Em um tempo longínquo, existiam dois reinos separados por muitas e muitas léguas um do outro. Um era verdejante, pequenino e próspero, cercado por outros reinos cheios de riquezas minerais, onde seus felizes súditos podiam trabalhar e até estudar. Seus habitantes tinham tanta sorte, que contavam até com uma grande lagoa mágica, da qual emanava vida e sabedoria.
O outro era árido, grande e pobre, além de isolado e bem no meio de um deserto. Água, ali, só com muita reza ou mágica. Até o rio que passava pelo reino era danado: praticamente secava no verão e inundava as ruas no inverno. Os reinos vizinhos eram igualmente pobres e desolados.
No reino pequeno, arborizado e abençoado, morava uma Maga muito querida, dotada de poderes mágicos que faziam todas as crianças aprenderem a ler e a escrever de forma misteriosa! Ela era a pessoa mais famosa daquele lugarzinho. Todos ali tinham muito orgulho dela e achavam o máximo ter o privilégio de tê-la como referência. Ler, mesmo, livros e textos longos e complicados, assim como escrevê-los, a maior parte das crianças do reino pujante não conseguia bem não. Mas como tudo no pedaço era muito lindo e harmônico, ninguém reclamava. Além disso, fotos e vídeos coloridos e animados garantiam que tudo corria bem nas escolas reais.
Já no reino grande, onde a vida era muito mais dura, com muita poeira e calor e sem lagoa mágica, os professores tinham que estudar e trabalhar muito para poder ensinar as crianças a ler e a escrever. Dizem que é porque os vídeos e as fotos que revelam alfabetização demoraram muito para chegar naquele lugar atrasado e, por causa disso, professores e alunos tinham que aprender na marra: com lápis, papel, livros e muito beábá, que era a palavra mágica que o malvado e ranzinza bruxo local mais sabia pronunciar.
A história que corre é que, ali, as crianças tinham sido encantadas por uns coronéis malvados e não aprendiam a ler e a escrever de jeito nenhum – um quadro desolador -. Só que um dia, apareceu um rei que achou aquilo muito feio e encasquetou que ia quebrar esse feitiço desumano. Como ele nunca tinha ouvido falar na Maga Alfabetizadora, mandou buscar em um reino próximo um bruxo muito bravo, que garantia que era capaz de reverter aquele sortilégio. Ele usava umas expressões muito esquisitas quando estava desencantando as crianças, soltava uns palavrões quando ouvia falar de bruxas da escola do itiuorquédi (ver temporada 1) porque, como era ignorante, não conhecia a fama da tal alfabetização para fotos e vídeos e, pasmem, botava os meninos para praticar ler e a escrever as coisas que as pessoas falam. Era de uma excentricidade que deixava muita gente nervosa. Ele também achava que as escolas deveriam ter livros e dicionários, como se os pequenos súditos fossem gente grande. Como o rei e toda a corte não tinham mais ninguém para lhes aconselhar, tiveram que ficar com essas soluções esdrúxulas mesmo.
Além de todas as maluquices, o feiticeiro tinha um problema muito sério: ele acreditava em um tipo de feitiçaria raríssimo, que poucos iniciados ousavam praticar – a Estatística – . Era um horror, testes e mais testes, com todas as crianças falando o que liam em microfones, alunos escrevendo noite e dia no papel…fotos e vídeos que é bom mesmo, nada! Tinha gente que previa que aquilo não ia dar certo, que as crianças iam perder a sua identidade brincalhona e iam começar a cuspir porcas e parafusos quando o feitiço da Estatística realmente se instalasse e elas virassem robozinhos.
O fato é que muitos e muitos e muitos anos nessa maluquice de achar que criança pode ler e escrever como adulto não poderia dar certo mesmo. Finalmente, chegou ao reino esquisito do deserto um verdadeiro exército de pessoas armadas com câmeras modernas para fazer vídeos com pirralhos reais relatando sonhos vagos ou registrar singelas fotos de sorrisos. Agora, finalmente, os alunos pobres daquele desgraçado local seriam curados da praga das provas e registros estatísticos, que é bem mais poderosa, apesar de ser classificada pelas bruxas do bem como Magia Negra. Não se sabe ainda o que vai ser deles, mas a feitiçaria do bem – que é sempre coisa de gente muito otimista – com certeza vai triunfar, porque suas poderosas palavras mágicas, “itiuorquédi e detixersrilililaiquedi” vão fazer efeito em breve.
Eu estou adorando ler esta série de fábulas… Que os feitiços desumanos possam ser quebrados e as magias do bem recaiam sobre nosso pobre e desolado Brasil… Curiosa para ler os próximos posts…
Mas não é, minha querida! Precisamos ter muitas cartas mágicas na mão.