Nas últimas décadas, embora tendo aprimorado algumas instituições e práticas, o Brasil perdeu inúmeras oportunidades de aumentar a capacidade do Estado em servir seus contribuintes e de se modernizar como sociedade. Particularmente na área da educação, más escolhas nos levaram ,por exemplo, a negociar um PNE medíocre em termos de padrões de qualidade e surreal em termos de gastos. A desenhar tão mal o FIES a ponto de quebrar o sistema depois de enriquecer um grupo seleto de investidores, sem que a qualidade da nossa força de trabalho fosse substancialmente aprimorada. Brigamos com a palavra qualidade e nos casamos com a demagogia e o populismo. Com uma análise mais aprofundada dos dados do Pisa podemos ver que a educação quase não melhora desde 2000, o que mudou foi a forma de organizar a amostra. Escolhemos fazer um programa de alfabetização “na idade certa” com parâmetros pouco exigentes que, na verdade, deixavam tudo como já estava: as crianças sendo mal e tardiamente alfabetizadas. Escolhemos para o novo Plano Nacional de Educação, que vale para os próximos 9 anos, manter a média brasileira no nível 2 do Pisa, o que significa aceitar que nossos proto-cidadãos de 15 anos mal compreendem o que lêem.
Agora temos a oportunidade de corrigir esses erros e desenhar um currículo de alta qualidade para nosso País. É uma oportunidade de sermos ambiciosos com nosso futuro: com uma população que domine mais conhecimenetos e mais habilidades cognitivas poderemos todos fazer mais pelo País. Para isso, precisaremos abandonar a lógica do populismo, da mediocridade, da desonestidade intelectual e da preguiça mental para nos jogarmos de cabeça no rigor acadêmico universalizado, na institucionalização profunda das relações dos ambientes escolares e em padrões de desempenho profissional docente bem detalhados e muito exigentes. Isso tudo pode ser consequência do desenho da nossa Base Nacional Comum (BNC).
Abriu-se o portal da BNC para que todos possam compreender e participar do processo de sua construção. É obrigação de todos os brasileiros acompanhar esse processo, estudar seus conteúdos para compreender as consequências de cada escolha. É da nossa vigilância informada que depende seu formato final. RIGOR e PROGRESSÃO em padrão internacional têm que ser inventados no Brasil, nossa zona de conforto é a lei do menor esforço.
Nós aqui do Exequi e do Missão Aluno da Rádio CBN vamos ajudar a destrinchar os assuntos para nossos leitores e ouvintes.
Hoje faço um pequeno resumo das minhas primeiras impressões sobre o portal da BNC:
1) Foram organizados todos os documentos que os Estados da Federação brasileira julgaram ser os mais atuais ou válidos. De uma maneira geral, esses documentos são muito frágeis, mal organizados, com muito blá, blá, blá pseudo-acadêmico e pouca explicações sobre os itens curriculares em si, de forma que a função de orientar escolas e professores sobre como introduzir, progredir e avaliar os tópicos fica muito prejudicada. Apresento, logo a seguir, duas exceções QUE DEVEM SER LIDAM COM ATENÇÃO E COMPREENDIDAS para quem está envolvido em atividades escolares, MESMO EM ESCOLAS PRIVADAS, que, neste momento, estejam se achando alheias e acima desse processo. Se ele for bom e exigente mesmo, as escolas privadas vão ser afetadas sim.
2) No portal informa-se que a BCN conta com “protagonistas“, mas alí temos apenas uma pista de como eles estão classificados. Não sabemos, por exemplo, o nível de internacionalização dos consultores. Se começarmos sem incluir gente altamente qualificada em padrão internacional, COMO FIZERAM PAÍSES DESENVOLVIDOS, como França, Inglaterra e Portugal, JÁ TEREMOS QUEIMADO A LARGADA. Não tenho notícia de comitês curriculares tão abrangentes como o nosso, que conta com 116 especialistas, mas pode ser que a prática de não desagradar ninguém e incluir o desenho do currículo nas barganhas políticas com as bases de apoio ao governo federal ainda esteja funcionando plenamente.
3) Na biblioteca do portal há não só toda a legislação pertinente ao tema, mas em seu rodapé temos os links para as documentações curriculares dos seguintes países:
The New Zealand Curriculum Online.
United Kigdom National curriculum
The Australian Curriculum
Acho muito importante que essas referências estejam aí e acredito que ficaram faltando duas: a de Ontario e a de Portugal. A primeira porque é uma proposta, como as outras, com detalhamento, progressão e rigor, mas que é apresentada de forma muito simples e bem organizada. A segunda, porque é quase tão bem feita e exigente quanto as outras e está em português. Não incluir a leitura do currículo de Portugal em um processo como este no Brasil é uma tremenda bobeada do MEC. Os educadores brasileiros, apenas como exceção, dominam a LÍNGUA INGLESA. Também não acompanharam as reformas curriculares mundo afora e, portanto, não dominam o jargão.
Há dois documentos brasileiros cuja leitura indicamos fortemente:
a) As orientações curriculares para educação infantil do Governo do Estado do Ceará
b) Toda a documentação curricular do Acre
O documento da educação infantil do Ceará é uma publicação rara. Não é comum (e há até muito preconceito) em se estabelecer parâmetros curriculares para esta fase de ensino. O conjunto da documentação do Acre é muito bem feito, um dos que apresenta maior rigor, progressão e ferramentas para professores.
NÃO DEIXEM DE LÊ-LOS!!!
Segundo a British Council, 5% da população falam inglês, fluentes, menos de 1%dos brasileiros. Os alunos da escola pública saem das escolas públicas e alegam que não sabem inglês,isto nos leva a repensar sobre a formação de nossos professores de inglês que não estão preparados para garantir este direito de aprendizagem, apesar do governo gastar muito dinheiro com com livros didáticos, falta tecnologia, falta formação continuada a estes professores que desempenham sua função de forma isolada e solitária. Com certeza o MEC deve ter dados sobre isso, e investirão nos professores de inglês e garantir um ensino de qualidade aos nossos adolescentes?
Ouvi hoje seu comentário na CBN sobre as possíveis mudanças no Currículo. Realmente a situação é preocupante, e temos que acompanhar para não sermos reféns de uma educação sem foco e que vai impactar diretamente o futuro de nosso filhos. Minha filha tem 12 anos e meu filho, 4. Prevejo que esse site será leitura obrigatória e constante. S[o não consegui abrir os documentos acima (referente aos estados do Ceará e Acre), deu erro.
Danilo, Acabei de testar os links da BNCC. Pode ir lá, clicar em http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/propostas e escolher o estado que quiser pelo mapa que as propostas publicada estão acessíveis.
Fico muito feliz que a criação de um currículo mínimo nacional esteja sendo discutida no âmbito do MEC. Finalmente! Olhei rapidamente o portal da Base Nacional para buscar informações sobre orientações para educação de ciência da computação no ensino fundamental. Infelizmente, não encontrei nada. O documento do Ceará (e outros) menciona o uso de computadores, mas sempre como uma ferramenta. No entanto, mais do que usar uma ferramenta, creio ser muito mais importante que o aluno entenda como um computador funciona. A inserção de conceitos básicos de ciência da computação no ensino fundamental já é feita em várias escolas, muitas vezes em atividades extra-curriculares como robótica. A inclusão da ciência da computação no currículo do ensino fundamental é, em minha visão, de extrema importância para que tenhamos uma população melhor preparada para o futuro (e para o presente!). Qual é a chance disso acontecer?
Felipe,
Segundo a documentação que está no site do MEC nosso currículo nacional deve seguir a estrutura de disciplinas e seus subcomponentes, como por exemplo Álgebra e Geometria na disciplina de Matemática. Menos mal, porque é assim que se faz em países desenvolvidos COM BASE EM EVIDÊNCIAS EMPÍRICAS sobre métodos de ensino. As “modinhas de estação” com grife do tipo ” Finlândia vai acabar com as disciplinas” é para quem gosta de comprar produtos falsificados. Você tem razão, programação de computadores tem sido introduzido em muitas escolas como atividade extra curricular. É o velho e confortável “bom de ter”. O que é essencial de ter é a Língua Materna e a Matemática. Em inglês, Literacy e Numeracy, que ocupam, no mínimo 75% do tempo de instrução em escolas de países industrializados, que já contam com carga horária letiva diária bem maior que a nossa. Meu sonho para o Brasil é aproximar a população da experiência educacional que a população estudantil desses países usufruem. O “bom de ter” é, então, periférico neste momento.
Ilona,
Obrigado por sua resposta!
Veja que não mencionei especificamente “programação de computadores”. Qualquer linguagem de programação pode ser considerada apenas uma ferramenta. Estou realmente preocupado com os conceitos da ciência da computação que, assim como a álgebra e a geometria, são essencialmente parte da matemática. A programação e a robótica poderiam ser ferramentas utilizadas para concretizarem esses conceitos.