Nas reuniões públicas sobre política educacional de que participei nas últimas semanas sobre a BNCC, incluindo uma na Câmara dos Deputados, o assunto principal em pauta foi flagrantemente desviado para o tema do Movimento Escola sem Partido. Eu já tinha ouvido falar, sem nunca ter realmente entendido como o Movimento atuava. Mas como nessas reuniões o Movimento estava sendo acusado de promover leis de censura e mordaça ao trabalho do professor, fui ver do que se tratava.
Não é bem isso, o Movimento Escola sem Partido é uma organização de pais e estudantes contra o uso das salas de aula e ambientes educacionais, tanto na educação básica quanto no ensino superior, para o proselitismo político, religioso e ideológico de qualquer natureza. O grupo existe desde 2004 e é coordenado por Miguel Nagib, Procurador de Justiça do Estado de São Paulo.
Li praticamente todo o site e não vi ali nenhuma proposta de censura ou de cerceamento ao trabalho do professor ou de doutrinação de direita para escolas, professores ou alunos, como vem sendo acusado por algumas pessoas ou grupos. Pelo contrário, o que o Movimento defende é a garantia da pluralidade de visões a cerca de temas tratados em escolas e universidades. Há 3 pontos que gostaria de destacar no site:
1) eles representam, entre outras iniciativas, um conjunto de ações de judicialização do direito dos alunos a terem aulas sem nenhum tipo de doutrinação política, religiosa, ideológica ou de gênero, os exemplos são propostas de projetos de lei que garantam esse direito a serem analisadas por assembleias legislativas estaduais ou câmaras municipais – em cada local cada corpo legislativo decide que texto vai fazer avançar. A proposta inicial do Movimento não é de forma nenhuma restritiva às liberdades individuais. Pelo contrário.
2) o site traz vários exemplos de como essa doutrinação acontece e como se proteger dela, mesmo que sem a ajuda de legislação
3) também há no site uma sessão chamada “flagrando o doutrinador“, com a qual me identifiquei muito e a qual gostaria de detalhar aqui.
Eles apresentam uma lista de 17 situações típicas de doutrinação ou de cerceamento da liberdade de expressão dos alunos, pelas quais uma pessoa pode identificar sutilezas da doutrinação. Fiz um exercício de memória e me senti representada, lembrando de situações pelas quais passei, em 10 delas. Acho sim que o tema e o Movimento são assuntos relevantes no debate educacional no Brasil, que precisam ser levados a sério e ser melhor conhecidos por professores, pais e alunos, além dos agentes governamentais. Mesmo não sendo prioridade neste momento quem que se debate a base nacional curricular, essas situações são sim reais e podem cercear o direito de alunos e de profissionais da educação à liberdade de pensamento e de expressão. Portanto, devem ser abordadas com atenção e serenidade em algum momento.
Ao longo de toda a minha vida escolar, universitária e acadêmica, me senti cerceada, oprimida e desrespeitada em situações como essas abaixo:
- se desvia freqüentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao noticiário político ou internacional;
- impõe a leitura de textos que mostram apenas um dos lados de questões controvertidas;
- ridiculariza gratuitamente ou desqualifica crenças religiosas ou convicções políticas;
- pressiona os alunos a expressar determinados pontos de vista em seus trabalhos;
- alicia alunos para participar de manifestações, atos públicos, passeatas, etc.;
- permite que a convicção política ou religiosa dos alunos interfira positiva ou negativamente em suas notas;
- não só não esconde, como divulga e faz propaganda de suas preferências e antipatias políticas e ideológicas;
- omite ou minimiza fatos desabonadores à corrente político-ideológida de sua preferência;
- promove uma atmosfera de intimidação em sala de aula, não permitindo, ou desencorajando a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus;
- não impede que tal atmosfera seja criada pela ação de outros alunos;
Engraçado é que essas situações ocorreram em instituições ditas laicas e modernas. Nunca passei por uma situação dessas no colégio de freiras católicas onde fiz o fundamental II, ou na Fundação Getúlio Vargas, onde fiz uma longa especalização. Essas situações aconteceram de forma mais grave e agressiva na UFRJ, onde fiz minha graduação e no Departamento de Educação da Puc-Rio, onde fiz meu mestrado.
O Movimento Escola sem Partido faz ainda uma proposta de campanha de esclarecimento aos alunos e pais que deveria ser disseminada nas escolas e ambientes de ensino sob a forma de cartazes ou similares. Leiam e julguem por si mesmos.
Proposta:
- O professor não abusará da inexperiência, da falta de conhecimento ou da imaturidade dos alunos, com o objetivo de cooptá-los para esta ou aquela corrente político-partidária, nem adotará livros didáticos que tenham esse objetivo.
- O professor não favorecerá nem prejudicará os alunos em razão de suas convicções políticas, ideológicas, religiosas, ou da falta delas.
- O professor não fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas.
- Ao tratar de questões políticas, sócio-culturais e econômicas, o professor apresentará aos alunos, de forma justa – isto é, com a mesma profundidade e seriedade –, as principais versões, teorias, opiniões e perspectivas concorrentes a respeito.
- O professor não criará em sala de aula uma atmosfera de intimidação, ostensiva ou sutil, capaz de desencorajar a manifestação de pontos de vista discordantes dos seus, nem permitirá que tal atmosfera seja criada pela ação de alunos sectários ou de outros professores.
Pelo amor de Deus. É assustador ver pessoas, formadas e capazes, pedindo, por exemplo, para que o professor não fale do noticiário político na sala de aula. Como é possível que alguém peça sinceramente que não seja cultivado o espírito crítico dos alunos? Eu esperaria isso das classes dominantes facilmente, porque a elas que interessa a falta de interesse dos alunos na política, mas não de trabalhadores comuns, na base da pirâmide. Não espero mudar a opinião de ninguém com esse comentário, mas caso alguém leia, lembre-se: ideologia é um conjunto de ideias que orienta uma ação social. Ideias não são ruins, nem devem ser demonizadas. Por isso, devem, sim estar em sala de aula.
Mais ainda, o professor não é neutro e nem podem ser impessoais as relações professor-aluno, a ponto do profissional estar presente apenas para apresentar a matéria de vestibular da forma mais mecânica possível. Esse mecanismo também um problema atual. Saiam dele. Pensem fora da caixa. E percebam que esse projeto não só não é contra ideologias, como busca apenas perpetuar as ideologias que beneficiam as classes dominantes.
Danilo, pelo que vejo, vc defende a doutrinação subliminar em sala de aula. Eu acho isso antiético e contra os interesses dos alunos que vão à escola aprender conteúdos que devem estar claramente pre definidos pela escola e sua equipe técnica. Se a aula for realmente boa e bem planejada, não sobra tempo para debater assuntos ALEATÓRIOS. Debate é sim uma forma de trabalhar conteúos e habilidades específicas, mas deve ser muito bemplanejado, com objetivos claros em cima de temas selecionados pela relevência. O aleatório é um subterfúgio para o doutrinador.
Ilona,
Entrei no site que você passou http://www.escolasempartido.org/flagrando-o-doutrinador e percebi um video relacionado na coluna da esquerda, que é o seguinte: https://www.youtube.com/watch?v=0Ec20JZNr24 .
Essa é a escola sem partido?
Gostaria muito que você comentasse meu comentário e o disponibilizasse para os leitores.
Att,
Filipe Hentges Nadolny
Prof. Arte
Filipe, obrigada por sua contribuição. O vídeo é uma paródia da música A Banda de Chico Buarque. O que vc gostaria que eu comentasse?
A ideia de uma escola sem partido é a ideal, ninguém quer uma escola que doutrine. Mas acredito que é preciso pensar a maneira de se fazer isso. Sou contra a Escola Sem Partido porque ela inibe a ação do professor e a acho inviável. Inviável porque como um professor, em uma sala com 40 alunos vai conseguir respeitar as convicções de todas as famílias e, ainda, como não poderá trazer assunto e debates diferentes dessas convicções se o próprio papel da escola é mostrar o “outro lado muro”. Como ensinar para uma consciência crítica se não falamos e mostramos o outro? E é aí que inibe o professor, ele vai se sentir intimidado em seu conteúdo de estar indo contra a convicção de alguma família. Os pontos citados nos comentários e que você passou durante a sua educação, eu também passei, acredito que todos tenham passado por isso, e acho inevitável, já que o professor é indivíduo que possui suas próprias convicções que estão presentes em sua narrativa, assim como todas as pessoas ao falarem. Sempre estamos nos posicionando. A discussão não pode acabar desse jeito, claro. Abusos devem ser contidos e, para uma educação democrática precisamos evitar que o professor abuse de sua posição. Por isso que temos que pensar na maneira de ter uma escola sem partido, mas uma maneira que não intimide o professor, ameaçando-o com perda de cargo, afastamento, processos. O debate de uma escola sem doutrinação pode ocorrer considerando os alunos, seus familiares, os professores e toda comunidade escolar investindo e incentivando em uma educação democrática e aberta ao diálogo. Na página do Escola Sem Partido, na sessão “Defenda seu filho” não há proposta de diálogo, há ameaças contra o professor.
[…] Escolas sem partido não é lei da mordaça […]
Ilona, farei um breve relato do que vivenciei no meu curso de mestrado na FE da Unicamp.
Em uma disciplina sobre sobre currículopassei 4 meses calado, sentava no fundo da sala e igual uma coruja prestava atenção em tudo e mantinha-me calado, como ninguém nunca me perguntou nada durante as aulas, nada respondi.
Tomei essa atitude para me preservar da miséria intelectual que assola aquela FE, também para me manter distante da patrulha ideológica esquerdista implantada pela professora e de sua tropa de choque. Em muitos dias senti que estava numa madrassa talibã no Afeganistão.Como em guerra avisada só leva tiro quem quer, nunca tornei minhas discordâncias publicamente, certamente seria tachado de reacionário, fascista e trucidado pela máquina de destruir reputações.
Certo dia uma colega ousou chamar Paulo Freire pelo que ele realmente era: um embusteiro mistificador, molestador intelectual, não deu outra foi trucidada pela tropa de choque esquerdista. Depois daquele fato, ela nunca mais se manifestou em sala de aula. Vivenciei na prática como é a tolerância daqueles que se dizem “progressistas”, mas que são muito mais intolerantes com quem discorda de suas ideias do que os ditos “reacionários” que tanto combatem.
O livro adotado no curso era de uma militante ligada ao PT e os autores discutidos em sala pelos quais babavam meus colegas – em lutavam por uma utópica educação “de qualidade”, sendo que nunca souberam me dizer qual era a tal educação “de qualidade” -, eram, pra não variar os de sempre: Paulo Freire, Foucault, Bourdier, Adorno e toda escola de frankfurt.
No trabalho final desse curso apresentei aquilo que a professora e a maioria dos meus colegas de turma desejavam ouvir, embora eu discordasse absolutamente de quase tudo ali. Fui aprovado com conceito A, mas aquilo nada me acrescentou intelectualmente.
Pensei comigo mesmo, se esta é a elite intelectual deste país que forma os professores, estamos muito, mas muito pior do sequer imaginei. Passei até então 16 anos em sala de aula desde minha infância para chegar até ali e presenciar aquele cenário foi desolador, fico imaginando que há cenários ainda muito piores. Por isso apoio totalmente o movimento “Escola sem Partidos”, mas sei que se gente do meio político se incomodou com o movimento a ponto de desqualificá-lo é sinal de que estão no caminho certo.
Depois de ouvir a coluna, fui ler o conteúdo do site Escola sem partido e fiquei preocupado com a objeção do site à valorização dos Direitos Humanos nas escolas. Veja o texto abaixo, retirado do próprio site:
“O problema, explica Nagib, é que, apesar de exigir o respeito aos “direitos humanos”, o INEP não exige dos candidatos e dos corretores nenhuma familiaridade com a legislação relativa aos direitos humanos. Ora, indaga a representação, “na falta de um referencial objetivo, que só poderia ser dado pelas normas legais que os definem, o que se compreende por ‘direitos humanos’ no contexto do Enem?” ”
Também li em outros textos essa preocupação de extirpar essa abordagem no trato das disciplinas obrigatórias, e isso realmente é muito retrógrado.
Tomo a liberdade de postar um pequeno texto retirado do site Wladimirherzog.org para reflexão:
Você sabe o que é educação em direitos humanos?
“A Educação em Direitos Humanos vai além de uma aprendizagem cognitiva, incluindo o desenvolvimento social e emocional de quem se desenvolve no processo de ensino-aprendizagem.”
Programa Mundial de Educação em DH, PMDE, ONU, 2006
Os Direitos Humanos são uma conquista da humanidade e, ao mesmo tempo, um objetivo a alcançar. A luta pela garantia de sua implementação perpassa todas as questões sociais que evidenciam todo tipo de preconceito, violência e humilhação que a sociedade produz. Esse esforço é dever de todos e a Educação, como possibilidade de transformações, é de importância vital porque pode promover, na formação dos corações e mentes das novas gerações, o compromisso com os princípios que sustentam os Direitos Humanos.
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Dorivaldo,
Obrigada por seu comentário. Eu li o site praticamente todo e a única referência que eu vi a respeito dos direitos humanos é a do 5º critério de correção da prova de redação do ENEM. Eu já tinha apontado isso em um comentário bem antigo na CBN, pois considero sim que é um critério ambíguo, que tem sido usado para ensinar aos alunos que eles devem escrever na redação não o que eles pensam, mas o que o corretor da redação gosta de ler.
Dou um exemplo, por favor leia com atenção o Guia do Participante do ENEM 2012, onde se comentam as qualidades das redações que tiraram nota máxima. Na página 32 está a redação de Isabela Carvalho Leme Vieira da Cruz, Rio de Janeiro (RJ) que é encerrada da seguinte forma: “Diante disso, é necessária a aplicação de medidas visando a um maior controle da internet. A implantação, na grade escolar brasileira, do estudo dessas novas tecnologias de informação, incluindo as redes sociais, e a, consequente, formação crítica dos Brasileiros, seria um bom começo. Só assim, poderemos negar as previsões feitas por George Orwell e ter um futuro livre do controle e da alienação.”
É claro que ninguém propõe que se estimule a produção de redações com argumentações de apologia ao crime, ou a qualquer tipo de exclusão ou opressão social. O que acho que merece a devida contestação é que o critério que exige dos alunos uma proposta de solução para o problema apresentado não possa ficar realmente a julgamento deles. O que se quer saber é se o aluno tem capacidade de argumentar usando a Língua Portuguesa formal. Ou que se escreva nos critérios, de forma mais clara, que a redação não pode trazer propostas que afrontem nenhum dos princípios elencados no art. 4º da Constituição Brasileira:
I – independência nacional;
II – prevalência dos direitos humanos;
III – autodeterminação dos povos;
IV – não-intervenção;
V – igualdade entre os Estados;
VI – defesa da paz;
VII – solução pacífica dos conflitos;
VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo;
IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade;
X – concessão de asilo político.
Da forma como está redigido o critério, abre-se margem a interpretações bem restritas do que sejam “Direitos Humanos” e basta perguntar a um professor de redação de cursinho qual a orientação que tem sido dada aos alunos para se perceber que o tiro está saindo pela culatra, como mostra o exemplo que destaquei acima.
Bom dia,
Sou diretora de escola e ontem ouvi na CBN a Ilona discorrer sobre o movimento escola sem partido que embora já tinha ouvido falar, não tinha ainda me inteirado do que se tratava. E como a comentarista, também vivi um episódio na USP muito parecido com o que ela viveu na pos graduação da PUC RJ e que na época embora tenha ficado constrangida, hoje tenho clareza do quanto as nossas instituições educacionais, nos diferentes níveis de ensino, ainda estão longe de oferecer discussões aos alunos sem uma doutrinação política, religiosa, ideológica ou de gênero. Em 2012, participava de um grupo de pesquisa na referida universidade e uma professora universitária chegou a reunião colocando panfletos de um determinado partido político na mesa fazendo propaganda deste partido por vários minutos nos incitando ao voto.
Achei muito estranho, pois estávamos dentro de uma universidade (pública por sinal) e uma professora universitária incitar os alunos ao voto não condiz com uma instituição que se diz adepta do pluralismo de ideias.
Miriam,
Para vc ver como é relevante e oportuna uma iniciativa como esta.
Obrigada por seu comentário!
O debate dentro da instituição de ensino, enxergo como fundamental. A distancia da escola e da vida pública faz o abismo entre política e sociedade civil. Formação política precisa estar no currículo. Mais que isto, ensinar desde criança, os jovens a serem participativos. Isto não é doutrinação é empoderamento.
Paula,
Também acho que aprender a debater ideias e teses é parte essencial da educação de qualquer pessoa e que deve começar na educação básica. É exatamente isso que defende o movimento Escolas Sem Partido pelo que li no site. Obrigada por seu comentário.