Arquivos Diários: 10 outubro, 2016

Os dados e as soluções: o desenho está melhorando

Nas últimas semanas tivemos vários eventos ligados à política educacional brasileira em âmbito nacional:

  1. A divulgação dos dados do Saeb/ Prova Brasil
  2. A divulgação dos dados gerais do ENEM e, em particular, dos dados por escola 
  3. A apresentação da Medida Provisória de reforma do ensino médio e
  4. A apresentação do manual de redação do ENEM 2016
  5. A divulgação dos dados do censo de educação superior 2015 pelo MEC

Os itens 1 e 2 nos apresentaram, MAIS UMA VEZ, o cenário pavoroso em que se encontra a educação brasileira. Os dados da Prova Brasil, aplicada de forma censitária a praticamente todos os alunos matriculados nos anos finais de cada uma das etapas do ensino fundamental (5o e 9o anos) e de forma amostral ao final do ensino médio (fazendo parte do Saeb – para entender a diferença, acesse o link do item 1 acima), nos mostram que os alunos de 5o ano começam a esboçar uma trajetória mais consistente: ao invés de, como vinha sistematicamente ocorrendo de 2005 a 2013, apenas as escolas com melhores notas conseguirem aumentar a nota da prova, as piores também “descolaram” do fundo do poço e começaram a aumentar. Mas não nos enganemos, quase todas as escolas vão muito mal e todas as redes públicas de ensino também. A única rede que mostra um avanço expressivo, com quase todas as escolas obtendo já no 5o ano a nota esperada para o 9o, é a já famosa rede de Sobral, no sertão do Ceará.

As planilhas por escola que trazem os dados do ENEM mostram que a elite da elite dos alunos brasileiros, ou seja, aqueles que permaneceram estudando até o final do da educação básica E QUE desejam avançar para o ensino superior, sabem muito pouco em relação ao que deveria lhes ter sido ensinado (apesar de ainda não termos um documento curricular que nos diga o que seria, contamos apenas com os descritores das provas e com uma certa “tradição” de ensino – cada vez mais rala, diga-se de passagem). Uma forma fácil de se perceber isso é analisar as notas das redações. Se os alunos, recém saídos da escola, por onde andaram nos últimos 13/14 anos, uma vez que as crianças no Brasil são obrigadas a entrar na escola aos 4 anos, não conseguem escrever uma redação argumentativa sobre um tema da atualidade, como é que vão conseguir levar até o fim o ensino superior??

Os dados do censo do ensino superior mostram que quase a metade dos alunos desistiram do curso superior em 2014. A crise econômica e os cortes no Fies tanto têm impacto na entrada de novos alunos, que diminuiu no último ano, como na sua permanência no curso, mas muitos alunos desistem também ao perceber que o curso não “se paga”, ou seja, que cursar o ensino superior não necessariamente garantirá um emprego que, pelo menos, amortize o investimento. Alguns desistem também por não acompanhar as exigências acadêmicas que a sua carreira universitária lhes faz. O melhor preditor individual de desempenho no ensino superior é justamente a capacidade do aluno de produzir uma redação argumentativa (!)

Assim, o MEC traz dois importante elementos de política pública para mitigar as mazelas desenhadas pelos dados: a proposta de reforma do ensino médio e o novo manual de redação do ENEM. A reforma ainda precisa ser melhor explicada e compreendida, para poder ser votada sem grandes alterações. Como já comentei neste blog o desenho é bom.

A outra boa notícia é o manual de redação, ainda mais detalhado que os anteriores. É importante lembrarmos que alunos mais vulneráveis normalmente só conseguem contar com professores igualmente vulneráveis do ponto de vista de sua formação e de sua capacidade de ensinar. Desenvolver a capacidade de fazer boas redações exige ao mesmo tempo um empenho de escrita diária e um professor com disponibilidade de corrigir os erros e de apresentar opções para sua solução. Sabemos que nem um nem outro são hábitos consolidados nas escolas brasileiras, como consequência, redações que alcancem a nota máxima também o são!

Vamos lembrar que passamos alguns anos relativizando a importância da Gramática. Ela nem foi incluída na primeira versão da Base Nacional Comum (!). Só que os examinadores das provas o ENEM, assim como os das provas nas universidades e no mercado de trabalho valorizam sim a norma formal ou culta da língua. Negar isso no público e cobrar no privado é uma forma de exacerbar a desigualdade.

Assim, temos mais uma boa notícia em termos do DESENHO das políticas públicas de educação. Resta-nos saber como será o seu uso e implementação nas salas de aula do País, em especial aquelas mais vulneráveis….

Dois exemplos do que o manual traz. Para quem estava acostumado a ver um documento mais genérico, ai vão uns exemplos do que o documento novo apresenta.

Aspectos que caracterizam a normal formal da língua portuguesa:

Concordância nominal e verbal; – regência nominal e verbal; – pontuação; – flexão de nomes e verbos; – colocação de pronomes oblíquos (átonos e tônicos); – grafia das palavras (inclusive acentuação gráfica e emprego de letras maiúsculas e minúsculas); e – divisão silábica na mudança de linha (translineação).

ESTRATÉGIAS ARGUMENTATIVAS – São recursos utilizados para desenvolver os argumentos, de modo a convencer o leitor: • exemplos; • dados estatísticos; • pesquisas; • fatos comprováveis; • citações ou depoimentos de pessoas especializadas no assunto; • pequenas narrativas ilustrativas; • alusões históricas; e • comparações entre fatos, situações, épocas ou lugares distintos.

Quanto mais os alunos brasileiros se apropriarem desse manual de redação e de todos os outros que se podem achar na internet, assim como criar o hábito de escrever sobre um tema atual diariamente, mesmo que sem ninguém para corrigir, mais rápido as notas das redações sobem e com elas a capacidade de argumentar dos brasileiros. Mas, ao mesmo tempo, temos que usar esta mesma capacidade de expor ideias para cobrar das autoridades que garantam a TODAS AS SALAS DE AULA do Brasil professores que trabalhem e corrijam as redações dos alunos TODAS AS SEMANAS!!