Federação, no município e na rede onde a IES está inserida. É o pano de fundo das ações pedagógicas que ocorrem nas escolas.

Embora essa seja uma área onde a experiência prática é menos importante, o professor em formação precisa conhecer normas e práticas de redes onde vai trabalhar e isso depende da organização local de cada rede, a estrutura de carreira local et c.

5) Conhecimento e estruturação pessoal e profissional + Comportamento institucional, cultura geral e saúde mental: trata-se da aquisição de uma sólida base teórica e cultural, indispensável para o exercício da profissão docente, que engloba referências bibliográficas sobre filosofia, sociologia, história da educação, literatura, música, cinema, artes plásticas etc. por meio de obras clássicas e contemporâneas, influentes no contexto brasileiro, latino americano e ocidental.  Envolve também relacionamento entre pares, superiores e subordinados, além da aprendizagem de como cuidar de sua saúde física e emocional.

Esse último bloco tanto diz respeito à formação continuada (essa sim a mais dependente das instituições locais e das redes de escolas – que são locais mas devem manter um alinhamento lógico, de conteúdo e de concepções técnicas alinhado a uma Política Nacional de Qualidade Docente), quanto ao próprio desenvolvimento pessoal, profissional e emocional de cada docente. No nível das redes municipais e estaduais de ensino devem tanto ser previstas ações culturais que envolvam docentes em formação permanente, quanto sistemas de apoio à sua saúde física e mental, uma vez que é uma profissão que exige muito de ambas.

Alguma sugestão?

2 Respostas

  1. Olá Prof.Ilona,
    Em SP a progressão continuada “informa” aos alunos que se eles não estudarem nem fizerem nenhuma tarefa, vão passar. Eu dou aulas de ciências, para fundamental II, em uma escola estadual na periferia de SP.
    Apesar de ser uma matéria incrivel com história, arte, matemática, curiosidades sobre a vida, sexo, natureza enfim tudo junto.
    Eu uso computadores, videos, filmes, apostilas, livros, giz e lousa mas 90% dos alunos preferem faltar, conversar sobre funk e futebol e jogar no celular ao invés de assistir, ou participar, de qualquer uma dessas atuvidades.
    Nem os pais estão ligando muito pelas notas dos filhos, apenas 1 em cada 4 aparecem nas reuniões de fim de bimestre.
    Sou professor de Física desde 2018, incentivado pelas suas ideias, e tenho assistido a cursos sobre “metodologias ativas de ensino” e aplicado em aulas mas não vejo nenhum alento nas atitudes dos alunos. Não são nas minhas aulas mas nas de professores com 20 anos de experiência e que também ministram aulas em escolas particulares.

    1. Tenho vontade se chorar com esses relatos. Mas preciso te dizer uma coisa: uma escola é uma instituição. Isso é bem diferente de ser um indivíduo. Instituições só funcionam quando todos, ou a maioria relevante trabalham em colaboração e na mesma direção. Você, sozinho, não vai mudar a sua escola. Mas seu exemplo de compromisso com o aprendizado dos alunos, talvez seja bom para alguns deles! Outros podem apenas dar-se conta dele quando estiverem mais velhos e mais maduros!

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