Pátria Educadora, ainda não foi desta vez…
No discurso de posse de seu segundo mandato, em 1º de janeiro de 2015, a Presidente Dilma anunciou o lema “Pátria Educadora”.
“Gostaria de anunciar agora o novo lema do meu governo. Ele é simples, é direto e é mobilizador. Reflete com clareza qual será a nossa grande prioridade e sinaliza para qual setor deve convergir o esforço de todas as áreas do governo. Nosso lema será: BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA!
Trata-se de lema com duplo significado. Ao bradarmos “BRASIL, PÁTRIA EDUCADORA” estamos dizendo que a educação será a prioridade das prioridades, mas também que devemos buscar, em todas as ações do governo, um sentido formador, uma prática cidadã, um compromisso de ética e um sentimento republicano.”
Não dá para discordar de que o tema, no Brasil, realmente precisa de um mote como este. Mesmo que não se tenha filhos em idade escolar, ou não seja um estudante, professor ou pesquisador, a percepção de que há algo de errado com a educação no País é muito clara. O que não é claro é o que seria o certo, ou o mais indicado, para a população brasileira saber mais coisas quando chega na vida adulta, para poder ser uma força de trabalho mais qualificada, uma massa de cidadãos menos manobrável e pessoas mais realizadas e felizes. Assim, tanto a Presidente pode dizer o que quiser porque a chance de que muita gente acredite nela é alta, quanto qualquer um pode fazer sugestões e vender soluções uma idéia genérica do que seja educação de qualidade.
Já expliquei isso aqui no post de 18/11.
O meu julgamento é que a educação é uma construção social contínua – qualidade é sempre relativa. A consequência disso é que eu estudo o que países desenvolvidos fazem, para poder desenhar projetos e fazer comentários sobre o que fazemos no Brasil. Se acreditarmos que a educação é mesma construção social contínua e olharmos em volta, perceberemos que, a depender da força de vontade dos Poderes Executivos e Legislativos de nossos entes federados, a população está lascada.
Precisamos dar um jeito de queimar etapas. Será que era isso que a Presidente tinha em mente quando fez seu discurso? Exatamente um ano depois já se pode fazer uma análise mais concreta do que ela planeja para o setor.
Neste post, vou comentar apenas o que a Presidente anunciou em seu discurso de janeiro de 2015 em relação à educação básica, sem entrar no ensino profissionalizante ou superior.
Continuou, então, a Presidente em seu discurso de posse do segundo mandato – separei e grifei os itens para facilitar a visualização das prioridades estabelecidas pela Presidente:
“Vamos continuar expandindo o acesso às creches e pré-escolas garantindo para todos, o cumprimento da meta de universalizar, até 2016, o acesso de todas as crianças de 4 e 5 anos à pré-escola.
Daremos sequência à implantação da alfabetização na idade certa e da educação em tempo integral.
Condição para que a nossa ênfase no ensino médio seja efetiva porque através dela buscaremos, em parceria com os estados, efetivar mudanças curriculares e aprimorar a formação dos professores. Sabemos que essa é uma área frágil no nosso sistema educacional.”
Em relação às creches:
É importante lembrar que a Constituição Brasileira define os papéis de cada tipo de ente federado quanto à educação básica (1) e que o Governo Federal tem “apenas” função redistributiva e supletiva, sendo responsável pela operação das instituições de ensino federais, como a rede de escolas Pedro II no Rio de Janeiro e as Universidades Federais. Assim, quando a Presidente diz que vai continuar expandindo o acesso a creches, o que ela quer dizer é que vai continuar enviando dinheiro e assistência técnica para os municípios CONSTRUÍREM e REFORMAREM creches, por meio de um Programa criado em 2007 chamdo Proinfância e o Brasil Carinhoso, que repassa recursos para municípios complementarem suas verbas em escolas que recebem crianças de família beneficiadas pelo Programa Bolsa Família. Quem opera o sistema de creches são os municípios. Um relatório do TCU de 2013 descreve o Proinfância em detalhes mostrava que o programa necessitava de importantes ajustes.
Em relação à alfabetização na idade certa, materializado no Governo Federal por meio do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa, de 2012, foi mais uma forma de deixar tudo como estava. Quem acompanha o nosso boletim da CBN, Missão Aluno (link novo– a partir de julho de 2015), sabe que nós achamos que a idade limite que o Governo Federal escolheu é, na verdade, alfabetizar na idade errada: 8 anos é muito tarde para se completar o processo de alfabetização. A cidade de Sobral, no semi-árido cearense, que inspirou o programa, concluí o processo de alfabetização de seus alunos antes dos 7 anos.
Em relação à educação em tempo integral, o programa federal que trata do assunto é o Mais Educação, também criado em 2007, e é um conjunto de atividades complementares ao tempo regular da escola, em geral de 4 horas, no máximo. Uma breve descrição dele está a seguir:
“Essa estratégia promove a ampliação de tempos, espaços, oportunidades educativas e o compartilhamento da tarefa de educar entre os profissionais da educação e de outras áreas, as famílias e diferentes atores sociais, sob a coordenação da escola e dos professores. Isso porque a Educação Integral, associada ao processo de escolarização, pressupõe a aprendizagem conectada à vida e ao universo de interesses e de possibilidades das crianças, adolescentes e jovens.”
Já a ênfase no ensino médio, que seria “uma área frágil” do sistema educacional brasileiro, considero uma falácia, porque TODO O SISTEMA educacional brasileiro é frágil, a começar pela alfabetização tardia e rarefeita.
Por último, as mudanças curriculares, apresentadas pelo MEC no site da Base Nacional Comum em Setembro de 2015, e a formação dos professores, que delas decorre, ou deveria decorrer, já tem sido bastante abordadas por nós, tanto aqui no blog, quanto no Missão Aluno.
A Presidente continuou seu discurso dizendo de onde vinham os recursos para custear a Pátria Educadora:
“Ao longo deste novo mandato, a educação começará a receber volumes mais expressivos de recursos oriundos dos royalties do petróleo e do fundo social do pré-sal. Assim, à nossa determinação política se somarão mais recursos e mais investimentos.”
Houve aumento de royalties de petróleo? Pelo contrário, os recursos para educação já sofreram cortes e estados e municípios, que operam as redes educacionais, estão se preparando para um colapso. Se a determinação política que criou programas pouco ambiciosos já não era muito brilhante, sem recursos, a tal Pátria Educadora parece que vai continuar um sonho distante.
(1) “Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.”