Vamos olhar com um pouco de calma e atenção os dados que o Ministério da Educação divulgou nesta quinta (8/9/2016) sobre o desempenho das escolas brasileiras nas provas padronizadas nacionais. Para os anos que encerram as duas etapas do ensino fundamental (5º e 9º) a prova é censitária: quase todo mundo (há umas regrinhas para participar) as tem que fazer. No ensino médio, é amostral, por isso, só temos dados no nível dos estados. Não é possível desagregar mais do que isso.
O resultado segue abaixo – falarei apenas de Língua Portuguesa, pois o desempenho é altamente correlacionado com o de Matemática. De 2005, quando foi universalizada a Prova Brasil, até 2015, a evolução das notas de Língua Portuguesa é levemente positiva, como se pode ver abaixo, por dependência administrativa. A parte cheia do copo são os 50% das escolas municipais e quase 70% das estaduais (em número bem menor, uma vez que o ensino nesta etapa é principalmente municipal), por apresentaram média acima de 200 pontos. Obviamente a parte vazia é todo mundo que ficou abaixo desse ponto.
Isso significa que as escolas da parte cheia do copo são de padrão de país desenvolvido?? Nããããão! Porque o que se pergunta para os alunos nas provas do Brasil é bem medíocre em relação ao que se exige de seus pares naqueles países. Ideb acima de 6,0 nunca foi nota de país desenvolvido. Isso foi uma esticada feroz nos números, uma espécie de pedalada educacional do bem na hora de criar o Ideb, para motivar o pessoal a se engajar no indicador. Os 500 pontos dos países da OCDE no Pisa de 2000, que inspiraram a conta que criou o Ideb, são equivalentes ao nível 3 daquele exame. Muito acima do que sequer pensamos em cobrar de nossos alunos, mesmo ao final do ensino médio.
Voltando à Prova Brasil, o filme:
A observação mais atenta das estatísticas (apresentadas nas tabelas abaixo) permite achar alguns pontos interessantes. Nas 3 redes temos um aumento da média e uma diminuição do desvio padrão. Este, sinônimo de desigualdade, parece ter passado a sua pior fase. Mesmo assim, os números são muito ruins. Melhorando, mas aflitivos….
A diminuta rede federal (21 escolas em 2015), que consome muito mais recursos por aluno altamente selecionado que atende, não é muito melhor que as milhares de escolas que formam a parte de cima do copo.
A parte de baixo do copo mostra onde começa o problema do ensino médio. Aliás, onde continua. A primeira pista de que alguma coisa vai acabar muito mal quando os alunos crescerem já aparece na ANA – a prova de alfabetização do 3º (!!!!) ano, que constata que os alunos mal aprenderam o B-A:BA aos 9 anos de idade…
-> Rede = Estadual
Variable Obs Mean Std. Dev. Min Max
LP_AI_2005 8,331 172.84 17.6 106.63 288.65
LP_AI_2007 11,990 173.92 17.6 113.01 243.51
LP_AI_2009 11,319 183.57 20.0 116.06 294.47
LP_AI_2011 9,779 189.66 20.6 114.8 261.02
LP_AI_2013 8,614 196.96 23.1 109.00 272.70
LP_AI_2015 7,783 208.30 21.3 127.37 272.76
-> Rede = Federal
Variable Obs Mean Std. Dev. Min Max
LP_AI_2005 9 220.38 16.94 190.91 248.26
LP_AI_2007 18 215.53 18.19 179.57 249.70
LP_AI_2009 20 220.08 25.64 135.93 252.05
LP_AI_2011 20 231.28 16.12 194.24 259.29
LP_AI_2013 21 243.18 14.17 212.27 265.13
LP_AI_2015 21 242.66 11.20 218.04 266.97
-> Rede = Municipal
Variable Obs Mean Std. Dev. Min Max
LP_AI_2005 19,611 170.18 17.80 107.37 258.15
LP_AI_2007 25,254 169.99 18.45 103.67 261.57
LP_AI_2009 32,203 175.19 21.98 107.27 286.65
LP_AI_2011 30,601 182.22 22.60 116.78 289.46
LP_AI_2013 30,197 185.86 26.12 104.18 295.55
LP_AI_2015 30,665 198.78 24.65 106.06 315.74
Separando as notas dos anos iniciais de 2015 por Unidade da Federação, podemos ver que a Região onde cada uma se insere tem padrões bem uniformes de desempenho. O Estado do Ceará se destaca não só como um perfil de distribuição de notas mais próximo do perfil dos estados mais ricos, apesar de inserido em uma região pobre, mas também como a Unidade da Federação que mais contribui com escolas de alto desempenho. Um caso a se pensar.
Educação escolar, como se sabe, é um processo cumulativo: não se pode passar para atividades mais complexas sem que outras, mais simples, já tenham sido vencidas. Se o aluno é mal alfabetizado, já no 5º ano terá dificuldades. Isso vai piorar no 9º ano, lógico.
O aluno que fez a Prova Brasil em 2015, estava no 5º ano em 2011. Naquele ano, como se vê no primeiro gráfico, 75% das escolas municipais apresentaram média abaixo de 200 pontos. É de se esperar que aproximadamente a mesma proporção não alcance o esperado 4 anos depois…lembrando que, no 9º ano, um contingente considerável de alunos já desistiu da escola ou está muito atrasado.
E, nos estados, o padrão de distribuição de notas do 9º ano repete o do 5º, só que em um patamar absurdamente mais baixo que este.
O resumo estatístico mostra que “sumiram” muitas escolas na conta e o detalhamento desses números mostra que as sumidas se concentram em SC e RS…
Variable | Obs Mean Std. Dev. Min Max |
MAT_AF_2005 | 18,653 238.10 18.02 180.25 354.99 |
MAT_AF_2007 | 27,157 238.84 18.98 174.68 372.73 |
MAT_AF_2009 | 31,886 238.89 20.832 149.87 368.90 |
MAT_AF_2011 | 30,854 243.04 22.34 157.43 362.11 |
MAT_AF_2013 | 30,993 241.99 21.43 165.15 389.75 |
MAT_AF_2015 | 29,872 248.58 19.27 180.04 379.74 |
O quadro realmente vai ficando cada vez mais incômodo, até que se chega ao ensino médio e se morre de vergonha. Pelo menos, é o que se diz publicamente.
Os alunos brasileiros que chegam a fazer o Saeb ao fim do ensino médio (mais ou menos a metade dos que começaram a jornada lá na alfabetização) alcançam por volta dos 250 pontos, o que significa, segundo a escala do Mec, que eles:
- Inferem o sentido de palavras de uso cotidiano em provérbios, noticias de jornal;
- Inferem o sentido de expressões de maior complexidade, pelo grau de abstração;
- Inferem o sentido em textos narrativos simples (relatos jornalísticos, historias e
poemas); - Inferem o sentido de texto recorrendo a estruturas gramaticais (apelo no uso
imperativo) - Identificam informação implícita em textos narrativos simples;
- Identificam o tema de textos narrativos, informativos e poéticos;
- Interpretam texto publicitário com auxilio gráfico, correlacionando-o com
enunciados verbais; - Interpretam texto de jornal, com informações em gráficos (boletins
meteorológicos); - Estabelecem relações entre tese e argumentos em pequenos textos jornalísticos
de baixa complexidade; - Identificam efeito da exploração de recursos ortográficos/morfossintáticos como
a repetição de estrutura sintática e a composição de palavras.
Não é surpresa que os alunos que foram muito mal alfabetizados 10, 12 anos antes cheguem ao ensino médio mal conseguindo interpretar um texto simples. E está claro que este não é O GRANDE desafio do Brasil, o problema central permanece sendo ter coragem para alfabetizar todas as crianças até o fim do primeiro ano do ensino fundamental e, a partir daí, construir um aprendizado cumulativo e desafiante. Vai ajudar muito se tivermos um currículo que aponte para o que se deve ensinar em cada ano, por disciplina. Mas é também uma questão de coragem. Ainda tem gente com medo de Bicho Papão, de ensino estruturado e intencional, passível de ser aferido e corrigido. O Ceará mostra que o Homem do Saco, a Cuca e as Bruxas são ótimos para se aprender realmente a ler, mas que eles não representam nada na hora de decidir as políticas públicas educacionais do Estado!
Sou professora de educação infantil e foi ótimo ler essa matéria pois só afirma o que nós professores vemos ocorrer na educação, mas posso afirmar que os erros começam na educação infantil, com falta de estrutura e materiais para incentivarmos nossos alunos desde pequenos á apreciarem a leitura e serem formadores de opiniões já que, desde muito pequenos percebemos o quanto as crianças se expressam e tem a contribuir. Infelizmente não moramos em um país que não investe na educação, pelo contrário só pensa em quantidade e não em qualidade. Me dói escutar campanhas políticas preocupadas em abrir vagas mas nada se fala em melhorar as escolas que já estão abertas. Bom deixo aqui meu desabafo e espero que um dia esse país acorde.
Maravilhoso Trabalho! Obrigado e Parabéns.
Excelente análise, toca nos pontos centrais e argumenta com objetividade. J