Percebemos no dia a dia que o Brasil é um país atrasado. Economicamente atrasado? não muito. Tecnologicamente atrasado? Certamente que não, desde que analisemos um setor cuja clientela possa pagar pelos avanços tecnológicos recentes. Socialmente atrasado? Sem dúvida. A nossa sociedade não só aceita, como se regozija com o que hoje é considerado inaceitável em muitos países. Racismo e machismo nas relações pessoais, patrimonialismo e nepotismo no setor público e privado – todos os tipos de opressão e desequilíbrio de poder exercidos por pessoas e grupos mais fortes e poderosos sobre os mais fracos e vulneráveis
Obviamente essa cultura da desigualdade reflete-se nas relações do Estado (nas suas instâncias federal, estaduais e municipais) com a sociedade. O uso do Estado para oprimir os mais fracos não se dá apenas pelo exercício do monopólio da violência, mas principalmente, agora que somos uma democracia, pela captura dos recursos de todos os contribuintes para depois distribuí-los de maneira injusta por políticas públicas ou mal desenhadas e implementadas ou bem desenhadas, mas para beneficiar poucos em detrimento de muitos.
Um dos setores onde se vê claramente como todos pagam e poucos se beneficiam é a educação. No nível básico, temos um atendimento não universalizado (mesmo que compulsório de 4 a 17 anos) cuja má qualidade expulsa praticamente a metade dos alunos antes da conclusão do ensino médio – todo mundo paga, mas só alguns saem com o diploma. Os contribuintes pagam impostos para as novas gerações aprenderem, mas pouquíssimos aprendem o suficiente para resultar em mão de obra qualificada ou em cidadãos antenados e ativos para resguardar seus próprios direitos. No ensino superior público, a qualidade não é muito melhor mas como o processo é muito seletivo e um bom diploma dá acesso à remuneração bem vantajosa, temos menor evasão proporcional. Mais uma vez, muitos pagam e só poucos se beneficiam. O grande potencial regressivo das universidades públicas é aferido por uma contraposição de custos com benefícios.
Um excelente artigo do Professor Charles Mady, publicado no Jornal o Estado de S. Paulo em 21/10/2015, expõe esse potencial para a área das políticas públicas de Medicina e faz um paralelo com as da Educação. Gastamos fortunas com as universidades, mas as políticas públicas de interesse majoritário são apenas marginalmente pautadas por boas evidências produzidas por seus acadêmicos, ou mesmo por proposições de desenho e avaliação delas. Há exceções, óbvio. Mas a contribuição dos acadêmicos de instituições públicas deveria ser a regra: formar bons professores (e no caso do argumento do artigo, médicos), pesquisar soluções eficazes e eficientes para problemas recorrentes ou crônicos do setor público, melhorar a qualidade do ensino – tudo que o conhecimento, a prática docente e a pesquisa podem apresentar para aprimorar o bem comum e o padrão de vida de quem depende dos serviços do Estado.
Ao conjunto das políticas públicas que tiram de todos para só dar a alguns, ou tiram dos mais pobres para dar aos menos pobres e aos ricos, damos o nome de políticas regressivas. Somos bons nisso em vários setores do Estado brasileiro. O livro a Previdência Injusta, de Brian Nicholson mostra de maneira muito didática essa prática no setor da Previdência. Temos ainda a generosidade do BNDES com grandes empresas e um monte de outros exemplos.
Mas uma Proposta de Emenda à Constituição pode dar uma contribuição para mitigar o caráter regressivo da educação superior pública brasileira. O Brasil é amplamente criticado internacionalmente por manter o desenho do financiamento das universidades públicas para poucos alunos e ainda menos professores do jeito que é hoje. Ou seja, um grupo seleto de estudantes garante seu acesso aos melhores empregos enquanto um grupo ainda mais seleto de docentes trabalha sem dar satisfação a ninguém, em nome de uma autonomia sem limites. Quem mais paga a conta, fica de fora.
A PEC 395/2014, que altera a redação do inciso IV do art. 206 da Constituição Federal no que se refere à gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais para “gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais de educação básica e, na educação superior, para os cursos regulares de graduação, mestrado e doutorado“. A PEC, portanto, suspenderia o princípio da gratuidade apenas para as atividades de extensão caracterizadas como cursos de treinamento e aperfeiçoamento, assim como os cursos de especialização. Mesmo assim, já é um avanço.
A tramitação ainda continua, mas assim como outros paradigmas que precisamos repensar, privilégios de poucos com dinheiro de muitos que precisamos abolir, é preciso redesenhar as políticas educacionais. Se a universidade é pública, que dê preferência aos mais pobres por meio de bolsas e cotas. Que exija de seus acadêmicos uma maior contribuição para o aprimoramento de políticas também públicas. O que temos hoje não é justo para quem paga a conta, mas é privilégio para quem se beneficia.
Desde a época que estava no ensino médio, indagava com meus professores esta total inversão e perversão do sistema educacional brasileiro: Na educação básica temos uma escola pública de baixa qualidade para muitos, e uma escola privada de melhor qualidade para poucos que podem pagar. No ensino superior, as coisas se invertem. Temos as universidades públicas e gratuitas para todos, com uma qualidade bem superior as particulares, mas com acesso restrito, cujas vagas são ocupadas em sua maior parte por aqueles advindos da escola privada. Isso é justo? E apesar de alguns programas, como FIES e PROUNI terem ampliado o acesso dos estudantes no nível superior, o que eles fazem é levar para a setor privado, estudantes de baixa renda que tiveram um educação pífia, e que continuarão a ter, já que a qualidade do ensino superior em faculdades e universidades particulares, com raras exceções, mostram-se pouco satisfatórias.
Parabéns pelo belo texto, Ilona!
Esperança é a última que morre…..a educação precisa ser uma realidade nesse país!!!!