Vamos ler o relatório do Pisa 2015 em Português?
Na semana passada, o Brasil conheceu os resultados da mais recente edição do Pisa, Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que aplica provas de Compreensão Leitora, Matemática e Ciências em alunos de 15 anos em 70 países.
A prova foi feita em 2015 e os resultados do desempenho dos alunos por país e algumas das informações complementares como gastos com educação, condições de ensino et c. foram divulgadas. É só o começo de uma infinita produção acadêmica dentro e fora da OCDE (que organiza a iniciativa) sobre esse enorme e relevante levantamento de informações educacionais em nível mundial.
Um fato interessante e diferente nesta edição foi que a imprensa brasileira participou de forma muito mais profunda e organizada da divulgação dos dados. O MEC e INEP estavam mais preparados e foram muito mais transparentes nos comentários que apresentaram aos jornalistas. Um ótimo contraponto ao tradicional “a foto é ruim, mas o filme e bom” que saíam nos releases do MEC e depois eram repercutidos na imprensa sem contestação.
Entretanto, a resposta dos formadores de opinião ficou na superficialidade de sempre. Quem tem paciência de ler esse tipo de relatório em sua integridade? Muita gente embarcou na ladaínha “temos o que comemorar”… Mesmo que desta vez, até o Ministro tenha dito que era pra ficarmos todos com vergonha. Mesmo que para ele seja mais fácil apontar coisas negativas na obra de seus antecessores, foi uma boa deixa para fazermos análises um pouco mais profundas.
Mas é inaceitável que a repercussão mantenha essa linha irresponsável de colocar panos quentes nas barbaridades que o Pisa revela. Enquanto praticamos o auto engano, sem ter coragem de admitir que ajudamos a acobertar a inércia, os países desenvolvidos estão disputando não as posições no ranking, mas a fatia de alunos que conseguem produzir acima do nível 5 do Pisa, que aqui no Brasil ninguem nem sabe o que significa.
O Pisa é muito mais que uma prova. É uma usina monumental de produção de dados, informações e análises de políticas educacionais. Transformou-se nesses 15 anos de existência em uma referência inesgotável de perspectivas do tema. O pisa não tem certo ou errado em termos de dados, tem os dados, ponto. Quem quiser analisá-los e até criticá-los, precisa, antes, conhecê-los.
A vergonha alheia no Brasil não fica só nas opiniões superficiais divulgadas na imprensa. Ficam também nas escolas de educação que criticam e fazem desdém com a iniciativa, sem conhecer o mínimo, nem que seja para conseguir explicar o que a iniciativa é capaz de apresentar.
Nesse cenário de mediocridade profissional dos educadores, é óbvio que o efeito Pisa nunca ocorreu no Brasil. O EFEITO PISA é a resposta estruturada às informações que o Pisa revela de maneira comparada, a introdução de novas políticas educacionais com preocupação com a excelência E COM a equidade, a maior transparência das decisões educacionais e o nível crescente de detalhe e de profundidade no debate público via imprensa e mídias sociais.
A melhor notícia sobre o Pisa no Brasil passou batida até agora. É o relatório detalhado que o MEC produziu tanto sobre a iniciativa em geral, quanto sobre o que é relativo ao Brasil como um todo e as subunidades federativas. É obrigatória a leitura do relatório por quem cobre e analisa o tema na imprensa, por quem quer ser professor e por quem produz pesquisa na área educacional.
Teremos finalmente o EFEITO PISA no Brasil?
No dia 6 de dezembro passado conhecemos os resultados do Pisa de 2015. O Brasil participa desse exame padronizado internacional desde sua primeira edição, em 2000. Dezesseis anos depois, não houve uma única política pública educacional em nível federal que pudesse ser caracterizada como resposta direta às sucessivas vergonhas apontadas pela iniciativa. Houve algumas em estados e municípios, mas o papel constitucional da União, induzindo e apoiando financeira e tecnicamente políticas de qualidade e equidade foi praticamente desperdiçado.
Dou exemplos focando em iniciativas federaisque tiveram muita visibilidade no período de 2000 a 2015:
Em 2006 uma emenda constitucional inseriu mais um item no artigo 206, que trata dos princípios da educação no Brasil:
“(item VIII) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal”
Teria sido uma excelente contribuição para a qualidade do ensino se um perfil mínimo profissional tivesse sido exigido para a implementação do piso, uma política pública que ensejaria o aumento da exigência para ser profissional da educação e a mais do que justa recompensa viria a reboque. A opção foi apenas aumentar as despesas de estados e municípios, num ato do mais puro corporativismo, um exemplo entre milhares de como quebramos o Brasil sem deixar um legado positivo para trás.
Outro exemplo na mesma linha (de como quebramos o Brasil sem deixar uma herança positiva de políticas educacionais) foi o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa. Criado pela Medida Provisória 586/12 (oi???? já foi usado antes, pessoal !!!!), previa gastar R$ 2,7 bilhões para criar um “ciclo de alfabetização” de 600 dias letivos (:o) para alfabetizar os alunos brasileiros até os 8 anos de idade (:0) – como é que o governo faz uma barbaridade dessas e os “formadores de opinião” apoiam???
O ciclo da alfabetização nos anos iniciais do ensino fundamental é um tempo sequencial de três anos (600 dias letivos), sem interrupções, dedicados à inserção da criança na cultura escolar, à aprendizagem da leitura e da escrita, à ampliação das capacidades de produção e compreensão de textos orais em situações familiares e não familiares e à ampliação do universo de referências culturais dos alunos nas diferentes áreas do conhecimento.
(No livreto do PNAIC: http://pacto.mec.gov.br/images/pdf/pacto_livreto.pdf – pg. 17)
A iniciativa de uma prova nacional docente que poderia induzir mudanças nos cursos de formação de professores, o currículo nacional que poderia aumentar de forma substancial o que se espera que os alunos brasileiros saibam e sejam capazes de fazer, a determinação do Custo Aluno Qualidade são exemplos de iniciativas com enorme potencial para acelerar a melhoria da qualidade da educação brasileira, mas foram engavetadas, atrasadas ou aleijadas até o presente momento. Até o caríssimo PNE (Plano Nacional de Educação), fantasia corporativista que pretende torrar 10% do PIB brasileiro sem oferecer parâmetros de qualidade à altura do gasto, é mais um infeliz exemplo de como quebrar o País simplesmente, sem construir um patrimônio social que compensasse o gasto (ver abaixo).
Ainda no Brasil, enquanto isso, alguns estados e municípios se mexeram, mas não a ponto de fazer cócegas nas notas do Pisa. Assim, tivemos um resultado de Prova Brasil estagnado e, obviamente, um Pisa digno de se cortar os pulsos.
Nesse período, fora do Brasil, muitos países fizeram mudanças substanciais em suas políticas educacionais com o objetivo de alcançar, ao mesmo tempo, a excelência e a equidade. Ou seja, não perder posições na corrida estratégica de formação de cérebros, ao mesmo tempo que se busca alcançar a justiça social. Essas reformas incluem, principalmente, um currículo academicamente rigoroso, formação docente para ensiná-lo, apoio operacional à estrutura de aprendizagem e monitoramento obsessivo do aprendizado para poder corrigir rumos.
Essa resposta estruturada às informações que o Pisa revela de maneira comparada, a introdução de novas políticas educacionais com preocupação com a excelência E COM a equidade, a maior transparência das decisões educacionais e o nível crescente de detalhe e de profundidade no debate público via imprensa e mídias sociais é o que estou chamando de EFEITO PISA.
Por aqui, a população foi às ruas e pediu, metaforicamente, educação padrão FIFA. Algo mais exigente para suceder o que o Pisa expõe: que não se aprende muita coisa nas escolas brasileiras. Entretanto, a resposta da sociedade brasileira às mazelas educacionais foi dada por meio do Congresso Nacional, que, pautado pelos sindicatos do setor educacional, burilou o texto e aprovou o Plano Nacional de Educação que prevê manter o desempenho dos alunos praticamente onde está hoje (meta 7 – chegar ao final do decênio com 473 pontos, que equivale ao nível 2 do pisa e meta 5 – alfabetizar as crianças até os 8 anos de idade), só que, como dito acima, gastando 10% do PIB.
A decisão de implementar aqui as reformas levadas a cabo em países como Canadá e Portugal, que já colhem ótimos resultados tanto em excelência, como em equidade, é política – fugir do corporativismo e da mediocridade e partir para enfrentar enormes desafios. Se resolvermos realmente priorizar a educação, teremos que quebrar paradigmas e abandonar maus hábitos. Isso vale para professores, alunos, suas famílias e até para a sociedade no seu conjunto. Exige dedicação, resiliência e ambição acadêmica. Se aplica para ricos e pobres, pois as comparações par a par envergonham também as escolas de elite – não nos enganemos.
Parte dessa inércia se deu porque os formadores de opinião de política educacional: ministério e secretarias de educação, acadêmicos, escolas de formação, ongs e jornalistas simplesmente ignoraram o que a iniciativa da OCDE oferece – informar políticas educacionais de maneira sistemática e comparada entre países/territórios. Parte disso se deve à preguiça mental, parte ao corporativismo e parte ao fato de a maioria desses atores não se sentir à vontade para ler em língua inglesa. Pois o MEC acaba de dar um passo importantíssimo na direção de, talvez, usar o Pisa como referência para alterar nossa infeliz trajetória educacional, produzindo um relatório completo, em Português, que explica o Pisa em geral e os resultados brasileiros.
Atenção, essa iniciativa do MEC configura uma quebra de paradigma muito importante. Ela só terá efeitos práticos se fizermos com que os alunos de Pedagogia e Licenciatura estudem esse relatório tanto na graduação, quanto na pós. Além disso, os formadores de opinião precisam sentar com calma e ler esse tipo de produção técnica para poder emitir suas opiniões com melhor embasamento. É isso que detona o EFEITO PISA, o resto é perda de tempo.
É uma importantíssima e positiva iniciativa do MEC/Inep e da Fundação Santillana, que estão de parabéns!