Será que vamos acabar com um currículo igual ao da Namíbia?
O MEC divulgou na semana passada um release comunicando o início do processo de consulta às secretarias municipais e estaduais para a construção na nova Base Nacional Comum da Educação Básica. Temo que a iniciativa vá nos deixar exatamente onde estamos. As pistas para fazer esta afirmação são as seguintes:
1) chamar o currículo nacional de base nacional comum. Art 26 da LDB fala em currículo e em BNC, mas o que existe nos países desenvolvidos é um currículo igual para todos, com NUANCES de contexto. Se não entendermos isso, vamos continuar a nos enganar, sob o manto de um discurso eufemístico, que não se compromete com nada. O Ministro anterior (Mercadante) chegou a chamar de “direitos de aprendizagem” a mesma iniciativa e até agora o que surge em termos de documentação e projetos é pífio. Ver link abaixo.
Os países que levaram esse processo a sério fizeram suas propostas internamente em seus ministérios e APENAS DEPOIS o submeteram ao escrutínio da sociedade e dos grupos de interesse. Se o MEC seguir a ordem anunciada, o pessoal do cinema nacional, do futebol, do empreendedorismo et c. e tal vai ocupar o espaço do currículo e não vai sobrar nada para a língua portuguesa, matemática e ciências, como já ocorre hoje. A responsabilidade de fazer algo de qualidade é do MEC, que deveria começar uma iniciativa como essa analisando o que há de mais atual nas democracias industrializadas que reformaram seus currículos recentemente (ver links abaixo)
2) começar por uma consulta pública às secretarias estaduais e municipais sobre os currículos que eles montaram com base nas diretrizes curriculares nacionais de 2010, conforme está no release do MEC, é correr atrás do próprio rabo. Que inovação, que salto de qualidade o Governo Federal pretende dar ao criar um processo absolutamente endógeno, ou seja, um processo que se alimentará das referências que os brasileiros já têm, em cima de diretrizes absolutamente desatualizadas e inespecíficas?
3) O release do MEC também diz que vai ouvir especialistas e professores das áreas de conhecimento. O que pode parecer uma boa ideia, traz embutido o risco de também permanecermos exatamente onde estamos, porque desenhar um currículo pressupõe o domínio tanto das áreas do conhecimento, quanto das melhores formas de se ensinar cada ponto, além dos pressupostos da progressão do conhecimento e da especificação do que o aluno tem que aprender. Teremos que pagar para ver, lógico, mas a área de educação brasileira é avessa à especificação, sob a argumentação de que especificar o que o aluno deve aprender é acabar com a autonomia do professor.
Da mesma forma que não aceitamos que um pronto-socorro faça a triagem de atendimento de pacientes com traumatismo craniano do jeito que quiser, ou que as empreiteiras construam pontes do jeito que achem melhor, não podemos aceitar que cada escola decida o que o seu aluno vai aprender. Há que se ter coragem para subir a barra para todos, inclusive para as escolas particulares.
Que exemplos podemos usar para nos espelharmos?
Eu gostaria de que fôssemos buscar os exemplos dos países ditos desenvolvidos, ou das democracias industrializadas, tais como Canadá, Reino Unido, Austrália, Portugal e a Finlândia, que reformaram seus currículos recentemente e não temem nem a nomenclatura, nem a especificação. Mas também garantem às suas escolas recursos materiais e humanos DE ALTA QUALIDADE.
Eu não gostaria de que o Governo Federal brasileiro deixasse a coisa tão espontânea, tão autônoma, tão a mercê dos grupos de interesse, que a gente terminasse com um currículo igual ao da Namíbia. Se compararmos os currículos dos países desenvolvidos como que temos hoje no Brasil e com o da Namíbia, vamos perceber que a estrutura e a argumentação dos documentos brasileiros são muito mais parecidos com o do país africano: “A visão Namíbia 2030 do currículo do futuro”, que inspira sonhos, mas não traz NENHUMA PISTA sobre como planejar aulas para quem precisa ajudar os alunos a aprender a ler e fazer contas. Seguem abaixo os links de cada país.
Democracias industrializadas
Austrália
http://www.australiancurriculum.edu.au/
Portugal
Canadá – Ontario
http://www.edu.gov.on.ca/eng/curriculum/
UK
Clique para acessar o PRIMARY_national_curriculum_-_English_220714.pdf
Finlandia:
Clique para acessar o 47675_POPS_net_new_2.pdf
Países subdesenvolvidos
Brasil:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&id=12992:diretrizes-para-a-educacao-basica
Namibia:
Clique para acessar o National_Curriculum_for_Basic_Education.pdf