http://cbn.globoradio.globo.com/colunas/missao-aluno/MISSAO-ALUNO.htm
Na semana passada, estive em dois eventos relacionados ao tema: a apresentação dos trabalhos de pesquisa dos bolsistas da Fundação Lemann na Universidade Stanford e um evento de uma empresa de tecnologia, a BlackBoard, sobre o uso e a gestão de tecnologias em educação. O que eu trago para os ouvintes hoje é um breve resumo da minha opinião sobre o assunto, depois de ler bastante a respeito, e uma seleção do material do evento, incluindo um relatório do Ministério da Educação dos Estados Unidos (US Dept. of Education) sobre o tema da educação on-line. Esse relatório resumiu uma abrangente revisão bibliográfica sobre o tema.
Toda vez que se introduz uma nova tecnologia, cria-se um mercado correspondente, que pode potencialmente acabar com outros e até com algumas profissões. Por exemplo, os computadores acabaram com a profissão de datilógrafo, mas aumentaram de forma brutal a produtividade de todo o tipo de produção escrita. A internet está derrubando inúmeras barreiras de acesso a informação e possibilitando a conexão entre pessoas que, de outra forma, poderiam estar isoladas de outras pessoas e de muitos conteúdos.
Assim, é óbvio que a tecnologia pode substituir os professores, certo? Ou, pelo menos, ela pode torná-los melhor e fazer todo mundo aprender mais? Talvez não.
Dando um passo para trás, vamos ver o que é o mercado educacional brasileiro. De um lado, é um mercado em expansão, com milhões de consumidores entrando ano a ano nos diferentes níveis educacionais, da escola básica à pós-graduação. O Congresso votou recentemente o Plano Nacional de Educação que demanda um aumento substancial nos gastos públicos com educação. As empresas do setor estão encantadas com o Brasil.
Além disso, estamos em período eleitoral: oferecer tablets e acesso a internet para alunos e professores é muito atrativo do ponto de vista político.
Na disputa pelos recursos adicionais para a educação, que serão tirados ou do bolso do contribuinte, ou de outros setores da economia, é aflitivo perceber que teremos que pagar bem mais aos professores se quisermos uma educação de alta qualidade.
Assim, a tecnologia como grande instrumento para passar conteúdo e monitorar o desempenho dos alunos parece ser do interesse de muita gente. Mas ainda não há nenhuma prova de que seja realmente do interesse dos alunos. Em particular daqueles que precisam de mais atenção do sistema educativo que os demais.
Do outro lado dessa disputa por atenção e recursos está um sistema educacional fragilizado, com poucas condições de participar dos processos decisórios da compra e uso desses materiais e pais com baixa escolaridade, quem também não podem ou conseguem opinar.
O que os dois acadêmicos e o relatório do Ministério da Educação dos EUA mostram é que a tecnologia, para ter seu potencial educativo otimizado em benefício dos alunos e da sociedade (e não dos acionistas das empresas de tecnologia) é um enorme desafio.
A Profa. Carolina da Costa do Insper, por exemplo, mostrou em sua apresentação que a tecnologia dá mais trabalho para o professor (para o bom professor!) e não menos, porque a gestão da aprendizagem fica mais sofisticada, as atividades por meio on-line para serem interessantes, precisam ser mais atraentes, aumenta a cobrança por um feedback mais detalhado no desempenho das atividades propostas e se os alunos acabam ficando com mais tempo de sobra, como mantê-los engajados e o que fazer com esse tempo?
Uma das coisas que se diz muito a respeito dos alunos brasileiros, da escola básica à pós graduação, é que eles lêem muito pouco e têm baixa capacidade de elaborar os textos que leem. Quais as propostas da tecnologia para resolver esse problema, por exemplo?
O Prof. Tel Amiel, pesquisador do NIED (UNICAMP) e do Laboratório de tecnologias de aprendizado transformativo (TLTL/Centro Lemann) em Stanford, mostrou que a atividade docente tem inúmeros componentes não relacionados com tecnologia que afetam seu resultado, como a infraestrutura, a formação, o trabalho com pares etc.
A mensagem que ficou para mim é: devagar com o andor que o santo é de barro. Se nossa educação é frágil, não é vendendo equipamentos e aplicativos que vamos fazer com que os alunos aprendam mais. Eles podem ajudar sim, mas ainda dependem de bons professores. Ainda não podemos prever para eles o mesmo futuro das datilógrafas.