É preciso conhecer melhor os critérios de correção das redações do ENEM e melhorá-los

Com o tema dos critérios de correção da redação do ENEM finalmente entrando no debate público, depois de anos simplesmente sendo naturalizados pelas autoridades educacionais brasileiras e ignorados pelos interessados, é hora de esclarecer alguns pontos.

Sabemos que o Brasil é um país cheio de absurdos. Deixar que as vagas da educação superior sejam preenchidas levando em conta a opinião do candidato sobre um tema da atualidade é apenas mais um. Mas, parece que chegou a hora de abrir a janela para deixar o sol entrar e arejar as ideias.

Vejam, não é apenas o acesso a vagas universitárias que os participantes arriscam quando expõem sua opinião em uma redação, de acordo com os editais do certame, o mais recente deles publicado em 7/4/2017 no DOU, os resultados do ENEM servem a múltiplos propósitos, entre eles, arranjar emprego:

1.8 Os resultados do Enem deverão possibilitar:
1.8.1 a constituição de parâmetros para a autoavaliação do
PARTICIPANTE, com vistas à continuidade de sua formação e a sua
inserção no mercado de trabalho;
1.8.2 a criação de referência nacional para o aperfeiçoamento
dos currículos do Ensino Médio;
1.8.3 a utilização do Exame como mecanismo único, alternativo
ou complementar para acesso à educação superior, especialmente
a ofertada pelas Instituições Federais de Educação Superior;
1.8.4 o acesso a programas governamentais de financiamento
ou o apoio ao estudante da educação superior;
1.8.5 a sua utilização como instrumento de seleção para
ingresso nos diferentes setores do mundo do trabalho;
1.8.6 o desenvolvimento de estudos e indicadores sobre a
educação brasileira.
1.9 Facultar-se-á a utilização dos resultados individuais do
Enem como mecanismo de acesso à Educação Superior ou em processos
de seleção nos diferentes setores do mundo do trabalho.

É só ler as redações nota 1000 publicadas nos guias de redação do ENEM (2016, 2017, por exemplo) para perceber que não apenas a questão de afrontar ou não os direitos humanos que é valorizada, mas também as apresentação de soluções populares e superficiais para problemas da atualidade, como não poderia deixar de ser para a forma como a situação toda é estruturada. Afinal, são apenas alunos de 17/18 egressos da educação básica e não especialistas em políticas públicas, a fazer as provas.

Faculdades mais competitivas começam a usar o IB como opção ao ENEM. É só comparar as mobilizações cognitivas entre uma e outra avaliação para perceber por quê. Ao final deste post, há uma menção ao SAT. A citação tem o objetivo de mostrar aos leitores que há alternativa à jabuticaba de acesso ao ensino superior no Brasil, que é a Competência 5 da redação.

O argumento utilizado até por representantes do MEC e Inep para manter as coisas como são hoje, dizendo que os critérios de correção são os mesmos há muitos anos, é puro desrespeito intelectual frente a um questionamento absolutamente legítimo e relevante, mesmo que as autoridades educacionais brasileiras não concordem com os infinitos palpites sobre o tema que vem sendo dados sobre o assunto, inclusive este aqui. Mas que o assunto precisa ser melhor analisado, precisa.

Vamos à minha análise:

Os critérios são tão imprecisos, que são necessários 2, 3 e até uma banca de corretores para dar as notas da redação. Tudo isso às custas do contribuinte. O ENEM é uma política  pública sensacional, mas o fato de os critérios de correção da redação não serem claros, deixa a sua correção bastante frágil. Só não há uma confusão geral causada pelo assunto porque o Governo Federal não permite que as notas das redações sejam contestadas e também porque reina a mais absoluta ignorância sobre a importância de critérios transparentes de correção de atividades, conhecidos e disseminados em inglês pelo nome de rubrics.

Mas se alguém se aventurar a entender um pouco mais sobre a distribuição das notas, vai perceber que só teríamos a ganhar com critérios mais claros. A tabela a seguir apresenta o status da redação de 2015, segundo a correção. Vemos que quase 10 mil redações forma anuladas pela questão quente do momento – o desrespeito aos direitos humanos NO PAPEL. O que chama atenção mesmo é ver que 1/3 das redações foram entregues em branco – é um perfil interessante a se estudar (porque uma pessoa se inscreve, faz a prova e entrega a redação em branco, por exemplo) -, mas que não vem ao caso diretamente agora. O que temos é que 5,5 milhões de redações estavam aptas a serem corrigidas em 2015, conforme mostra a tabela a seguir.

Status da redação 2015  N %
Sem problemas   5.548.135,00 71,6%
Anulada         2.222,00 0,0%
Cópia Texto Motivador         6.092,00 0,1%
Em Branco   2.145.286,00 27,7%
Fere Direitos Humanos         9.936,00 0,1%
Fuga ao tema       20.765,00 0,3%
Não atendimento ao tipo         6.644,00 0,1%
Texto insuficiente         3.516,00 0,0%
Parte desconectada         2.078,00 0,0%
Não atendimento ao item 2.2.5 do edital do exame.         1.435,00 0,0%
 Total   7.746.109,00 100,0%

Vamos às categorias de análise para a correção:

Competência 1: Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa.
Competência 2: Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto
dissertativo-argumentativo em prosa.
Competência 3: Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista.
Competência 4: Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação.
Competência 5: Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos.

Como as redações são corrigidas?

Critérios de correção da Competência 1:

200 pontos – Demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro. Desvios gramaticais ou de convenções da escrita serão aceitos somente como excepcionalidade e quando não caracterizarem reincidência.
160 pontos – Demonstra bom domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro, com poucos desvios gramaticais e de convenções da escrita.
120 pontos – Demonstra domínio mediano da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro, com alguns desvios gramaticais e de convenções da escrita.
80 pontos – Demonstra domínio insuficiente da modalidade escrita formal da língua portuguesa, com muitos desvios gramaticais, de escolha de registro e de convenções da escrita.
40 pontos – Demonstra domínio precário da modalidade escrita formal da língua portuguesa, de forma sistemática, com diversificados e frequentes desvios gramaticais, de escolha de registro e de convenções da escrita.
0 ponto – Demonstra desconhecimento da modalidade escrita formal da língua portuguesa. (vejam porque é importante estudar quem são e o que escrevem os milhões de participantes que zeram esta competência)

As notas da COMPETÊNCIA 1 estão distribuídas das seguinte forma (em 2015):

 Distribuição percentual  Percentual acumulado
 Nota Competencia 1  com zero  sem zero  com zero  sem zero
        –                 2.196.253 28,4%   28,4%  
        20                        2.717 0,0% 0,05% 28,4% 0,05%
        25                              2 0,0% 0,00% 28,4% 0,05%
        34                              3 0,0% 0,00% 28,4% 0,05%
        40                      30.406 0,4% 0,55% 28,8% 0,60%
        50                            14 0,0% 0,00% 28,8% 0,60%
        60                      67.431 0,9% 1,22% 29,7% 1,81%
        67                        1.183 0,0% 0,02% 29,7% 1,83%
        75                            16 0,0% 0,00% 29,7% 1,83%
        80                    619.880 8,0% 11,17% 37,7% 13,01%
      100                    740.927 9,6% 13,35% 47,2% 26,36%
 Entre 100-120 40,9% 57,14%
      120                 2.429.231 31,4% 43,78% 78,6% 70,14%
      125                          151 0,0% 0,00% 78,6% 70,14%
      133                        2.164 0,0% 0,04% 78,6% 70,18%
      134                              5 0,0% 0,00% 78,6% 70,18%
      140                    732.393 9,5% 13,20% 88,1% 83,38%
      150                          323 0,0% 0,01% 88,1% 83,39%
      160                    850.948 11,0% 15,34% 99,1% 98,73%
      167                          368 0,0% 0,01% 99,1% 98,73%
      175                          148 0,0% 0,00% 99,1% 98,74%
      180                      55.825 0,7% 1,01% 99,8% 99,74%
      200                      14.348 0,2% 0,26% 100,0% 100,00%
 Total                 7.744.736
 Total sem os zeros                 5.548.483

Afora os 28,4% de zeros, que podem ser explicados por razões para além dos critérios, há fatos interessantes na distribuição das notas. São 6 faixas de notas (0, 40, 80, 120, 160, 200), de onde saem os critérios para atribuir as demais 18 notas atribuídas aos alunos – 25, 34, 67, por exemplo?

Quantos erros de ortografia, concordância e pontuação cometeram os que tiraram cada uma das faixas?? Bastava uma escala de correção e já teríamos infinitamente mais clareza nessa categoria.

Outro ponto que notamos ao analisar a distribuição das notas e que é até esperado (mas não moralmente aceitável), dada a má qualidade da instrução no Brasil, é que a maior parte das notas estivesse abaixo dos 50% de acerto (nota 100, que não existe na escala de notas, apenas os corretores sabem o que diferencia 100 das outras notas imediatamente contíguas da escala, 80 – insuficiente – e 120 – mediano).

Tirando os zeros, apenas 16% dos participantes tiraram 160 ou mais pontos na Competência 1, que indica seu domínio das regras de Gramática, depois de concluir a educação básica, isso sim é que é respeito ao direito à educação…

Mas ainda tem mais.

O problema da falta de clareza dos critérios ficou mais óbvio para a COMPETÊNCIA 5, que é muito questionável para os objetivos do certame – ranquear alunos para acesso a vagas. Como podemos julgar a capacidade de alunos de 17/18 anos proporem soluções para problemas complexos da atualidade, se nem os técnicos do governo e os políticos conseguem resolvê-los? É uma daquelas enganações fofinhas que todo mundo engole feliz. Mas que custam caro a quem não conhece bem as nuances das regras do jogo, principalmente para aqueles que não têm acesso a um professor de cursinho que lhe ensine os macetes. Sim, porque de uma redação de 3/4 parágrafos de uma pessoa que está concluindo o ensino médio só vai sair macete mesmo. Solução para os problemas e dilemas do Brasil e da humanidade é que não sai.

Basta lermos as redações nota 1000 selecionadas nos sucessivos guias de redação e vemos que é isso mesmo: “o governo deveria resolver”, “tem que ter campanha de esclarecimento”, “tem que colocar o tema no currículo das escolas” e assim vai: lugar comum em cima de lugar comum, mas parece que isso é o que os corretores consideram respeito aos direitos humanos.

A COMPETÊNCIA 5, mesmo tendo esse vício de origem, apresenta uma distribuição de notas “normal” (do ponto de vista estatístico), quando retiramos as notas = 0, o que seria esperado, se a correção respeitasse as faixas de notas propostas. De novo, apesar de não sabermos o que diferencia 80 – insuficiente – de 120 – mediana -, 20 pontos em uma redação (ou seja, receber uma nota 100, por exemplo) podem fazer a diferença entre entrar ou não em uma instituição de ensino mais concorrida.

Vejamos os critérios de atribuição de notas para a Competência 5:

200 pontos – Elabora muito bem proposta de intervenção, detalhada, relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto.
160 pontos – Elabora bem proposta de intervenção, relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto.
120 pontos – Elabora de forma mediana proposta de intervenção, relacionada ao tema e
articulada à discussão desenvolvida no texto.
80 pontos – Elabora de forma insuficiente proposta de intervenção, relacionada ao tema ou não articulada à discussão desenvolvida no texto.
40 pontos – Apresenta proposta de intervenção vaga, precária ou relacionada apenas ao
assunto.
0 ponto – Não apresenta proposta de intervenção ou apresenta proposta não relacionada ao tema ou ao assunto.

E agora a distribuição das notas em 2015, reparemos a concentração de notas nas pontuações mais baixas e em notas que não estão na escala.

 Distribuição percentual  Percentual acumulado
Nota Competência 5  com zero  sem zero  com zero  sem zero
                         –     2.538.692,00 32,8%   32,8%  
                    20,00     239.812,00 3,1% 4,61% 35,9% 4,61%
                    25,00            467,00 0,0% 0,01% 35,9% 4,62%
                    40,00     832.838,00 10,8% 16,00% 46,6% 20,61%
                    50,00         1.030,00 0,0% 0,02% 46,6% 20,63%
                    60,00     758.048,00 9,8% 14,56% 56,4% 35,19%
                    75,00            348,00 0,0% 0,01% 56,4% 35,20%
                    80,00   1.268.909,00 16,4% 24,37% 72,8% 59,57%
                  100,00     730.218,00 9,4% 14,03% 82,3% 73,60%
 Entre 100-120 20,5% 30,49%
                  120,00     856.895,00 11,1% 16,46% 93,3% 90,1%
                  125,00            346,00 0,0% 0,01% 93,3% 90,1%
                  140,00     235.614,00 3,0% 4,53% 96,4% 94,6%
                  150,00            376,00 0,0% 0,01% 96,4% 94,6%
                  160,00     192.534,00 2,5% 3,70% 98,9% 98,3%
                  175,00            100,00 0,0% 0,00% 98,9% 98,3%
                  180,00       52.614,00 0,7% 1,01% 99,5% 99,3%
                  200,00       35.895,00 0,5% 0,69% 100,0% 100,0%
  7.744.736,00 100,0%
     5.206.044,00 100,0%

Agora um outro exercício – vamos comparar a distribuição das notas acima de 160 pontos nas duas competências, a 1, que avalia se o aluno domina as regras de Gramática e a 5, que avalia se o aluno é um bom propositor de políticas públicas.

Claramente, pela correção de 2015, temos muito mais alunos que dominam as regras de Gramática (acima de 160 = 923.185 participantes), do que alunos capazes de propor políticas ou soluções para problemas brasileiros (acima de 160 = 282.785 participantes). E para concluir essa minha argumentação de que a Competência 5 deveria ser reformulada ou simplesmente retirada (eu estou convicta de que as demais dão conta do recado – ranquear os alunos para acesso ao ensino superior), vejam o seguinte:

Na “população ENEM 2015”, ou seja daqueles participantes do ENEM 2015, cujos microdados estão disponíveis no site do Inep, apenas 3,4% declaram ter renda acima de 10 SM. No entanto, para a COMPETÊNCIA 1, o contingente de participantes que tirou nota acima de 160 pontos e que declarou renda acima de 10 SM foi de 11,6% e para a COMPETÊNCIA 5, esse mesmo contingente foi de 16,5%. Então, uma possível conclusão é que não apenas as notas mais altas são conquistadas muito mais pelos não pobres (o que já é esperado, embora imoral), mas a COMPETÊNCIA 5 discrimina ainda mais os alunos pela renda. Ou seja, quem tem mais acesso a macetes sobre como escrever generalidades para agradar aos corretores, em geral por meio dos professores de cursinho, tem mais chance de entrar nas universidades mais competitivas. Estamos atrás do mérito na seleção ao ensino superior? Sim, é justo que estejamos. Mas é EXATAMENTE pela complexidade e capacidade discricionária da redação é que os critérios que a compõem deveriam ser mais claros, para que TODOS os que queiram prestar a prova possam se preparar para ela se acordo e para que o sistema educacional absorva os critérios de produção textual argumentativa competente em seus currículos. Se a competência 5 cair, ficam ainda a Gramática, a capacidade de argumentar, de organizar informações para compor um texto e de usar as estruturas textuais típicas do gênero, que são as outras competências avaliadas.

É possível fazer isso? Vamos olhar para fora?

Uma das mudanças que o ENEM deveria fazer seria usar o mesmo critério de estrutura do exame SAT americano, equivalente ao ENEM em objetivos para acesso ao ensino superior. A ideia é a mesma: avaliar se e quanto um candidato a uma vaga em uma universidade é capaz de escrever um texto argumentativo. Só que o College Board, que organiza a prova nos EUA não é tão ambicioso com a capacidade dos candidatos quanto o nosso MEC, que acha que um aluno de 17/18 anos pode sugerir soluções para problemas complexos brasileiros em uma canetada de 30 linhas. Na redação do SAT, os participantes precisam analisar um texto de aproximadamente 5000 toques, ou duas páginas, no que se refere aos argumentos de seu autor (do texto proposto) sobre um tema da atualidade, por meio de uma redação de 3/4 parágrafos (como a do ENEM).

Assim, o alunos não têm que emitir uma opinião eles mesmos sobre um tema, quer politicamente correta ou não. O candidato a uma vaga na universidade nos EUA precisa avaliar a capacidade de um autor em defender uma opinião (dele) e explicar porque, com base no que está contido NO TEXTO que faz parte das prova,  E NÃO NAS DICAS QUE RECEBEU DE SEU PROFESSOR DE CURSINHO, ou mesmo na sorte de conhecer um tema melhor que os outros. É de se supor que haja menos penalização de alunos com nível sócio-econômico mais baixo, pois o conteúdo é dado. O participante precisa demonstrar apenas a sua capacidade de análise, organização de ideias, construção textual e Gramática, exatamente as outras competências que o ENEM já avalia…

São os seguintes os critérios de correção da redação do SAT:

Leitura: uma redação competente mostra que você entendeu a passagem, incluindo a interação de idéias centrais e detalhes relevantes. Também mostra um uso efetivo das evidências textuais.

Análise: uma redação competente mostra sua compreensão de como o autor constrói um argumento, examinando o uso que o autor faz de provas, raciocínio e outras técnicas estilísticas e persuasivas e fundamentando suas explanações sobre o texto e as escolhas do autor com evidências textuais pertinentes a partir da passagem apresentada

Escrita: uma redação competente é focada, organizada e precisa, com estilo e tom apropriado que usam estruturas variadas de orações e que respeitam as convenções do inglês formal.

11 Respostas

  1. Acho sim que os critérios deveriam ser mais claros, tenho amigos que tiraram 100 na C1 e não existe “um nível” para esse 100 nos critérios, como foi dito no texto. Contudo, acho que a C5 não exige nada mirabolante, afinal essa competência também avalia se o aluno consegue pensar nas consequências de um possível projeto, vejo sim como um espaço para análise crítica das habilidades de resolução do aluno. Acho que só precisa ter mais clareza quantos aos níveis não informados de nota.

  2. Compartilho aqui o link do texto “Por que o desrespeito aos direitos humanos não justifica a nota zero na redação?”: .

    Acredito que a exigência de uma proposta de intervenção que respeita os direitos humanos na redação, por si só, não garante que os direitos humanos serão respeitados por todos os estudantes. Mas isso não desqualifica esse critério de avaliação da redação. Por exemplo, para as questões de exatas os estudantes também decoram algumas fórmulas que depois muitas vezes não são colocadas em prática nas suas vidas cotidianas. Neste sentido, toda avaliação tem seus limites. O problema não é o critério de avaliação, mas sim a qualidade da nossa educação básica, principalmente a pública.

    1. Silas, acho que vc tem razão. Nem a proposta de corrigir a redação usando critérios diretamente relacionados aos direitos humanos garante o respeito a eles e nem esse fato desqualifica o critério. O que desqualifica não só esse, como qualquer critério, é a sua não especificação. Dessa forma, mesmo os critérios de respeito à Gramática não estão claros, pois não sabemos que fórmula é usada para calcular as penalidades. Imagino que para manter a competência 5 de forma justa o INEP teria que fazer uma lista de frases não recomendáveis e sua respectiva penalização e que, de forma nenhuma, o uso dessas frases “banidas” poderia simplesmente zerar a redação inteira, como é possível hoje. Da mesma forma, o INEP deveria publicar, para cada redação (a cada tema novo, a cada ano) quais as respostas que julga corretas para cada intervenção. Como em concursos, onde há gabarito para perguntas dissertativas. Se o INEP não está disposto a fazer este tipo de esforço, então deveria tornar os critérios mais simples. Do jeito que está é que não é possível ficar. Não é porque a sociedade brasileira não percebeu que há erros graves na forma de corrigir as redações que eles devem permanecer como estão. A sociedade não percebeu porque a maioria das pessoas não consegue discernir a qualidade e a validade argumentativa de nenhum texto. Portanto, mesmo que o candidato e sua família possam ler as redações e sua correção e até comparar com colegas, não percebem as falhas. Também concordo que a péssima qualidade de toda a educação básica é um problema bem mais grave que os critérios de correção da redação. Mas não é por isso que eles não devam ser corrigidos o quanto antes.

      1. Apenas 0,1% das redações são anuladas por conta de propostas de intervenção que ferem os direitos humanos. Não podemos ignorar que este fato já indica que a maior parte dos estudantes sabe minimamente do que se trata o critério e que não pode argumentar contra os direitos humanos. Com relação às propostas de intervenção “mais corretas”, o INEP apresenta as correções das melhores redações que apontam para essas propostas “mais corretas” que receberam nota máxima. Essas correções constituem o gabarito. Não vejo problemas com a proposta de intervenção, trata-se do parágrafo final com as considerações finais relacionadas com os argumentos apresentados, não é pedido nada mirabolante.

      2. Sim, não é nada mirabolante. Não acho que o guia substitua uma chave de correção mais específica. Acho que a cada ano o INEP deveria publicar as chaves de correção detalhadas, como em qq concurso. A questão é que o próprio governo teria que se comprometer com propostas de intervenção sobre problemas que o próprio não consegue resolver. Quanto à lista de frases que não devem ser usadas, está cada vez mais disseminada sim.

  3. Entendo seu ponto de vista, mas suponhamos que haja mudança no formato do Enem e seja adotado o SAT. Se um aluno de 17 anos conseguir fazer a análise de um texto, identificando a estratégia argumentativa, ele será capaz de escrever um texto dissertativo-argumentativo. Vestibulares de instituições particulares são muito mais exigentes, já que o Enem tem caráter inclusivo. Quanto ao desrespeito aos direitos humanos, é essencial que um jovem, que almeja uma vaga numa Universidade, saiba que toda ação vem acompanhada de uma consequência.

    1. Jackie, obrigada pela msg. Não sei se entendi bem seu comentário. Usei o SAT como exemplo de uma prova que também tem redação argumentativa, mas que não pede para o candidato inventar uma solução para um tema que desconhece, como o INEP faz aqui com o ENEM. Uma política que parece legal quando vista superficialmente, mas que penaliza quem não tem acesso aos macetes…Concordo que alguns vestibulares isolados são mais exigentes que o ENEM, mas a redação é um dos pontos em comum. Precisamos é compreender melhor os critérios de correção. E sobre os DH, eu concordo que todos nós, desde muito pequenos, devamos compreender o que são, como funcionam os mecanismos de proteção ou de afronta a eles. Isso é bem diferente de medir competências de compreensão e produção textual. Além disso, nos fóruns de proteção aos DH há especialistas para avaliar quando eles são ou não respeitados. Isso absolutamente não é o caso nas redações. Os meninos com acesso a cursinho aprendem a citar autores populares entre os corretores e a listar soluções fáceis e palatáveis para pontuar na redação. Isso não quer dizer que aprendam a respeitar os DH. Não se pode confundir alhos com bugalhos. O fim da redação do ENEM é classificar alunos para acesso ao ES. Defender os DH é um outro assunto, bem mais complexo.

      1. Alguns vestibulares exigem um texto apenas dissertativo, que dispensa a proposta de intervenção. Já pensei muito se não seria o caso de o Enem mudar o gênero exigido. No entanto, o problema no sistema educacional brasileiro é muito mais grave. Há textos caóticos que apresentam desvios de toda natureza, então, a PI acaba sendo o menor dos problemas no Enem, já que milhares de candidatos sequer conseguem construir uma frase com sujeito, verbo e complementos. Sobre os DH, discordo de você, pois o princípio da isonomia, por exemplo, garante (ou deveria garantir) o acesso de todo cidadão brasileiro a uma educação de qualidade. Não me parece plausível que num texto o candidato escreva que os surdos continuem excluídos; ou que bandido bom é bandido morto. Respeito aos direitos humanos é uma regra para vida, seja para ser aplicada numa prova de redação, seja para nortear as relações humanas.

      2. Sim, sem dúvida, meu texto diz isso. 30% de zeros é algo a ser estudado com muito cuidado. E as notas “mediano” na Competência 1 parecem ser generosas demais com o que imagino ser as redações. O meu ponto principal é esse: o desrespeito aos DH no Brasil começa com a educação de péssima qualidade para a maioria. Depois tem o fato em si da falta de clareza na correção (veja a minha resposta ao Eduardo). Nossa discordância saudável está em que eu acho que a ter a competência 5 não ajuda em nada a resolver a questão dos DH, mas exacerba o problema da injustiça social pela má educação. Isso se explica pq quem tem cursinho parte para os macetes e quem não tem escreve argumentos toscos (mesmo que saiba um pouco de Gramática e construção de textos) e é penalizado pelo critério duplo dar solução + DH da competência 5. Veja no meu texto que quase 1 milhão de participantes tira mais que 160 na COMPT 1 e menos de 300 mil na COMPT5. Olha o tamanho da penalização. Quando se verifica a distribuição das notas por renda, adivinha quem fica de fora? Mas se tivermos uma discussão como essa nossa – honesta e de bom nível – chegamos a um ponto comum!

  4. Excelente reflexão, Ilona. Você apresenta, como sempre, dados/fatos que dificultam a justificativa de alguns processos absurdos que temos como política educacional. Por que alguns insistem em defender o indefensável? Concordo com você em dois pontos fundamentais: 1- a expectativa em relação ao texto argumentativo e 2- a subjetividade na grade de correção e a dos próprios corretores (que persiste mesmo após o curso – lê-se lavagem cerebral – do processo seletivo destes profissionais). No modelo SAT, no entanto, só vejo diferença efetiva em relação ao item 1 que apontei acima. Como ilustrou bem, no SAT, por exemplo, o aluno é levado a fazer uma análise do discurso – o que é mais profundo do que emitir juízo de valor ou propor soluções aleatórias para problemas que nunca refletiu, usando agentes sociais. Copio aqui um exemplo divulgado pela CollegeBoard (https://collegereadiness.collegeboard.org/sample-questions/essay/2). Já no caso dos critérios de correção e banca, não vejo tanta diferença, a não ser uma: a distribuição dos pontos. Também para o SAT, são designados dois corretores (ou mais, quando necessário) por redação e a grade deixa margem para a subjetividade, a depender do estilo de escrita. Os critérios de correção da competência 1 no ENEM (excelente, bom, mediano etc.) são os mesmos encontrados na grade do SAT em “command of the conventions of standard written English” – a saber, com notas atribuídas de 1 a 4 (controle fraco, limitado, bom ou forte). Entendo que a margem de subjetividade é menor no SAT e talvez uma propositiva que deva fazer seria substituir a distribuição de nota das competências que varia de 0 a 200 pontos por um sistema de 1 a 4 pontos, ou mesmo de 0 a 200, marcando somente a cada 40 pontos para refletir diretamente cada descritor das competências (que não são duzentos!). Por fim, acrescento que quando o aluno brasileiro depara-se com propostas de escritas no modelo americano e também no IB, cujas características você ilustrou brilhantemente em outro artigo, fica paralisado. Que tipo de leitor e escritor (no sentido simples – daquele que escreve) estamos formando nas nossas escolas?

    1. Eduardo, obrigada pelo se comentário. É preciso compreender que há duas grandes diferenças no ambiente americano, em relação ao nosso. Uma é a familiaridade com os rubrics, os alunos buscam compreender os critérios de correção e eles são bastante divulgados nas próprias escolas. Faz parte do processo de ensino. Assim, as caraterísticas de cada tipo de texto são bastante disseminadas. A segunda é que o novo currículo americano (Common Core) também já traz as orientações sobre como analisar criticamente argumentações em textos, o que é praticado nas escolas dos estados que adotaram o currículo desde o fund II. Aliás, o CC tem muito da lógica do que se cobra no IB. A questão é que há uma convergência sobre o que deve ser ensinado aos alunos em países desenvolvidos. O Brasil tem ficado de fora dela. A BNCC tenta correr atrás, mas ainda vamos comer muita poeira, porque o documento é muito frágil. Veja a diferença com este aqui, que fizemos para Sobral, no Ceará.

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